Deputados do PL tentam barrar resolução sobre atendimento humanizado a crianças e adolescentes que passam por aborto legal


Texto ao qual o blog teve acesso será analisado na próxima semana e traz orientações para caso em que vítimas de violência sexual divirjam dos responsáveis legais. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG)
Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
O Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) vota na próxima segunda-feira (23) uma resolução com orientações para o aborto legal em crianças e adolescentes. A análise, que já foi adiada uma vez, está movimentando políticos e influencers de direita, contrários à modificação.
Nesta semana, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) fez uma postagem afirmando que protolocaria uma indicação para que a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, rejeite a resolução, ameaçando entrar com um mandado de segurança caso ela seja aprovada. A deputada Julia Zanatta (PL-SC) apresentou um projeto para alterar a lei que cria o Conanda proibindo-o de discutir o tema do aborto em crianças e adolescentes. Já deputado Gustavo Gayer (PL-GO) apresentou moção de repúdio contra o conselho.
A resolução seria votada em novembro, mas a análise foi adiada porque representantes do governo no colegiado pediram vista. O texto, ao qual o blog teve acesso, visa a garantir um atendimento humanizado e especializado para crianças e adolescentes que têm direito ao procedimento: as vítimas de violência sexual, àquelas cuja a vida está em risco e as cujos fetos tenham anencefalia. Pela lei brasileira, qualquer relação sexual com menores de 14 anos já configura estupro.
O texto da minuta prevê que, identificada a gestação passível de aborto legal e manifestado o interesse na interrupção, o órgão do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) encaminhará a criança ou adolescente diretamente para o serviço de saúde para realizar o procedimento.
A resolução a ser avaliada vem na esteira de casos recentes em que crianças foram impedidas de realizar o aborto, mesmo manifestando a sua vontade. Em 2023, uma criança de 10 anos, estuprada pelo tio, precisou entrar escondida em um hospital para realizar o procedimento, dado o assédio de conservadores que tentavam impedi-la. Em julho deste ano, uma menina de 13 foi impedida pela Justiça de fazer o aborto depois que seu pai fez um acordo com o estuprador para ele se responsabilizar pela criança.
Para contornar situações como essa, o documento em análise detalha quais procedimentos devem ser adotados quando os responsáveis divergirem da decisão da criança ou adolescente. Caso a presença dos responsáveis possa causar “danos físicos, mentais ou sociais”, e se ela tiver capacidade para tomar a decisão, o profissional deve garantir o processo de escuta, manifestação de vontade e que quaisquer outros “tratamentos ou cuidados, devidamente consentidos, sejam realizados sem qualquer impedimento”.
No caso em que os responsáveis estiverem presentes e divergirem, eles também devem ser acolhidos, mas priorizando o desejo manifestado pela menor de idade. Se a divergência persistir, a recomendação é para acionar a Defensoria Pública ou Ministério Público.
“O exercício regular do poder familiar deve assegurar que crianças e adolescentes não sejam expostos a riscos à sua saúde física, mental e social, e os responsáveis legais devem ser informados sobre a importância de priorizar o melhor interesse da criança e da adolescente”, detalha o documento.
Também deve ser respeitado, pela resolução, o desejo da criança e adolescente que optar pela entrega protegida. A decisão, detalha o texto, deve ser tomada sem coerção. Deve ser respeitado, ainda, o direito ao sigilo, à opção de não ver o bebê após o nascimento, e a proibição de entrega do recém-nascido a parentes contra a sua vontade.
A resolução traz ainda outras determinações. Explica que é necessário que cada mesorregião tenha um aparelho de saúde capaz de realizar o aborto legal a fim de que a transferência de município seja uma exceção, não a regra. Especifica também a necessidade de uma escuta especializada das vítimas de violência sexual de forma a não culpabilizá-la ou criminalizá-la, “garantindo-se uma abordagem respeitosa e sensível à proteção de seus direitos, com o objetivo de proporcionar um ambiente seguro em que a criança ou adolescente possa se expressar livremente”.
Outra determinação da minuta é a obrigatoriedade de comunicação de violência sexual contra crianças e adolescente para o Conselho Tutelar, a autoridade sanitária e a notificação sigilosa de autoridade policial, mas ressaltando que nenhuma delas é condição para a realização da interrupção da gravidez.
O Conanda é um órgão colegiado formado por 14 integrantes da sociedade civil e 14 integrantes do governo. Ele é o órgão deliberativo máximo em políticas de proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e é o responsável por fiscalizar e regulamentar políticas públicas conforme o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). Suas resoluções têm caráter orientativo, ou seja, não têm força de lei.
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