Brasileiros negros contam os desafios de estudar em Stanford: “É possível”

Considerada uma das universidades estadunidenses mais prestigiadas do mundo, Stanford está cada vez mais abrindo suas portas para alunos de diversas origens. Embora desafiador, estudantes brasileiros negros estão conseguindo ocupar esse espaço, fundado em 1885.

Ainda são poucos, mas estão unidos para conseguir mudar a ideia de que o sonho de estudar no exterior é impossível para quem vem do Brasil, ou para quem possui origem periférica e não faz parte do perfil que se imagina de um aluno de uma tradicional instituição norte-americana.

É o caso de Francielle Santos, 31. Ela foi para a Califórnia há pouco mais de um ano para cursar o mestrado em educação internacional comparada e hoje trabalha como assistente de pesquisa em Stanford.

Além disso, ela faz parte de um coletivo de alunos brasileiros negros, que se unem para trocar experiências e também auxiliar quem deseja buscar uma bolsa nas dezenas de cursos que a instituição oferece.

Agora que terminou o mestrado, Francielle não mora mais dentro do campus, mas sim numa cidade vizinha a Palo Alto, Oakland. São cerca de 1h30 de transporte público até a universidade para acompanhar as aulas do professor que ela auxilia e os trabalhos feitos pelo Lemann Center, um centro de pesquisa e inovação sobre o Brasil dentro da universidade.

“Está sendo uma experiência de altos e baixos. Eu reconheço e valorizo muito essa oportunidade, de ter estudado em uma das melhores universidades do mundo, ter tido contato com pessoas do mundo inteiro que veem que a educação importa. Mas, ainda são os Estados Unidos, é Stanford, um lugar extremamente elitista, com dificuldades de permear os espaços e se sentir 100% confortável”, diz Francielle à CNN.


Alunos do coletivo negro, formado por brasileiros, em Stanford • Arquivo Pessoal

Da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, Leandro Vieira, 29, ocupou um espaço ainda mais tradicional dentro de Stanford, o curso de MBA da Graduate School of Business, que existe desde 1925. O MBA nos Estados Unidos funciona de forma diferente do conhecido aqui no Brasil, em que ele é uma pós-graduação latu sensu focada em uma área específica.

“Aqui funciona como um mestrado em que você fica dois anos full time cobrindo todas as principais funções dentro do mundo do business. Você vai ter que estudar matérias em operações, marketing, finanças, estratégia, tecnologia, um conjunto de coisas”, explica Leonardo.

Ele está ainda no primeiro trimestre do MBA, que envolve essas aulas mais gerais. Já o segundo ano é formado pelas eletivas, em que o aluno “faz a sua própria aventura”, como define o próprio estudante.

“Você consegue experimentar tudo que tem vontade e curiosidade de fazer. Se quiser construir uma empresa de inteligência artificial, você vai ter espaço, recursos, pessoas, mentores para fazer isso acontecer. Outras pessoas querem seguir carreiras mais tradicionais, ir para banco de investimentos, consultoria, big tech. E para tudo isso tem um time de carreiras que vai conseguir te apoiar.”

Além disso, Leonardo tem toda a infraestrutura do campus à disposição dele: “As aulas ocupam um espaço relativamente pequeno da minha semana, tenho muito espaço livre para explorar. A sensação que eu tenho é que para cada hora do meu dia eu preciso tomar uma decisão entre três, quatro coisas que estão rolando por aqui”.

Posso ir num show que está acontecendo no teatro ou participar de um jantar com o sócio de um fundo de investimentos. Sinto que o maior desafio acaba sendo ter que estar o tempo todo se lembrando do porque você está aqui em primeiro lugar, e ser bastante intencional nessas decisões.


Leonardo Vieira, aluno brasileiro do MBA de Stanford

Essa liberdade de tempo é totalmente diferente da experiência que Leonardo teve no Rio durante a graduação. Ele cresceu em Queimados e estudou direito na PUC-RJ, na zona sul da capital fluminense. Um percurso de quase 3 horas de transporte público para ir e voltar. Em Palo Alto, ele mora nas residências estudantis, a uma rua de distância da escola de business.

Antes de ir para Stanford, Leonardo trabalhava como head de produto na Ambev, onde cuidava da operação de lojas autônomas instaladas dentro de condomínios.


Leonardo Vieira, aluno do MBA de da Graduate School of Business de Stanford
Leonardo Vieira, aluno do MBA Graduate School of Business de Stanford • Arquivo Pessoal

Já Francielle cresceu na periferia de Sertãozinho, no interior de São Paulo. Ela é formada em matemática pela USP (Universidade de São Paulo) e mudou-se para a capital paulista para trabalhar com educação. “Trabalhava no Instituto Canoa, que é uma organização sem fins lucrativos de formação de professores de matemáticas e ciências com uma pedagogia focada em equidade.”

Antes disso, ela trabalhou como professora em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Foi lá que ela descobriu que era possível conseguir uma bolsa de estudos em uma das universidades mais importantes do mundo. “Fui construindo esse sonho conforme fui tendo acesso à informação, aos espaços e ao entendimento do que era possível”, relembra.

“Em 2018, através de uma oportunidade de trabalho em que tinha contato com professores de Stanford, uma das professoras, já aposentada da universidade, olhou para mim e disse que eu tinha que fazer minha pós aqui, me deu bastante apoio. Foi quando comecei a buscar nas pessoas ao meu redor o entendimento do que precisava ser feito, de qual era o passo a passo para isso”, destaca.

Primeiros passos para estudar em Stanford

O processo para uma bolsa de pós-graduação em Stanford costuma envolver o envio do histórico acadêmico, a realização de provas, o certificado de proficiência em inglês, cartas de recomendação e um currículo.


Stanford é a sexta melhor universidade do mundo, segundo o QS World University Rankings 2025 • Linda A. Cicero/Stanford News Service

Para Francielle, o idioma era a principal questão. “Me preparei por um tempo, pelo menos uns dois anos me aprofundando nos estudos de inglês. Precisava de carta de referência e não é muito óbvio como isso acontece, para quem pedir. Tem que enviar um currículo, mas tem muito mais a ver com impacto positivo. Foram vários processos simultâneos, mas o que eu mais sentia dificuldade era no inglês”.

Houve também a questão financeira. Ela destaca que as provas de proficiência são caras e que toda essa preparação foi um processo que demandou muito emocionalmente: “Tenho uma questão de autossabotagem, ficava enrolando, nunca achava que estava boa o suficiente para começar o processo de inscrição”, conta.

À CNN, Leonardo aponta também a matemática, exigido no processo seletivo para o MBA, como um “desencorajamento” que pode surgir para os candidatos negros brasileiros.

“Tudo na prova é muito orientado em como você resolve problemas matemáticos, lida com números, como você interpreta. Dependendo da educação que você teve acesso, muitas pessoas têm esse sentimento de que matemática ainda é um bicho de sete cabeças.”

A questão do déficit educacional da população negra brasileira na área de matemática foi justamente o tema da pesquisa de Francielle no mestrado.

“A gente não estar discutindo isso de maneira profunda, especialmente quando quem têm o pior desempenho nas provas são as crianças negras, é negligenciar o futuro delas e do país como um todo. Seja de pensar, por exemplo, em ir para cursos que no geral pagam melhores médias salariais, mas também para desempenhar seu papel como cidadão mesmo”, comenta a assistente de pesquisa.

Conexão e impacto

Apesar da dificuldade que sentiu em viver num ambiente elitista, Francielle conseguiu se aproximar da Black Community, formada por alunos negros de todos os cantos do mundo. Esse grupo, que promove networking, diversão e acolhida para esses estudantes, serviu de inspiração para o desenvolvimento de um coletivo formado apenas por estudantes negros brasileiros.

“Acho que éramos cinco no começo, que organizaram esse coletivo afro-brasileiro, pensando na importância de se juntar e se acolher, mas também pensar em oportunidades para outros estudantes negros que venham estudar em Stanford.”

A coletivo tem a ideia de mobilizar recursos para que mais pessoas negras ocupem a universidade. “A nossa intenção é conseguir não só prover informação, mas ser um espaço de mentoria, de planejamento, de mobilizar recursos para tornar possível a vinda de outras pessoas negras brasileiras.”

Francielle destaca ainda a possibilidade de participar de encontros informativos on-line promovidos pelo Lemann Center de Stanford para receber informações sobre bolsas de estudos — como a que viabilizou a ida dela para lá.

Mais negros na academia

O desejo dela é ter mais negros e brasileiros de outras regiões do país enriquecendo os espaços acadêmicos e os debates sobre a educação no Brasil.

Durante muito tempo, com todo respeito a todo conhecimento que já foi produzido, foi visto muito do mesmo em algumas áreas de produção do conhecimento. E eu acho que tem uma potência, uma inovação quando estudantes negros realizam suas pesquisas, desenvolvem seus projetos, participam das discussões nas aulas.


Francielle Santos, mestre em educação comparada pela Universidade de Stanford

Leonardo, por exemplo, é um dos primeiros brasileiros negros a cursar o MBA de Stanford. “A gente teve uma brasileria negra antes de mim, que acabou de se formar e se tornou uma referência, alguém com quem eu pude trocar ideia, e que de alguma forma virou esse marco de que era possível”. Segundo ele, a turma dele conta com 40% de alunos de fora dos Estados Unidos.

“Espero cumprir esse papel para as próximas gerações e tornar esse espaço cada vez mais diverso. A ideia é construir, abrir espaço e garantir com que mais brasileiros negros se sintam confortáveis em se candidatar e acreditar que esse espaço é também possível para eles.”

Enquanto Leonardo pensa em voltar ao Brasil para empreender, Francielle ainda não sabe quais os próximos passos que vai tomar, como por exemplo cursar um doutorado por lá. Contudo, ela já tem definida como meta colaborar com o desenvolvimento da educação no país.

“O que eu sei é que essa experiência me muniu de mais repertório e mais ferramentas para eu continuar advogando por essa educação de qualidade, equitativa, democrática com a qual eu sonho”, enfatiza.

Leonardo também planeja construir algo que tenha impacto no Brasil. “Estou aberto e decidindo se quero começar pelos Estados Unidos e ir para o Brasil, ou começar pelo Brasil imediatamente após o programa. Todo mundo agora está muito animado com inteligência artificial, eu sou uma dessas pessoas, e estou pensando em como construir algo nesse espaço.”

“Muda bastante quando temos brasileiros negros vindo para fora, para essas grandes universidades, aprender o que é necessário e voltar para o Brasil para fazer a diferença”, reforça Leonardo.

Dicas essenciais para quem quer estudar no exterior

 

Este conteúdo foi originalmente publicado em Brasileiros negros contam os desafios de estudar em Stanford: “É possível” no site CNN Brasil.

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