Ex-funcionária da Samsung recorre após juiz decidir que apelido de ‘capivara’ não configura assédio


Especialistas ouvidos pelo g1 afirmaram que, diferente do que apontou o magistrado, não é o tipo de animal que configura o assédio e sim a conotação que isso pode trazer ao trabalhador. Defesa de trabalhadora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, segunda instância do ramo no interior d e SP
João Gabriel Alvarenga/g1
Ser chamada de “capivara” no trabalho configura assédio moral? Para o juiz José Aguiar Linhares Lima Neto, da 5ª Vara do Trabalho de Campinas (SP), não. O magistrado considerou que o apelido não é ofensivo e, usando também esse argumento, negou o pedido de indenização de uma ex-funcionária que alegou ser chamada desta forma em uma fábrica da Samsung na metrópole.
Por isso, a defesa da ex-empregada recorreu da sentença neste mês ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e aguarda o julgamento. Na decisão de primeira instância, o juiz cita dois argumentos para negar o pedido da trabalhadora:
Que a prova de que a trabalhadora era chamada de capivara “restou dividida” no processo, ou seja, não ficou cabalmente provado;
Que chamar alguém de capivara “não retrata conduta ilícita do empregador”.
Procurada pelo g1, a Samsung informou que não irá comentar sobre o caso.
“Baleia”, “burro” e “cavalo” não pode
O juiz trabalhista afirmou na sentença, no entanto, que a utilização de outros animais como apelidos pode configurar ofensa ou elogio inadequado.
“Não se ignora que a utilização de nomes de animais pode ser ofensiva (por exemplo, “burro”, “baleia”, “cavalo”, etc) ou elogiosa (“gato”, “peixinho”, “tubarão”, etc). Todavia, existem animais que não parecem ser ofensivos, tampouco elogiosos, e “capivara” certamente se enquadra nessa regra”, disse o magistrado na decisão.
Capivara acompanhando família durante banho
Projeto Hapia/Carlos Tuyama
O que dizem os especialistas?
Para a advogada trabalhista Alexandra Pacheco Leitão, a decisão da Justiça está equivocada ao considerar que o apelido “capivara” não se enquadra nas conotações ofensivas ou elogiosas. Segundo a especialista, a legislação trabalhista “condena a existência de condutas abusivas, repetitivas e prolongadas que expõem o trabalhador a condições humilhantes e constrangedoras”.
A advogada defendeu ao g1 que a diferenciação de animais, conforme fez o magistrado, não deve ser realizada de forma genérica e lembrou uma decisão da Justiça da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá que considerou o apelido “capivara” ofensivo.
“Há que ser levado em conta o momento, o local, as circunstâncias, a própria natureza da pessoa, porque trata-se de uma questão íntima que pode afetar a imagem e a honra da pessoa, fazendo ela se sentir humilhada e constrangida, independentemente do animal atribuído”, disse.
O advogado trabalhista Mauricio Gasparini também defendeu que o apelido deve ser avaliado no contexto em que está inserido, isto é, de acordo com a conotação que tem naquela região ou estado. E, na ausência disso, como ele entende ser o caso da capivara, os aspectos pessoais dos envolvidos.
“Na ausência de um contexto cultural em relação à capivara, é importante identificar características físicas da pessoa ofendida, como cor da pele, pelos no corpo e aparência corporal que indiquem que o suposto ofensor estaria zombando da semelhança com uma capivara”.
“O tema é polêmico, não se ignora. Mas é inegável que não se costuma chamar uma mulher de capivara para identificá-la como bela, elegante ou fidalga. A probabilidade de ter sido alvo de zomba em razão de cor, pelos ou aparência grosseira é maior, na observação do que ordinariamente acontece em sociedade”, entendeu Mauricio Gasparini.
O especialista ressaltou que o juiz tem liberdade constitucional para decidir conforme o livre convencimento dele, e que cabe, sim, ao poder Judiciário decidir se determinado apelido ou alcunha é ofensivo. Ressaltou, no entanto, que é preciso analisar o acontexto para formar a interpretação.
“Uma vez identificado que a trabalhadora fora apelidada de “capivara” no ambiente de trabalho, deve ser avaliado se o contexto foi de zombaria, diminuição e chacota contra a pessoa. Caso sim, deverá ser indenizada de acordo com a CLT, em valores que podem ir de 3 salários contratuais até 50 salários contratuais, a depender da classificação da ofensa, que vai de leve a gravíssima”, disse o advogado.
Para Gasparini, a defesa pode obter no TRT-15 o entendimento de que “capivara” é sim uma ofensa, no entanto, o segundo argumento utilizado pelo juiz de primeira instância, de que não ficou cabalmente provado que ela era chamada assim no ambiente de trabalho, deve fazer com que no final a sentença da 5ª Vara do Trabalho de Campinas seja mantida.
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