Em reunião com técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), representantes do governo Donald Trump citaram nominalmente duas facções brasileiras — Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) — ao defender a classificação de organizações criminosas transnacionais como terroristas.
Autoridades norte-americanas estão no Brasil nesta semana para um série de reuniões com o governo brasileiro.
Segundo apuração da CNN, em reunião ontem (6), os representantes afirmaram que haveria sanções mais pesadas contra essas facções, caso elas sejam reconhecidas como terroristas pelo governo brasileiro. Eles ouviram que, para o Brasil, esses grupos não podem ser classificados pela legislação do país como organizações terroristas, e sim como criminosas.
Nos Estados Unidos, a definição é mais ampla e permite classificar como terroristas grupos ligados ao tráfico internacional e à violência organizada. Além disso, o sistema penal é mais rigoroso nesses casos.
A gestão de Trump tem buscado enquadrar grupos criminosos latino-americanos em atividades que podem ser associadas ao terrorismo, segundo a legislação dos EUA. Isso ocorre, por exemplo, com a facção venezuelana Tren de Aragua.
Para Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard, são quatro os principais motivos pelos quais os EUA pretendem classificar as facções como terroristas.
“O primeiro ponto é que, tanto o PCC quanto o Comando Vermelho tem ampliado as suas operações para além das fronteiras brasileiras e eles têm estabelecido conexões com carteis de drogas e organizações criminosas em outros países da América do Sul e até mesmo nos Estados Unidos e em outros países da América do Norte, como México, por exemplo. Essa expansão facilita o tráfico internacional de drogas e armas, o que afeta diretamente a segurança dos Estados Unidos”, afirma Brustolin à CNN.
O segundo aspecto refere-se o fato de que “as facções têm sido responsáveis por atentados à bomba, assassinatos de autoridades e outras ações violentas que se enquadram em práticas terroristas, segundo a visão dos Estados Unidos”.
“Essas atividades não apenas ameaçam a segurança pública, mas também desafiam a autoridade do Estado”, acrescenta.
De acordo com o internacionalista, há infiltração dessas facções em outros países. “Há evidências de que membros do PCC têm se filtrado nos Estados Unidos, especialmente em estados como Massachusetts e Pensilvânia, com o objetivo de expandir as operações criminosas, lavar dinheiro e traficar armas. Essa presença direta em território americano aumenta a urgência de medidas mais severas contra essas organizações.”
Brustolin ressalta ainda que outra razão para o PCC e o CV serem reconhecidos como organizações terroristas é pela “facilitação de sanções e cooperação internacional, porque ao classificar o PCC e o Comando Vermelho como organizações terroristas, os Estados Unidos poderiam aplicar sanções facções econômicas mais rigorosas, congelar ativos e facilitar a cooperação internacional para combater essas facções de maneira mais eficaz”.
Para Maurício Santoro, cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, “Trump quer que os governos da América Latina sigam essa tendência que ele inaugurou, de tratar os grupos do crime organizado como grupos terroristas”.
O que diz a legislação brasileira?
De acordo com a Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016), “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
São atos de terrorismo:
- usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
- sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
- atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.
Uma organização terrorista é classificada, segundo a lei brasileira, por:
- realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito
- recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade;
- fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade;
- receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei.
De acordo com Vitélio, os EUA podem designar grupos estrangeiros como organizações terroristas com base em três critérios. São eles:
- Se a organização é estrangeira;
- Se a organização realiza ou tem capacidade e intenção de realizar atividades terroristas;
- Se as atividades da organização ameaçam a segurança dos Estados Unidos e de seus cidadãos.
Os critérios são baseados no U.S Code 2331 e 2339A, presentes na legislação norte-americana 8 USC 1189, Foreign Terrorist Organizations (FTO) — organizações terroristas estrangeiras, em tradução livre.
*Com informações de Jussara Soares e Vinícius Murad, da CNN
Este conteúdo foi originalmente publicado em Entenda por que os EUA querem que PCC seja classificado como terrorista no site CNN Brasil.