
Mais uma vez, o bolsonarismo transformou o parlamento no seu picadeiro. Por 315 votos a 143, a Câmara aprovou uma petição para suspender a ação penal no STF contra o deputado federal Alexandre Ramagem, do PL do Rio de Janeiro. A decisão, que teve apoio fundamental do Centrão, beneficiaria também Jair Bolsonaro e todos os outros 31 denunciados pelos atos golpistas.
Os palhaços tinham pressa e fizeram com que a medida fosse aprovada durante o dia na Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, e colocada em votação no plenário à noite. A manobra foi feita para impedir o debate e contou com a chancela do presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, que até então vinha dando sinais de que não daria trela para os movimentos pró-anistia dos bolsonaristas.
Sim, é da competência da Câmara votar pela suspensão de ações de deputados. Uma emenda aprovada em 2001 estabeleceu que a casa pode, por maioria, travar uma ação penal contra parlamentares. Ocorre que o artigo 53 da Constituição é explícito ao se referir a processos apenas contra deputados e senadores e não cita pessoas sem mandato.
Tão explícito que qualquer interpretação alternativa cai no ridículo, o que, sabemos, nunca foi um problema para os bolsonaristas. O relator dessa bizarrice, o deputado bolsonarista Alfredo Gaspar, do União Brasil de Alagoas, meteu o louco e interpretou o artigo constitucional a seu modo com o intuito de livrar a cara de Jair Bolsonaro e outros réus sem mandato.
“Quem escolheu Ramagem e os outros na mesma denúncia? O Ministério Público. O Ministério Público tinha a oportunidade de, sabendo que ele era deputado, ter o cuidado de fazer uma denúncia em apartado”, disse o relator sem um pingo de vergonha.

A Constituição também é clara ao afirmar que a imunidade parlamentar só é válida para crime “ocorrido após a diplomação”. Está lá escrito com essas palavras. Portanto, nem mesmo Ramagem, o único réu com mandato, escaparia da ação, já que três dos cinco crimes pelos quais responde ocorreram antes de 16 de dezembro de 2022, quando ele foi diplomado — os outros dois crimes denunciados foram no 8 de Janeiro.
A medida, portanto, salvaria o deputado parcialmente. Ele ainda teria que responder por três crimes no STF. O relator, mais uma vez, se fez de louco e retorceu os fatos para que se adequassem à narrativa bolsonarista. Segundo sua tese, os crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do estado de direito e tentativa de golpe de Estado são permanentes, ou seja, se iniciaram antes da diplomação, mas continuaram durante o exercício do mandato.
Gaspar defende o argumento ilógico de que tais crimes só poderiam se consumar após o governo eleito, ou seja, após a diplomação de Ramagem. No texto da petição, ele justificou que “o crime de organização criminosa armada, que possui natureza permanente, teria se estendido até janeiro de 2023, e os demais crimes imputados teriam ocorrido no dia 8 de janeiro de 2023”.
É claro que esse rebolation argumentativo não faz o menor sentido lógico. Há fartas provas da investigação da Polícia Federal apontando que o objetivo era concluir o golpe antes da posse de Lula. Gaspar é ex-promotor de Justiça e conhece muito bem a lei. Está, portanto, cumprindo o papel de sonso de maneira deliberada.
Não há como não encarar esse movimento como um ataque direto à Constituição, ao STF e à democracia. Nenhum professor de direito minimamente sério apareceu para defender a legalidade da suspensão ampla, geral e irrestrita dessa ação penal.
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A medida é tão escancaradamente inconstitucional que não há qualquer possibilidade de ela prosperar no STF, que começou a analisar o caso na sexta-feira, 9. Não é preciso ser vidente para saber que os ministros irão barrar essa patacoada. Apenas a suspensão dos crimes cometidos por Ramagem durante o exercício do mandato será acatada. Tudo conforme está descrito de forma clara e expressa na letra fria da lei.
Os bolsonaristas sabem que a medida inevitavelmente será barrada pelo tribunal, mas insistem porque querem criar alvoroço. É uma tática política que vem sendo amplamente usada pelo bolsonarismo: aprova-se algo claramente inconstitucional e, depois que é barrado pelo STF, intensificam-se as narrativas de vitimização própria e vilanização dos ministros do tribunal. Aí dá-lhe deputado fazendo videozinho chorando as pitangas e atacando a “ditadura do judiciário”. É o golpismo em estado bruto.
A quantidade acachapante de votos a favor dessa aberração e a chancela do presidente da Câmara mostram bem o tamanho do buraco em que a democracia brasileira está enfiada. No total, 60% dos votos vieram de partidos que têm ministérios no governo Lula, o que demonstra a crise no presidencialismo de coalizão.
Hugo Motta acelerou a apreciação da matéria no plenário e rechaçou a possibilidade de requerimentos de adiamento ou retirada de pauta. Assim, inviabilizou qualquer debate sobre o assunto na Câmara. Foi um tapa na cara pra quem chegou a acreditar que Motta poderia ser diferente do seu mestre Arthur Lira, do PP de Alagoas.
Há muita gente endossando essa molecagem. Trata-se de mais uma arruaça golpista da turma que passou os últimos anos conspirando contra a democracia. Não há a menor sombra de dúvida disso. O objetivo é afrontar o STF, agitar a base eleitoral, reforçar a ideia de que há uma perseguição ditatorial em curso e tentar criar uma crise institucional.
O bolsonarismo continua sendo regido pelo mesmo espírito golpista que os levou para o banco dos réus. A manobra na Câmara foi uma ação golpista, articulada por golpistas e com o objetivo de impedir a prisão de golpistas. O 8 de Janeiro ainda não acabou.
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