Atriz de Sorocaba relembra momentos marcantes da carreira e participação em novela da TV Globo: ‘Orgulho do que vivi’


Angela Barros é natural de Sorocaba (SP) e, além de atuar em novelas da TV Globo, dirigiu grandes nomes da dramaturgia brasileira. Ao g1, a diretora teatral conta sobre o processo criativo da novela e memórias sobre suas grandes obras nos palcos de todo o país. Angela interpretou Celeste na novela ‘Viver a Vida’, em 2009
Arquivo pessoal
A arte é um substantivo que, apesar das poucas quatro letras, pode ser capaz de transcender limites e barreiras pessoais. Não é à toa que, para muitos, a jornada pela arte se transforma em uma trajetória de superação, onde cada passo pode representar uma vitória.
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
Para a atriz Angela Barros, a descrição representa perfeitamente a sua história, que começou na Vila Hortência, zona leste de Sorocaba (SP), há quase 70 anos. Filha de mãe solteira, ela conta que cresceu e se estruturou emocionalmente na casa de outras pessoas.
“Minha mãe trabalhou como empregada doméstica em uma casa do bairro por quase 40 anos. Lá, fui muito acolhida, com pessoas que continuo tendo contato e considero minha família até hoje. Vivi na zona leste por mais de duas décadas.”
A diretora relembra que seu primeiro contato com a arte aconteceu ainda na juventude, por meio de amigos. A porta de entrada foi essencial para se envolver na política, assunto que na época era considerado tabu, sob o governo militar.
“Eu já trabalhava anteriormente como professora, e foi aí que conheci o grande Carlos Mantovani, que foi importantíssimo para a arte local. Com ele, passei a fazer teatro amador e, em paralelo, refletir e ter uma visão crítica sobre o mundo, então, comecei a me envolver na política. Era difícil, pois os jovens não podiam se reunir. Mais de três pessoas já era considerado um comício”, explica.
Angela (ao centro) atuando na peça ‘Toc Toc’
Arquivo pessoal
Angela afirma que sua motivação em seguir no meio artístico foi inflamado por sua consciência de classe. Com o anseio de mudança na forma de governo do país, ela se embrenhou na militância política nos anos 1980.
“Os jovens da época foram criados para serem totalmente alienados, sem nenhuma reflexão sobre o outro e a sociedade em um geral”, lembra.
A partir do seu empenho político, a atriz passou a conviver com grupos de intelectuais da cidade, voltados à arte e ao jornalismo. Com amizades criadas no meio, foi convidada para fazer sua estreia profissional nos teatros, com uma peça inspirada no filósofo Jean Paul-Sartre.
“Minha primeira peça adulta e profissional foi inspirada em Sartre. Não foi nada fácil, me considero ingênua por ter ido direto em um trabalho assim. Depois, fui para outros grupos de teatro. Na grande maioria das peças, falava de justiça e liberdade. Se a vida havia me injustiçado, então eu lutaria por justiça”, diz.
Teatro na capital e teledramaturgia
A oportunidade para ir à capital surgiu com a criação do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), liderado por Antunes Filho. Angela chegou a participar do processo seletivo, mas não esperava que fosse aprovada logo na primeira tentativa.
“Quando passei nas etapas, a primeira coisa que fiz foi ligar para a minha mãe diretamente de um orelhão. A reação dela foi dizer ‘Filha, vou arrumar suas malas! Você sabe se virar’. Ela era muito entusiasmada com a vida artística, o apoio e confiança dela foi fundamental para o meu desenvolvimento”, pontua.
Angela (à esquerda) com o ator Júlio Carrara (à direita), também de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
Angela revela que, juntamente da carreira na arte, decidiu se aperfeiçoar no ramo acadêmico. Apesar de ser apaixonada pelo mundo das expressões, ela lamenta ser impossível sobreviver apenas com os lucros do teatro.
“Em São Paulo, decidi prestar um concurso para uma escola de gramática, dentro da Universidade de São Paulo (USP), que era a única gratuita da época, e passei. Precisava continuar com outra profissão. Eu sempre digo aos meus alunos que, infelizmente, não dá para sobreviver somente do teatro”, lamenta.
Durante seu período de desenvolvimento na capital, a atriz decidiu se aventurar na direção de peças e criação de roteiros. Entre suas obras, chegou a escalar grandes nomes da televisão brasileira, como Ingrid Guimarães e Letícia Sabatella.
“Como diretora, tive a oportunidade de trabalhar com vários nomes de peso de todo o país. Considero ‘O Diário de Anne Frank’ uma das minhas peças mais importantes, com a Ingrid Guimarães no elenco. Inclusive, cheguei a levar uma peça para Portugal. Também cheguei a trabalhar com o Tarcísio Meira em sua última peça antes da morte”, relembra.
Plim, plim
Apesar do coração bater mais forte para o teatro, ela também mergulhou na teledramaturgia brasileira. Entre suas aparições, Angela interpretou Celeste, uma médica difícil de lidar, em “Viver a Vida”, novela da TV Globo produzida por Manoel Carlos, em 2009.
“Minha história com a emissora começou nos anos 1990, quando fiz uma participação na novela ‘Torre de Babel’. Um bom tempo depois, fui chamada para atuar em ‘Por Toda Minha Vida’, um especial sobre a carreira do Adoniran Barbosa, onde eu fazia a Marta, filha dele. Já em 2008, fui escalada para viver a Celeste”, destaca.
Durante os nove meses de produção da trama, a produtora comenta que houve todo um processo de preparação do núcleo da personagem, que girava em torno de cuidados paliativos em um hospital. No período de exibição, o termo não era amplamente conhecido no país e, por isso, foi necessária uma série de estudos antes de entrar em cena.
Angela chegou a atuar em outras obras da TV Globo
Márcio de Souza/TV Globo
“Inicialmente, a novela trataria de um assunto extremamente importante, que são os cuidados paliativos, que são os cuidados com a morte. Não deixar a pessoa sofrer com dor, deixá-la mais confortável. Era algo que não se falava no Brasil, apenas na Europa. Nos deram vários documentos para ler e fomos ao Hospital Sírio-Libanês para acompanharmos o tratamento de perto”, destaca.
No entanto, o rumo da novela mudou após diversas reuniões com o elenco, que contou com Alinne Moraes, Mateus Solano, Taís Araújo e Giovanna Antonelli. Hoje, a produção está em reprise no canal Viva.
“Foi uma rotina muito puxada. Fui de São Paulo ao Rio de Janeiro de avião incontáveis vezes. Eu chegava extremamente cedo e ia embora à noite, eram diversas horas de filmagem, porém, era um convívio muito legal. Todos descansavam e almoçavam juntos no Projac. Essa hora era até engraçado, pois todas as grandes ‘lendas’ da televisão estavam no mesmo recinto”, diz.
Com o sucesso da trama, Angela passou a ser reconhecida nas ruas das cidades que frequentava. Mesmo com a fama, a atriz comenta que, por ser uma pessoa reservada, não se sentia à vontade em situações do gênero.
“É estranho ser reconhecida na rua. Como a Celeste era uma personagem complicada, as pessoas me paravam e diziam ‘Você é má!’ ou ‘Credo, como você é ruim!’. Eu sou uma pessoa um tanto reservada, então, andava escondida na rua. Atuar em novelas de grande escala altera até mesmo as relações familiares, fica outra coisa, você se torna outra coisa, e eu não queria isso! Eu já estava adulta demais para entender novos sentimentos”, brinca.
Peça ‘O Diário de Anne Frank’, dirigida por Angela
Arquivo pessoal
“Haviam pessoas que me paravam na rua, na padaria e falavam ‘Eu te conheço de algum lugar!’, e eu só respondia ‘Nossa, pode ser mesmo… Será que eu não sou parecida com alguém?’. Nunca vou me esquecer de uma criança que me parou na rua de casa e disse ‘Nossa, eu conheci alguém da televisão!’ e saiu super feliz. A televisão tem esse tipo de coisa”, complementa.
Justamente por esse traço de personalidade, a intérprete confessa que tinha vergonha de se assistir na televisão. Porém, com o passar do tempo, ela pontua que é importante acompanhar o próprio trabalho para fazer críticas no que precisa ser melhorado.
“No início, eu tinha horror a me ver na TV. No início, eu só queria ficar me julgando. É importante se olhar, afinal, é o meu trabalho, não é mesmo? Fui me apaziguando com relação a isso e fui fazendo críticas construtivas sobre minha atuação. Nós temos o costume de nos desvalorizar e isso é péssimo. Temos que olhar com carinho para o que fazemos”, opina.
“Como Maria, minha mãe!”
Diante de muitas décadas nos palcos, a diretora teatral comenta que, apesar de ter estrelado em grandes peças e atuado em uma emissora de televisão, seu momento favorito da carreira é simples e envolve sua maior apoiadora: sua mãe.
“Houve uma peça que eu participei no Teatro Municipal de São Paulo. À época, as melhores sempre aconteciam lá. Minha mãe, que se chamava Maria, estava na primeira fila com pessoas de renome no teatro. Eu dei um jeito de levá-la em todas, era um presente que eu podia dar à ela”.
“Em uma das falas, eu dizia ‘Como as Marias de todos os mundos, como Maria, minha mãe!’. Ela se levantou e gritou: ‘Ela é a minha filha! Eu te amo, filha! Parabéns!’ Eu fiquei congelada. O Teatro Municipal inteiro se levantou e aplaudiu minha mãezinha de pé. Queria que isso tivesse sido gravado, mas está registrado na minha memória”, compartilha.
Angela morou na zona leste de Sorocaba (SP) até os 22 anos
Reprodução/Instagram
Hoje, aos 68 anos, Angela decidiu diminuir o ritmo das produções e retornar para Sorocaba. Ao olhar para o passado, ela sente vontade de agradecer a jovem, politicamente engajada e determinada, por ter arriscado tudo para realizar um sonho.
“Valeu. Era o que eu diria à Angela de 50 anos atrás. Eu desejei algo e fui atrás de sua concretização. Eu dizia que iria tentar até o fim, ou até a hora que eu pedir água, de tanto cansaço. E até hoje, eu nunca pedi. Estou em Sorocaba novamente para viver uma vida mais tranquila, mas nunca largarei a arte. Sinto muito orgulho do que vivi”, finaliza.
*Colaborou sob supervisão de Matheus Arruda
Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM
Adicionar aos favoritos o Link permanente.