Papa estava focado na vida financeira do Vaticano antes de ser internado

Antes de ser hospitalizado em decorrência de uma pneumonia dupla, o Papa Francisco estava lutando contra a firme resistência de alguns de seus próprios cardeais sobre como tapar uma lacuna crescente nas finanças do Vaticano.

Três dias antes da internação, Francisco ordenou a criação de uma nova comissão de alto nível para encorajar doações à sede da Igreja Católica de 1,4 bilhão de membros.

A nova “Comissão de Doações para a Santa Sé”, anunciada pelo Vaticano na quarta-feira (26) enquanto Francisco passava seu 13º dia no hospital, foi formada depois que o pontífice enfrentou resistência contra suas propostas de cortes no orçamento da Igreja de dentro da Cúria Romana.

Em uma reunião a portas fechadas no final do ano passado, os chefes de departamento do Vaticano, incluindo cardeais seniores, argumentaram contra os cortes e contra o desejo do papa argentino de buscar financiamento externo para consertar o déficit, relataram duas autoridades à Reuters.

As fontes pediram para não serem identificadas devido à natureza sensível das informações.

Francisco vem tentando consertar o orçamento há vários anos. Ele cortou salários dos cardeais três vezes desde 2021 e exigiu uma agenda de “déficit zero” em setembro.

Mas os esforços parecem ter tido pouco impacto.

Embora o Vaticano não tenha publicado um relatório orçamentário completo desde 2022, o último conjunto de contas, aprovado em meados de 2024, incluiu um déficit de 83 milhões de euros (US$ 87 milhões), explicaram as duas autoridades.

A Reuters não conseguiu verificar o valor do déficit de forma independente.

Embora o Vaticano tenha operado com um déficit por anos, reequilibrando contas e sacando dividendos de sua renda de investimento, a lacuna cresceu significativamente nos últimos anos.

Em 2022, a lacuna relatada pela Santa Sé foi de 33 milhões de euros.

Dois cardeais que supervisionam o orçamento do Vaticano recusaram os pedidos de entrevista da Reuters e não forneceram informações orçamentárias atuais. O Vaticano não respondeu a um pedido de comentário.


Basílica de São Pedro, no Vaticano • 16/12/2023 REUTERS/Remo Casilli

Problemas crescentes com a pensão

Acrescentando-se às preocupações orçamentárias estão os crescentes passivos dentro do fundo de pensão do Vaticano, que foram estimados em cerca de 631 milhões de euros pelo chefe das finanças da Santa Sé em uma entrevista à mídia em 2022.

Não houve nenhuma atualização oficial para este número, mas várias fontes disseram à Reuters que acreditam que ele aumentou.

“Os problemas orçamentários vão forçar o Vaticano a fazer muitas coisas que ele não quer fazer”, declarou o Reverendo Tom Reese, um padre jesuíta e comentarista que escreveu sobre as finanças.

A Santa Sé pode ter que limitar obras de caridade ou reduzir sua presença diplomática em embaixadas ao redor do mundo, ele ressaltou.

Abordando os problemas orçamentários na reunião recente, o papa sugeriu que os escritórios do Vaticano poderiam buscar financiamento externo para equilibrar as despesas ou evitar cortes de pessoal, conforme as duas autoridades que falaram com a Reuters.

Vários cardeais questionaram a sabedoria de tal movimento, argumentando que poderia desencadear conflitos de interesse para a Igreja, contaram as fontes.

A nova comissão de alto nível anunciada na quarta-feira (26) recebeu a tarefa de incentivar doações de leigos católicos, conferências episcopais nacionais “e outros potenciais benfeitores”.


Papa Francisco participa de reunião da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, no Vaticano • Mídia do Vaticano/Divulgação via REUTERS

Fluxos de rendas limitados

O papa nomeou um novo administrador para o fundo de pensão do Vaticano em novembro e alertou que a estrutura operacional pode precisar mudar, sem fornecer mais detalhes. O fundo não tornou as contas públicas.

Muitos fundos de pensão públicos subestimaram quanto tempo os funcionários aposentados viverão, desviando seus cálculos orçamentários.

Em 1960, a expectativa de vida média da Itália era de 69 contra 83 em 2022. Não está claro se a Santa Sé fez algum ajuste para levar isso em consideração.

Como o Vaticano sobrevive

O Vaticano, um microestado dentro de Roma, tem opções fiscais limitadas. Ele não emite dívida, vende títulos ou cobra impostos.

Um acordo monetário de 2010 com a União Europeia limita o país a emitir apenas uma quantia fixa de moedas a cada ano, inicialmente definida em uma quantia de 2,3 milhões de euros.

A sede católica global, em vez disso, tem três principais fontes de renda. Ela recebe doações por meio do fundo oficial do papa e tem um portfólio de investimentos, que inclui investimentos em ações e mais de cinco mil propriedades, a grande maioria na Itália.

E ganha dinheiro com as entradas nos Museus do Vaticano.

Os museus sofreram uma grande queda na renda durante a pandemia de Covid de 2020 a 2022, devido aos bloqueios prolongados na Itália, mas os visitantes voltaram em massa desde 2023.

O Vaticano relatou um lucro de 45,9 milhões de euros em seus investimentos em 2024. Não disse se estava vendendo algum ativo, mas informou que 35 milhões de euros do lucro vieram de uma melhor gestão de propriedades para aluguel.

As doações ao Vaticano têm sido relativamente estáveis, com média de cerca de 45 milhões de euros na última década, com picos de 74 milhões de euros em 2018 e 66 milhões de euros em 2019.

Esperança com o Jubileu

Os problemas orçamentários do papa surgem enquanto o Vaticano prevê um número recorde de visitas de turistas em 2025, como parte do Ano Santo Católico em andamento, também conhecido como Jubileu. Cerca de 32 milhões de turistas são esperados ao longo do ano.


Papa cumprimenta fiéis na Praça de São Pedro pouco antes de ser submetido a cirurgia abdominal • 07/06/2023 REUTERS/Yara Nardi

Mas apenas uma parte dessa renda ajudará a preencher o déficit orçamentário, pois os museus também devem pagar sua própria equipe e cobrir os custos de exposições e suas extensas obras de conservação e restauração.

O papa, que tem 88 anos e foi hospitalizado várias vezes nos últimos anos, pode decidir vender parte do portfólio de investimentos do Vaticano para cobrir o déficit, sugeriu o padre jesuíta.

Qualquer venda forneceria renda imediata, mas reduziria os lucros futuros de investimentos.

“Isso adia o problema para algum futuro pontífice”, disse Reese. “Seja o próximo (papa) ou o seguinte, haverá um dia de ajuste de contas”.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Papa estava focado na vida financeira do Vaticano antes de ser internado no site CNN Brasil.

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