Vazamento é só mais uma peça no jogo que visa anistiar golpista

Instigado por um deputado bolsonarista, ministros bolsonaristas do tribunal compararam os presentes recebidos legalmente por Lula com a farra das joias sauditas de Bolsonaro.

Não faltou a patota de sempre na imprensa para reproduzir essa comparação insana, que foi fabricada sob medida para descredibilizar a justiça e mobilizar a militância bolsonarista.

Nesta semana, assistimos a mais uma comparação bizarra, que não respeita a lógica dos fatos e o bom senso. Anunciada como grande bomba, uma reportagem da Folha revelou conversas vazadas entre assessores do TSE que trabalhavam sob as ordens do presidente do tribunal, Alexandre de Moraes.

Um juiz auxiliar do ministro e um perito da corte eleitoral conversavam de maneira informal sobre pedidos de produção de relatórios. Ao contrário do que se quer fazer acreditar, não se viu no conteúdo dos diálogos nada que desabone o ministro.

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Juristas e analistas foram quase unânimes em afirmar que não houve qualquer ilegalidade. Até Ives Gandra, um jurista com tantos serviços prestados ao golpismo bolsonarista, não apontou problemas.

A própria reportagem da Folha não acusou nenhuma ilegalidade cometida pelo ministro, limitando-se a apontar “procedimentos fora do rito” — embora não tenha oferecido uma explicação objetiva do que isso significa. O fato é que a reportagem não revelou violação de qualquer regra, lei ou regimento. 

Imediatamente, o bolsonarismo e boa parte da imprensa corporativa passaram a comparar as conversas publicadas pelo jornal com a série de reportagens da Vaza Jato publicada pelo Intercept Brasil.

Comparando alhos e bugalhos: não é uma nova ‘Vaza Jato’

A comparação é absurda sob qualquer ponto de vista.

Enquanto a Vaza Jato revelou um conluio entre procuradores e um juiz com o objetivo de prender um ex-presidente da República sem provas, a reportagem da Folha revelou um conluio entre Alexandre de Moraes, presidente do TSE e…Alexandre de Moraes, ministro do STF, com o objetivo de prender golpistas que comprovadamente tentaram empreender um golpe de estado no país.

Parece uma comparação ridícula, e é. 

As conversas vazadas mostram dois subordinados atendendo a pedidos do chefe feitos dentro de suas atribuições legais. Goste-se ou não, o presidente do TSE tem poder de polícia e pode solicitar dados e informações de investigados, decretar o sequestro de bens, pedir a produção antecipada de provas, executar buscas e apreensões e outras medidas.

São atribuições previstas em lei e nada do que foi revelado até agora sugere uma ação feita por debaixo dos panos. Não considero bom esse acúmulo de poder pelo presidente do TSE, mas, se está previsto em lei, espero que ele seja usado e abusado contra os criminosos que tentaram destruir a democracia. 

Os assessores de Moraes tiveram que compilar dados de investigados que estavam disponíveis na internet. Diferente da Vaza Jato, a reportagem da Folha não revela grampos e quebra de sigilos ilegais, deturpação de fatos ou preocupação com o timing das investigações. Qualquer comparação nesse sentido é esdrúxula, desonesta e serve apenas para legitimar a falsa narrativa bolsonarista. 

A ideia é criar um ambiente para tentar anular as investigações.

A publicação da matéria da Folha é legítima, de interesse público, mas o fato é que ela não revelou qualquer tipo de ilegalidade. Bolsonaristas e alguns jornalistas ,nos dias seguintes, promoveram a escandalização do nada e tentaram vender a ideia de que estamos diante de uma “Vaza Jato do Xandão”. Mas, não passa de uma cópia barata.

No mundo real, o vazamento dessas conversas não altera em nada os inquéritos contra Bolsonaro. No mundo paralelo do surrealismo bolsonarista, estamos diante da comprovação cabal de que vivemos sob a ditadura do Xandão.

A reação de sempre do bolsonarismo: raiva e mentiras

Como sabemos, a realidade dos fatos não importa para bolsonaristas. Eles deturpam os acontecimentos e os embalam em uma narrativa que soa como música aos ouvidos da sua numerosa seita de seguidores. 

Cercado por vários inquéritos recheados de provas no STF e prevendo uma possível prisão, Bolsonaro e sua turma estão apostando suas últimas fichas na fabricação de factóides que inviabilizem o trabalho de Moraes.

A ideia é criar um ambiente para tentar anular as investigações ou, pelo menos, afastar o ministro do comando delas. São golpistas planejando golpes no modo desespero. Isso não chega a ser uma novidade. Lembremos que no ano passado o Marcos do Val confessou participar de um plano para grampear o ministro.

Logo em seguida à publicação da Folha, como era de se esperar, uma gritaria pelo impeachment de Moraes voltou com força para as redes sociais — o que faz parte do roteiro da extrema direita.

O bilionário Elon Musk, sempre disposto a abalar democracias pelo mundo afora, foi convocado e, claro, deu sua contribuição ao se mostrar indignado com mais essa arbitrariedade da ditadura do Xandão.

É evidente que estamos diante de um contra-ataque dos golpistas.

O deputado Eduardo Bolsonaro — aquele que disse que para fechar o STF bastaria mandar um cabo e um soldado — subiu ao plenário da Câmara para atacar Moraes aos gritos e palavrões: “Que porra de país é esse em que a gente está vivendo, caralho? Onde é que a gente vai parar? Quando é que esta casa vai acordar?”.

O deputado aproveitou também para insultar o delegado da Polícia Federal, Fábio Alvarez Shor, que comanda as investigações sobre o 8 de janeiro, chamando-o de “putinha do Alexandre de Moraes”.

O chihuahua do bolsonarismo Nikolas Ferreira exigiu o impeachment do ministro e o xingou de “covarde”, “mau caráter” e “mentiroso”. No senado, Flávio Bolsonaro chamou o caso de “atentado contra a democracia”. A reportagem da Folha ajudou o bolsonarismo a subir mais um degrau de agressividade nos ataques golpistas contra o STF.

E a imprensa? Passa pano

Toda essa indignação dos bolsonaristas foi de certa forma legitimada pelos nossos colunistões de sempre, que usaram seus espaços na imprensa para colocar uma nuvem de dúvidas sobre a cabeça de Alexandre de Moraes.

É irônico perceber que são os mesmos viúvos da Lava Jato que tanto se dedicaram a questionar, invalidar e criminalizar as primeiras reportagens da Vaza Jato.

Na GloboNews, Merval Pereira, que atuou durante anos como cheerleader do lavajatismo e atacou as reportagens da Vaza Jato com mentiras, deu pequenos chiliques ao vivo e se mostrou contrariado com colegas que não o acompanharam na escandalização do nada.

O flagrante conluio entre o juiz e procuradores do Paraná jamais motivou esse tipo de indignação de Merval, mesmo havendo uma pororoca de provas incontestáveis. Esse é o duplo padrão do jornalismo lavajatista. Assim como Merval, há muitos outros por aí segurando a mão do bolsonarismo.

É evidente que estamos diante de um contra-ataque dos golpistas contra as instituições que pretendem enquadrá-los. Há um grande movimento para anistiar os golpistas e permitir que Bolsonaro volte a ser elegível para disputar as próximas eleições.

Quem engrossa o coro dos indignados com essa nova categoria de crime, o “procedimentos fora do rito”, contribui — involuntariamente ou não — para uma anistia ampla, geral e irrestrita daqueles que tentaram solapar a democracia.

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