Reality show britânico que simula migração com ‘perigos enfrentados por refugiados’ é criticado


‘Go Back Where You Came From’ apresenta participantes com fortes opiniões a favor e contra imigração. Jornada começa em Raqqa, na Síria, e em Mogadíscio, na Somália. O reality show britânico ‘Go Back Where You Came From’
Divulgação/Channel 4
Um novo reality show britânico, que simula a travessia dos migrantes que chegam à Europa, está recebendo uma enxurrada de críticas que acusam os produtores de explorar o tema de forma “sensacionalista”.
O programa “Go Back Where You Came From” (Volte para onde você veio, em tradução livre) do canal Channel 4, apresenta seis participantes, todos com fortes opiniões a favor e contra a imigração.
A sede britânica da ONG Anistia Internacional classificou o reality show como “profundamente decepcionante” e “sensacionalista” sobre um tema muito sensível.
Ao longo dos quatro episódios, que são transmitidos semanalmente, os seis participantes vivenciarão “alguns dos maiores perigos enfrentados pelos refugiados em sua jornada” para a Europa, diz o Channel 4.
A jornada começa, para alguns, em Raqqa, na Síria, e, para outros, em Mogadíscio, na Somália, onde participantes vão a mercados locais, jogam futebol com as crianças e as acompanham na busca de resíduos em depósitos de lixo.
No primeiro episódio, um dos participantes, Dave Marshall, de 35 anos, pede à Marinha britânica que bombardeie os migrantes no Canal da Mancha.
Outra participante, a colunista política Chloe Dobbs, 24 anos, diz que sem o controle migratório “o Reino Unido se tornará um inferno cheio de pessoas de burca”.
Imigração no horário nobre
Nos últimos anos, os sucessivos governos britânicos tentaram frear a chegada irregular de migrantes pelo Canal da Mancha. No ano passado, cerca de 37 mil pessoas conseguiram entrar no Reino Unido em pequenas embarcações, 25% a mais do que em 2023, e pelo menos 78 delas morreram nesta travessia, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
“O programa explora os pontos de vista diversos e às vezes polarizados em nossa sociedade sob um novo ângulo”, disse um porta-voz do programa.
Mas Myria Georgiou, professora de comunicação da prestigiosa London School of Economics, conta que o “sucesso” de reality shows “depende de sua capacidade de mostrar opiniões impactantes”. “Tenho certeza de que os concorrentes participam para ver quem expressará os pontos de vista mais extremos”, afirmou.
Alguns espectadores e associações elogiam a decisão do Channel 4 de colocar a questão da imigração no horário nobre. “Algumas declarações e opiniões expressas no primeiro episódio deixaram muitas pessoas desconfortáveis. Mas pelo menos um dos participantes agora diz que sua experiência o tornou mais sensível à questão dos refugiados”, comentou a ONG Refugee Council no X.
Tragédia humanitária
Em uma casa bombardeada em Raqqa, onde o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) proclamou um “califado”, uma família convida Dave e dois outros participantes para passar a noite.
Em um dos “desafios”, os participantes fazem uma travessia marítima em uma pequena embarcação que recria a odisseia da travessia do Canal da Mancha.
O teste foi um ponto de virada para Chloe. “Meu Deus, as pessoas devem estar realmente desesperadas para entrar nesses barcos”, diz a mulher, que antes achava que os barcos deveriam ser “divertidos”.
Esta parte do programa também gerou reações negativas na França, com o político conservador Xavier Bertrand classificando-o como “nauseante”. “Centenas de pessoas morreram no Canal da Mancha nos últimos anos. Esta situação é uma tragédia humanitária, não o objeto de um jogo”, denunciou ele no X, pedindo ao Channel 4 que retirasse a transmissão.
O reality show foi inspirado em um programa australiano transmitido no início da década de 2010, quando a classe política estava dividida sobre como combater a chegada de migrantes irregulares por barcos.
Para Georgiou, o fato de um programa abordar a mesma ideia no Reino Unido não é coincidência, em um momento em que “os líderes políticos, tanto nacionais quanto globais, banalizam opiniões extremas”. “A política se tornou entretenimento, não é de surpreender que o entretenimento se torne política”, destaca.
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