Bloqueio do TikTok nos EUA é censura aos palestinos

Antes do debate na Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o futuro do TikTok no país, os críticos alertaram que a proibição do popular aplicativo de mídia social seria um ataque contra a liberdade de expressão. Para alguns parlamentares do Partido Republicano, isso é pelo menos uma parte do objetivo — e há um tipo muito específico de de discurso que eles querem eliminar: o sentimento pró-Palestina.

Os republicanos vêm discutindo a possibilidade de proibir o TikTok desde o primeiro mandato de Trump, com uma infinidade de justificativas baseadas na interferência chinesa. Mas na esteira do ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, os conservadores desenvolveram uma fixação com o policiamento de mensagens favoráveis aos palestinos no aplicativo, e acusam o TikTok de influenciar os jovens americanos a “apoiarem o Hamas” e favorecer conteúdo pró-Palestina. O TikTok, por sua vez, vem se defendendo vigorosamente contra a percepção de que favorece as perspectivas palestinas, e afirmou que seu algoritmo não “toma partido”.

Nina Smith, estrategista de comunicação política e ex-consultora da ativista Stacey Abrams, diz que a mensagem do Partido Republicano sobre o TikTok e a Palestina é emblemática dos dois pesos e duas medidas do partido para a liberdade de expressão. “Eles estão pressionando pela possibilidade de dizer todo tipo de coisa na internet. Ainda assim, querem tentar censurar as pessoas que estão muito preocupadas, justificadamente, com o que está acontecendo no Oriente Médio”, diz Smith. “E, portanto, é absolutamente uma violação à liberdade de expressão.”

A proibição de fato do TikTok foi embutida em um pacote legislativo de US$95 bilhões (R$575 bilhões) de ajuda para Ucrânia e Israel, aprovado pelo Congresso em abril. A legislação exigia que a empresa controladora do TikTok, a ByteDance — que tem sede em Pequim, na China, e é constituída nas Ilhas Cayman — vendesse a rede para uma empresa estadunidense, ou então seria proibida no país inteiro. O TikTok respondeu que a lei não dava à empresa tempo suficiente para encontrar um comprador adequado e permitir que a ByteDance alienasse seu ativo. O caso chegou à Suprema Corte depois que um tribunal de segunda instância do Circuito de D.C. proferiu uma decisão contrária à empresa em dezembro, e os ministros ouviram as razões finais na sexta.

A culpa é do TikTok

O discurso sensacionalista dos parlamentares republicanos sobre os usuários do TikTok que falam sobre Gaza começou nos primeiros dias do ataque de Israel contra a região, que já dura mais de 15 meses.

“O bom e velho TikTok: mecanismo de espionagem chinesa e semeador de virulentas mentiras antissemitas”, o senador republicano Josh Hawley, do estado do Missouri, tuitou no final de outubro de 2023.

Em um artigo de opinião no mês seguinte, o deputado Mike Gallagher, do Partido Republicano de Wisconsin, afirmou que o Partido Comunista Chinês estaria usando o TikTok para promover propaganda contra Israel. “Como chegamos a um ponto em que a maioria dos jovens americanos tem uma visão do mundo de tanta falência moral? Em que tantos jovens americanos estavam torcendo por terroristas que haviam sequestrado cidadãos americanos — e contra um importante aliado dos EUA? Onde eles estavam recebendo as notícias diretas que informam essa visão de mundo de cabeça para baixo? A resposta mais simples é, cada vez mais, pelas redes sociais, principalmente o TikTok”, escreveu Gallagher.

Outros parlamentares republicanos manifestaram perspectivas semelhantes, após a aprovação da proibição. Durante a discussão sobre os protestos pró-Palestina nos campi universitários em maio, o deputado Mike Lawler, do Partido Republicano de Nova York, e coautor do projeto de lei que proibiu o TikTok, argumentou que a plataforma estava manipulando os jovens americanos contra Israel. “Não acho que exista dúvida de que houve um esforço coordenado fora desses campi, e que havia agitadores e ativistas externos remunerados”, disse ele durante uma chamada com gestores da universidade, como já noticiado pelo Intercept. “Isso também destaca exatamente por que incluímos o dispositivo sobre o TikTok no pacote adicional de ajuda estrangeira, porque podemos ver como esses jovens estão sendo manipulados por certos grupos, entidades ou países para fomentar o ódio em seu nome e realmente criar um ambiente hostil aqui nos EUA.”

O senador Mitt Romney, do Partido Republicano de Utah, reiterou o discurso de seus colegas. “Alguns se perguntam por que houve um apoio tão grande para potencialmente fecharmos o TikTok e outras entidades dessa natureza”, disse Romney em um fórum, em maio. “Se você olhar as publicações no TikTok e o número de menções aos palestinos, em relação a outras redes sociais — é predominantemente nas transmissões do TikTok.”

A fixação do Congresso na influência do TikTok sobre o discurso em torno da guerra em Gaza foi tão intensa, que a empresa considerou que precisava abordar o assunto em uma recente petição à Suprema Corte. “As alegações de que o TikTok teria ampliado o apoio a algum dos lados do conflito Israel-Palestina são infundadas”, escreve o advogado da plataforma na petição. “Essa alegação, no entanto, foi um foco importante das deliberações parlamentares.” 

O TikTok também apontou para sua grande base de usuários no Oriente Médio e Sudeste Asiático como uma possível explicação para mais conteúdo sobre a Palestina do que sobre Israel na plataforma. (Outra explicação para a discrepância é que o TikTok tem uma grande proporção de usuários abaixo de 29 anos, um recorte com tendência muito maior a simpatizar com os palestinos). A empresa disse que, embora mais pessoas tenham marcado seus vídeos com #freepalestine, os vídeos marcados com #standwithIsrael receberam 68% mais visualizações por vídeo nos Estados Unidos, indicando, no máximo, que o algoritmo na época favorecia mensagens favoráveis a Israel. 

Repórteres já investigaram se o TikTok apresenta ou não mais perspectivas palestinas do que outras redes sociais, e encontraram uma diferença comparável à de outras plataformas semelhantes. Uma matéria do Washington Post de novembro de 2023 revelou que a hashtag #freepalestine aparecia com 39 vezes mais frequência no Facebook que a hashtag #standwithisrael”, e 26 vezes mais no Instagram do que a versão pró-Israel. Ambas as plataformas são de propriedade da Meta, uma empresa dos EUA com um fundador dos EUA. No TikTok, segundo mostrou o Wasghington Post, a tag #freepalestine apareceu com frequência 38 vezes maior do que os vídeos com #standwithisrael” ao longo de um mesmo período de 30 dias.

Há também o fato de que o aplicativo de vídeos curtos, que tem 170 milhões de usuários nos EUA, facilitou ainda mais que as pessoas vissem filmagens diretamente do local em Gaza, perspectivas que costumam estar ausentes da cobertura da grande mídia sobre a guerra. Bisan Owda, por exemplo, criadora de conteúdo no TikTok, é uma cineasta de 25 anos que já ganhou o Emmy, e uma jornalista que vem documentando suas experiências em tempo real durante o ataque de Israel contra o enclave sitiado. Ela frequentemente inicia os seus vídeos com o mesmo refrão de embrulhar o estômago: “Aqui é Bisan, de Gaza, e ainda estou viva”.

É essa realidade que os republicanos pretendem esconder.

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