Da valorização da carreira ao incentivo na faculdade: o que é preciso para que jovens voltem a sonhar com a carreira de professor


Em meio à queda no interesse pela licenciatura, especialistas defendem a criação de estratégias que tornem a docência mais atrativa do ponto de vista econômico e social. Candidatos prestam vestibular na Unicamp
Pedro Amatuzzi/g1
Os salários baixos, a instabilidade e as condições de trabalho desafiadoras estão entre os fatores que afastam cada vez mais jovens do sonho de se tornarem professores, segundo avaliação da coordenadora de Políticas Educacionais da ONG Todos Pela Educação Natália Fregonese.
A curto prazo, isso reflete na queda das inscrições em algumas das graduações destinadas a formação de professores e no aumento da taxa de abandono entre quem cursando, o que já vem gerando preocupação em instituições como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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No entanto, nas próximas décadas, causa e consequência podem levar a um cenário que, hoje, se apresenta na forma de uma projeção mais do que alarmante: o Brasil pode, sim, viver um ‘apagão’ de professores da rede básica.
Mas o que fazer para contornar esse cenário? O g1 conversou com a especialista, que defende a criação de políticas de valorização da categoria, a tornando mais atrativa, e também com a Unicamp, que vem atuando para garantir a permanência e evitar a evasão desses alunos.
(Essa reportagem faz parte de uma série que aborda a queda no interesse por cursos de licenciatura e como esse cenário pode afetar o estoque de professores da educação básica no futuro).
Desvalorização do professor ainda é o maior desafio
O primeiro passo para reverter o déficit de professores no futuro é, para Natália, rever com urgência o que torna a carreira do docente interessante. Mais do que ter motivação em educar, esses profissionais precisam ser bem remunerados. Ela defende que os governos “olhem para políticas de valorização para garantir que no futuro a gente não tenha esse problema de apagão docente”.
“Então, existe esse risco se a gente continuar nesse cenário no qual estamos. É muito importante pensar em quais políticas públicas precisam ser investidas para garantir que a gente tenha bons estudantes interessados em se tornarem professores”.
O salário é um dos pontos que mais exigem atenção. De acordo com dados de 2020 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), um professor do ensino médio ganhava, em média, R$ 5,4 mil. É uma remuneração mais baixa do que a recebida por profissionais graduados e empregados no Brasil (R$ 6,5 mil).
Veja abaixo as remunerações médias em cada etapa da educação básica:
Professor de educação infantil (creche): R$ 2.489
Professor de educação infantil (pré-escola): R$ 3.777
Professor de ensino fundamental I: R$ 3.810
Professor de ensino fundamental II: R$ 3.835
Professor de ensino médio: R$ 5.418
Outro problema está na falta de contratos que garantam estabilidade. No estado de São Paulo, por exemplo, os últimos concursos para contratação de professores ocorreram em 2023 e em 2013. O resultado disso é o aumento de temporários – que não têm um contrato que ofereça estabilidade.
Um levantamento feito com o dados do Censo da Educação Básica 2023, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que, desde 2022, as escolas estaduais tinham mais temporários do que efetivos (veja o balanço completo clicando aqui).
Somando tudo isso, do salário às oportunidades de trabalho, as condições para exercer a função também estão entre os pontos mais urgentes, na análise da especialista. Veja itens a serem ajustados, conforme avaliação da especialista:
Valorização salarial: garantir que o piso nacional do magistério seja cumprido;
Plano de carreira: além de pagar um salário justo, dar ao docente a possibilidade de se desenvolver e melhorar a remuneração;
Mais concursos: realizar mais concursos públicos como forma de facilitar a entrada no setor;
Melhores condições de trabalho: manter o professor fixo em uma única escola, com uma jornada mais adequada.
“Então, acho que um conjunto de elementos que são importantes para a gente conseguir garantir uma carreira para esse professor mais adequada. E aí, tendo essa carreira mais adequada, mais atrativa, também ter, disseminar essa carreira, disseminar que isso está melhorando, enfim, ter campanhas de comunicação para conseguir atrair mais jovens também para a profissão”.
Por que o alto nº de professores temporários é ruim para o Brasil?
O que tem sido feito dentro da universidade
Tendo a docência como uma boa opção de carreira, é preciso garantir que o interesse em segui-la se fortaleça durante a formação. Pedro Cunha, presidente da Comissão Permanente de Formação de Professores da Unicamp, explica que a instituição tem atuado com diferentes ações para atrair e facilitar a permanência dos alunos nos cursos de licenciatura. As ações incluem:
Reformulação no currículo dos cursos
Apresentação da docência como opção de carreira
Mostrar a docência como ferramenta de transformação
Veja abaixo, ponto a ponto, como esses trabalhos vêm sendo realizados e como buscam melhorar a situação:
Reformulação nos cursos
Segundo o presidente, a evasão é mais comum nos primeiros semestres, quando os alunos ainda estão conhecendo o curso e acabam sendo surpreendidos pelos desafios da graduação. Nesta etapa, os ingressantes que tiveram algum déficit em determinadas disciplinas no ensino médio, podem encontrar dificuldades para acompanhar o ritmo da educação superior.
“Um problema que a gente sempre teve, especialmente na área de exatas, é o alto índice de reprovação em algumas disciplinas logo no início do curso. Isso acabava desestimulando os estudantes e eles acabavam abandonando o curso”, detalha.
A solução encontrada foi reformular os currículos dos cursos, especialmente no início. A ideia é, dessa forma, ajudar a suprir as ausências que os ingressantes tiveram durante sua formação básica. “Com as mudanças que foram feitas nos últimos cinco, seis anos, a gente está conseguindo ter uma melhora na queda da evasão”.
A docência como opção de carreira
Mostrar que a docência pode, sim, ser uma boa opção de carreira também ajuda na manutenção desses alunos. Cunha afirma que têm crescido o número de estudantes que optam pela licenciatura já no final da formação, pois enxergam nela a possibilidade de se realizar profissionalmente.
“À medida que os alunos estão se formando, o mercado de trabalho na área específica se torna um pouco mais complicado. A licenciatura, então, passa a ser também uma possibilidade que eles veem de uma outra forma de atuação”, explica.
“Eu tenho alunos que voltam para a licenciatura, que dizem: ‘eu fui para a empresa, fui para a indústria, não me adaptei àquele ambiente e quero fazer a licenciatura porque vou me sentir melhor’”.
A licenciatura como forma de transformar a comunidade
Por fim, Pedro avalia que a escolha de ser professor ainda está estreitamente ligada ao desejo de fazer a diferença e melhorar o futuro. “Eu percebo, no contato com os estudantes, que ele nem deslumbrava entrar na Unicamp por conta de questões sociais. Quando ele vê essa possibilidade, ele entra com a intenção de levar um retorno imediato para a comunidade de onde ele está saindo”.
“Ser professor é uma possibilidade que o aluno vê de uma atuação mais efetiva com aquela comunidade. Eu já tive várias situações de alunos que estavam fazendo estágio e que optaram por fazer o estágio nas escolas de origem, escolas de bairros periféricos. Ele entende que, assim, vai contribuir com a própria comunidade”.
O presidente da comissão destaca que a Unicamp vem ampliando a atuação nas escolas públicas de Campinas por meio de parcerias com as diretorias de ensino e secretarias municipais de educação. O objetivo é, segundo ele, mostrar que esses jovens também podem entrar na instituição e usar seus aprendizados para transformar o mundo.
“Agora em novembro nós tivemos um evento com a presença de mais de 3 mil estudantes da rede pública. É uma forma também de atrairmos os estudantes das escolas para os cursos da Unicamp e isso é feito de uma forma geral, não é exclusivo para a licenciatura. Nessas parcerias, nossos alunos e professores também vão desenvolver projetos dentro das escolas”.
A iniciativa acaba virando um caminho de mão dupla, em que professores e alunos, tanto das escolas quanto da universidade, podem atuar juntos em:
projetos educacionais;
projetos de estágio e aprendiz;
projetos de iniciação à docência;
pesquisas e extensões;
oficinas e capacitações.
O que diz o Ministério da Educação
O Ministério da Educação informou que trabalha na elaboração de uma versão do programa Pé-de-meia voltado para universitários matriculados em cursos de formação de professores, o Pé-de-meia Licenciatura.
A iniciativa, que dará incentivo financeiro para estimular alunos a fazerem cursos de licenciatura no ensino superior, deve selecionar os beneficiados por meio da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), dando aos estudantes uma poupança para acessar ao fim da formação.
O órgão detalhou ainda que já estão em curso outros dois programas de incentivo à licenciatura:
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid): uma ação da Capes que oferece bolsas de R$ 700 para estudantes de licenciatura, com objetivo de inseri-los na realidade escolar para que participem de projetos de ensino-aprendizagem;
Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência): que visa melhorar a qualidade da formação de professores.
Além disso, o MEC afirma que tem monitorado esses dados ao longo da década por causa da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) e que identificou avanços importantes em algumas áreas do conhecimento e avanços mais lentos em outras.
“Para o próximo Plano Nacional de Educação, que está em discussão agora no Congresso Nacional, o Ministério estabeleceu metas específicas para atender essas diferenças e desigualdades que ainda são visíveis no Brasil inteiro. O MEC tem trabalhado forte com o Conselho Nacional de Educação para ajustar tanto a qualidade quanto o currículo dos cursos de formação dos docentes”, pontuou.
O que diz o governo estadual
Questionada sobre o que tem sido feito para contornar o cenário, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) lembrou que após uma década sem a contratação de professores efetivos, realizou um concurso público para a admissão de 15 mil docentes dos ensinos fundamental e médio e diz que os primeiros 12,8 mil aprovados já atribuíram aulas e iniciarão as atividades em fevereiro 2025. O certame tem validade de até dois anos.
A Seduc-SP destacou também que em outubro anunciou a regulamentação das regras de evolução da Nova Carreira Docente. “O modelo, destinado a professores, diretores e supervisores, estabelece 15 referências salariais. Todos os servidores que ingressaram na rede a partir de junho de 2022, incluindo os do concurso público nomeados no mês de setembro deste ano, foram enquadrados automaticamente no novo regime. Já os profissionais efetivos e estáveis têm até junho de 2026 para optar ou não pela adesão”.
De acordo com as regras:
Quem optar pela migração integrará ao regime de progressão que fixou os salários iniciais de R$ 5,3 mil para professores, R$ 6,3 mil para diretores e R$ 6,8 mil para supervisor;
Para professores, o rendimento no topo da carreira é de R$ 13 mil. No caso de diretores de escola e supervisores de ensino, esse valor chega a R$ 14,5 mil e R$ 15 mil, respectivamente;
Os processos de evolução por desempenho terão um interstício de dois anos e, além de provas, os servidores podem ser promovidos a partir de outras ferramentas que valorizam a trajetória do profissional na rede.
A pasta informa ainda que definiu o calendário de inscrições para a prova de promoção do Quadro do Magistério (QM). A avaliação, que garante aos servidores da rede estadual de ensino aprovados a progressão de faixa e aumento salarial, é destinada a 120 mil docentes do ensino fundamental e médio, supervisores de ensino, diretores de escola, assistentes de diretor e coordenadores pedagógicos titulares de cargo.
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