Vencedor de prêmios internacionais, filme ‘Estranho Caminho’ aborda relação entre e pai e filho no contexto da pandemia


Falando dos afetos e trazendo elementos da fantasia, o longa chega aos cinemas nesta quinta-feira (1º). O g1 conversou com o diretor e o elenco do filme. Diretor e roteirista Guto Parente fala sobre filme ‘Estranho Caminho’
O filme cearense “Estranho Caminho”, premiado em festivais nacionais e internacionais, estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (1º) e traz as nuances do reencontro entre pai e filho depois de dez anos de distância. Gravada em Fortaleza, a obra mescla fantasia, humor e um pouco do absurdo da vivência humana na pandemia.
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Em Fortaleza, a estreia será na noite desta quinta-feira (1º) no Cinema do Dragão do Mar, a partir das 19h. Em duas sessões, a equipe do filme fará a apresentação do longa e participará de debate sobre a obra. O filme tem produção da Tardo Filmes e distribuição da Embaúba Filmes.
O longa é um drama fantástico acompanhando a trajetória do cineasta David, que visita Fortaleza para mostrar seu trabalho durante um festival. Com o avanço da pandemia de Covid-19, ele se vê preso na própria cidade natal e acaba precisando retomar o contato com o pai, Geraldo.
Filme “Estranho Caminho” fala sobre a trajetória do jovem cineasta David
Divulgação
O desafio para o jovem é retomar a convivência com um homem fechado com quem não fala há uma década. Este reencontro dispara uma sucessão de eventos estranhos na vida de David.
“Estranho Caminho” é o décimo longa do roteirista, diretor e montador Guto Parente. Na carreira do cearense, estão filmes como A Misteriosa Morte de Pérola (2014) e Inferninho (2018) e os curtas Flash Happy Society (2009) e Dizem que os Cães Veem Coisas (2012).
O cearense Lucas Limeira interpreta o protagonista David e atua em seu segundo filme, depois de ter estreado em Cabeça de Nêgo (2020). Quem dá vida ao personagem de Geraldo é o ator mineiro Carlos Francisco, que atuou em longas como Bacurau (2019) e Marte Um (2022).
Confira o trailer do filme cearense ‘Estranho Caminho’
O filme estreou em 2023 no Festival de Tribeca, em Nova York, tendo sido premiado em todas as categorias em que disputou:
Melhor Filme
Melhor Roteiro: Guto Parente
Melhor Fotografia: Linga Acácio
Melhor Performance: Carlos Francisco
Nas mostras competitivas pelo Brasil, o longa também conquistou os títulos de Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante (Carlos Francisco) no Festival do Rio e o prêmio de Melhor Filme na Mostra Autorias, da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
A relação familiar como tema universal
Com cenários e sotaques do Ceará, ‘Estranho Caminho’ dialoga com públicos de várias partes do mundo
Divulgação
Os cenários são de Fortaleza. O jeito de falar dos personagens também são facilmente identificados por quem conhece o Ceará. Por outro lado, um aspecto dialoga diretamente com o público de várias partes do mundo: a dificuldade de um filho em se conectar com o pai.
Enquanto esteve isolado em casa na pandemia, Guto Parente escreveu o roteiro se inspirando na relação dele com o próprio pai, que faleceu em 2017. Ele quis fazer uma história para homenagear o Geraldo da vida real. O nome é o mesmo dado para o pai do filme.
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Ao acompanhar os debates que vieram após as exibições do longa em outros estados e países, o diretor percebeu o quanto a história se traduz facilmente para culturas diferentes.
“É um filme muito pessoal, mas é um filme sobre paternidade. É um filme sobre a incomunicabilidade entre um pai e um filho. E isso é uma coisa que acho que pega quase todo mundo, principalmente com os pais de uma certa geração… A dificuldade que, muitas vezes, esses homens têm de demonstrar o seu afeto, demonstrar o seu amor”, comenta Guto.
Em “Estranho Caminho”, um dos temas é a expectativa sobre o afeto que cada um gostaria de receber. O filme aborda também a aceitação de um amor que não chega da forma esperada.
Para trazer essa relação de pai e filho para as telas, Guto escolheu artistas que já admirava. Como montador em filmes anteriores, ele conheceu a potência dos atores Lucas Limeira e Carlos Francisco.
Atores Lucas Limeira e Carlos Francisco falam sobre filme ‘Estranho Caminho’
No papel do protagonista David, Lucas dá vida a um jovem cineasta que é de Fortaleza, mas mora em Portugal com a mãe há mais de dez anos. O plano é que a passagem pela cidade natal seja rápida, mas as restrições da pandemia trazem obstáculos em diversas camadas.
“Todo mundo é isolado, os voos são cancelados, o festival (de cinema) é cancelado. A pousada em que ele tá hospedado fecha, então ele se vê numa situação sem saída de ter que reencontrar o pai, que ele não vê há dez anos. E aí é uma relação que tem dez anos de falta, então o filme conta muito sobre como é esse ajuste, esse reencontro”, detalha Lucas.
Ao saber que o roteiro de “Estranho Caminho” viraria filme, Guto Parente pensou em Lucas como protagonista depois de ter conhecido o trabalho dele na edição de “Cabeça de Nêgo”.
“A ideia de trabalhar com o Lucas me veio rapidamente porque eu acho que ele tem uma doçura, ele tem um estilo de interpretação que eu acho que ele consegue carregar um mistério no olhar. Ele tem algo ali que eu acho muito forte, que é muito difícil de encontrar”, pontua o diretor.
O acesso ao material bruto na montagem de “No Coração do Mundo” também trouxe a ideia de, um dia, trabalhar com o mineiro Carlos Francisco. No papel de Geraldo, ele interpreta um pai rabugento e que tem dificuldades em abrir espaço para o filho dentro da própria casa.
Ator Carlos Francisco interpreta Geraldo no filme cearense ‘Estranho Caminho’
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“Ele é muito sistemático, metódico. Ele é escritor e mora sozinho em um apartamento pequeno e trabalha durante o tempo quase inteiro, ele tá desenvolvendo um projeto. E aí quando o David vai e chega para visitar, ele interfere na rotina dele, então isso atrapalha um pouco. Então ele é um personagem um pouco afetado com essa presença no seu meio, que altera um pouco o seu ritmo, o seu cotidiano”, descreve Carlos.
Encontrar o tom dessa relação foi possível também com um trabalho de aproximação entre os dois atores, que tiveram a oportunidade de se conhecer e partilhar muitos aspectos da vida durante as filmagens.
Os elementos do absurdo e do humor
Elementos da fantasia e do humor fazem parte do filme cearense ‘Estranho Caminho’
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O novo momento de David com o pai é repleto de acontecimentos estranhos. Os elementos fantásticos do filme ajudam o público a diminuir a rejeição por “mais um filme sobre a pandemia”, considera Guto Parente.
Além da fantasia, que se manifesta em momentos como o sonho, “Estranho Caminho” traz também o riso. Sem optar pelo humor escrachado, o recurso aparece na sutileza do cotidiano e ajuda a quebrar a dureza do período retratado.
“Eu acho que o filme tem também um espaço para o senso de humor, no que seria uma comédia de absurdo. Não é sobre rir dos personagens ou de algo engraçado que os personagens fazem, mas de algumas situações a que a gente estava condicionado. Por exemplo, essa coisa do pai disparar uma fumaça ali no filho quando ele chega… Faz parte daquelas coisas que a gente tava entendendo ali de ir ao supermercado e sair lavando todos os produtos. E foi um grande absurdo tudo aquilo que a gente viveu”, comenta.
As filmagens foram feitas em 2021, quando os brasileiros e o resto do mundo ainda conviviam com as restrições de convívio social para evitar a contaminação por covid-19.
Como lembra o ator Carlos Francisco, as gravações foram um tempo em que a oportunidade de criar veio junto com a angústia e a preocupação por colegas, parentes e amigos.
“A gente tinha uma impotência, de não poder fazer nada a não ser sobreviver, resistir. E sobreviver já era resistir. E no caso da gente, além de sobreviver, a gente estava produzindo arte, que foi tão importante e fundamental nesse período. Acho que, de alguma maneira, isso está na atmosfera do filme”, revela.
A maioria das cenas foi gravada em Fortaleza, com alguns trechos feitos em Portugal, como a interação da companheira de David, que se comunica com ele por chamadas de vídeo, e o conteúdo do filme de terror a ser apresentado por ele no festival de cinema.
A história contempla as barreiras físicas impostas pelo período, trazendo também as dificuldades de conexão entre David e o pai.
A potência do Ceará nas telas
Filme ‘Estranho Caminho’ ganhou quatro prêmios no Festival de Tribeca, em Nova York
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Os prêmios de “Estranho Caminho” nos festivais internacionais e nacionais reforçam o reconhecimento que o cinema cearense tem conquistado. Esse destaque dos últimos anos mostra a competência dos profissionais do estado, ressalta Guto Parente.
“Quando a gente tem a possibilidade de fazer, quando a gente tem as condições, é muito bom. E eu acho que existe o resultado de uma série de políticas públicas que estão sendo colhidas”, comenta o diretor.
O filme foi realizado com financiamento da Lei Aldir Blanc, com edital lançado pela Secretaria de Cultura do Ceará em 2020. A distribuição do longa-metragem também foi contemplada na Lei Paulo Gustavo.
Segundo Parente, o caminho para fortalecer essa produção requer uma política pública de financiamento que seja consistente, permitindo previsibilidade e segurança para o setor.
O que as produções recentes têm conseguido fazer é mostrar para o mundo um Ceará plural e que foge aos estereótipos, com uma indústria movida por profissionais do estado.
Para Lucas Limeira, é um orgulho representar o Ceará como protagonista e ver o trabalho de outros realizadores do mercado audiovisual ganhando espaço e reconhecimento.
“Eu sou muito fã e tenho muito orgulho das nossas produções cearenses. Eu acho que a gente retrata a nossa cidade e os nossos personagens fortalezenses de uma forma incrível. Me dá um orgulho muito grande ver amigos e pessoas próximas que trabalham com cinema mostrando a cidade como elas veem, sob o olhar delas”, partilha o ator.
Como complementa Carlos Francisco, é importante dar espaço e condições para as produções que captam a pluralidade do Brasil em seus cenários, sotaques e personagens.
No caso de “Estranho Caminho”, ele comemora por ter uma história de dois homens negros no contexto urbano em que o tema principal é o afeto, em vez de retratar uma narrativa que envolve a violência e a criminalidade.
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