
No centro do palco, usando apenas uma máscara de gorila, a atriz avisa: “No meio da plateia, temos bandejas com copos de shot, com cachaça… Talvez vocês precisem beber para chegar até o final desse espetáculo…”, preparando o público para os 60 minutos intensos que viriam pela frente.
Misturando luz, som, dança e interação direta com a plateia, Jéssica conduz a cena com ironia e humor, provocando reflexões sobre sonhos, medos e as realidades que cada um carrega. A protagonista assume “sua estranheza” como normalidade, justamente por se ver como alguém diferente, acaba encontrando seu próprio lugar no mundo.
Em meio a referências psicodélicas e pitadas de terror psicológico, ela traz a história real da mexicana Julia Pastrana, vulgarmente conhecida como “mulher-macaco”, que teve seu corpo explorado por anos em freak shows e, depois de morta, foi embalsamada, leiloada e exposta como atração.
Jéssica se apropria dessa narrativa para romper com esse ciclo de exploração: “O meu nome não é Julia. O meu nome é Jéssica. E se depender de mim, essa história nunca mais vai se repetir. Aqui eu sou monga de outros tempos, eu não vou correr atrás do mais fraco, capturar aquele que não conseguir correr ou que tropeçar e cair.”
A atriz transita com facilidade entre momentos de seriedade, humor, desconforto e emoção. Em ritmo acelerado, o espetáculo joga questionamentos no colo do público e tira todos da zona de conforto, mas sem se afastar, pelo contrário, cria uma conexão intimista, quase feita sob medida.
Perto do fim, ela distribui os shots à plateia e convida todos a brindar. Também toma alguns goles de cachaça e, como se ganhasse mais coragem, fala abertamente sobre dores profundas: os julgamentos sobre seu corpo, sobre ouvir que sua aparência era um castigo ou que carregava um karma.
Com isso, amplia a conversa para temas como fé, finitude e morte, e leva a pensar sobre o que vem depois dela. Tudo isso costurado com críticas afiadas à moralidade fingida e à ironia presente no discurso da “inclusão”.
O encerramento quebra qualquer expectativa de um final dramático. Ao som de música alta, transforma o palco numa balada e chama o público para dançar com ela, provocando uma última reflexão com a frase: “This is a freak show, but my life is not a fucking freak show”.
Para a atriz Lídia Oliveira, que assistiu à peça, o sentimento ao final foi de surpresa: “É um choque no sentido de algo que te incomoda, te mexe por dentro, te alerta.” E completa: “O teatro está aí justamente para dar palco para o que precisa ser ouvido, para quem tem o que falar.”
Serviço:
Próximas apresentações:
27/03 às 20h30 ( Ingressos esgotados)
Local: Teatro Paiol, Praça Guido Viaro, s/n, Prado Velho
Valor: A partir de R$ 42,50
Faixa etária: 18+
Gênero: Contemporâneo
Colaboração: Laura Zanoni, aluna UP