‘Eu mandei esses criminosos para o isolamento e também fui isolado junto com eles’, diz promotor Lincoln Gakiya sobre vida após investigações contra PCC


Em entrevista ao programa Conversa com Bial, membro do Gaeco lembrou que recebeu a primeira ameaça de morte em 2005, quando comprava fraldas para o filho em uma farmácia. Lincoln Gakiya durante entrevista no Conversa com Bial
Reprodução/Conversa com Bial
Em entrevista ao programa Conversa com Bial, exibido pela Rede Globo e TV Fronteira na madrugada desta terça-feira (30), o promotor de Justiça Lincoln Gakiya comparou o isolamento social vivenciado por ele e pelos membros de sua família ao dos integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), investigada por Gakiya há 20 anos, detidos em penitenciárias do país.
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“De certa maneira, eu teria mandado esses criminosos para o isolamento, e eu também fui isolado junto com eles”, disse ao jornalista e apresentador Pedro Bial.
Gakiya, que é membro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), assumiu a Promotoria de Justiça da Comarca de Presidente Venceslau (SP) em 1996, para onde foi mandada a cúpula do PCC dez anos depois.
Um ano antes, em 17 de fevereiro de 2005, o representante do MP na região de Presidente Prudente (SP) recebeu o primeiro decreto de morte, enquanto usufruía de uma licença-paternidade após o nascimento do segundo filho.
“É uma data que eu nunca vou esquecer. Eu estava na farmácia, de licença-paternidade, comprando fraldas. Aí, eu fui avisado para correr para casa, que um oficial da polícia iria me procurar, me disseram que havia essa ordem para me executar, decorrente de uma investigação que eu participei […]”, lembrou o promotor de Justiça.
Desde então, Gakiya intensificou as investigações contra a organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios paulistas por conta própria. Com autorização judicial, interceptou ligações telefônicas de modo a esclarecer o modus operandi do grupo. O resultado foi a consolidação da maior denúncia formulada na história pelo MPE-SE, com mais de 800 páginas, finalizada em 2013, segundo Gakiya.
“Ele [Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola] me conhece bem, e eu o conheço bem também. Conheço toda a história dele, conheço a família, conheço os comparsas, porque eu escutei esse povo tantos anos com as escutas autorizadas judicialmente, que você acaba… É como se fosse uma novela, você acaba entendendo a mente do criminoso”, revelou o membro do Gaeco sobre Marcola, apontado por ele como líder do PCC.
A íntegra da entrevista pode ser vista aqui.
Lincoln Gakiya durante entrevista no Conversa com Bial
Reprodução/Conversa com Bial
‘Destino selado’
Em 2018, Lincoln Gakiya voltou a ser foco declarado da então facção, após protocolar, na capital paulista, o pedido de remoção da cúpula do PCC para presídios federais, o que “selou seu destino”. Desde então, o pouco convívio social que mantinha foi cessado diante da ameaça iminente.
“Eu tenho todas as minhas rotinas, assim como minha equipe de segurança, que, hoje, eu acredito que é a maior do país, maior até que a do presidente da república, infelizmente. Também [rotina] é acompanhada pelos criminosos, eles têm infiltração em todos… É uma máfia, na verdade”, afirmou o promotor.
Durante a entrevista, Gakiya ainda revelou que, para manter a própria integridade e a da família, não viaja de férias, por exemplo, há quase seis anos. No entanto, “faria tudo de novo”.
“Eu sou o responsável pelas minhas escolas, e a minha família não foi consultada por mim quando eu fiz essa opção. Hoje, praticamente a gente não tem mais uma vida social ativa. Meu deslocamento é um deslocamento muito complicado em termos de logística, sempre cercado de policiais armados com fuzis, etc, 24 horas por dia. Quando eu ia em restaurante ou num shopping, era muito comum as pessoas se incomodarem com a minha presença, por conta dos policiais”, lembrou.
‘Rota de colisão’
O promotor de Justiça comentou durante a entrevista que, desde o início das investigações acerca da organização criminosa, ao longo de duas décadas de trabalho, não testemunhou uma crise semelhante à que o PCC enfrenta agora.
“Eu tenho presenciado, durante esses anos, vários conflitos internos, mas nenhum deles em que houve um racha na cúpula. Aqueles que deram a estrutura para o líder do PCC, Marcos William, o Marcola, tomar o poder, eles ascenderam junto com o Marcola e hoje estão em rota de colisão”, ressaltou ao jornalista Pedro Bial.
Gakiya, que se dedica ao estudo das organizações criminosas ao redor do mundo, avalia que a entrada de Marcola no comando da facção, entre 2001 e 2002, instaurou uma nova fase da atual máfia, uma vez que proporcionou benefícios aos membros, como uma espécie de serviço assistencial.
No entanto, o propósito inicial da organização criminosa, que procedeu o Massacre do Carandiru, em 1992, e que pretendia desarticular a antiga Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (SP), “presídio considerado de castigo”, deu vazão a outros objetivos.
“Hoje, o que acontece, Bial, é que essa organização cresceu tanto, hoje já tem status de máfia, e eles abandonaram o sistema prisional, e eu tenho dito isso, quando tenho oportunidade, porque eu continuo atuando, investigando; o objetivo único hoje dessa organização é o enriquecimento o enriquecimento com o tráfico internacional de cocaína para a Europa […]. Você não vê mais nenhum tipo de reivindicação feita […]. Hoje, não, porque eles [PCC] voltaram as costas para aqueles que os apoiaram, que é a massa carcerária”, finalizou.
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