
“Deus abençoe nossa audiência e bora pra cima”. Foi assim, com um certo tom de deboche, que a maior influencer brasileira se apresentou na CPI das Bets. Virginia Fonseca foi convocada na condição de testemunha para explicar sua relação com as empresas de apostas.
Vestindo blusa de moletom estampada com o rosto da sua filha e grudada a um copo Stanley rosa enorme, a influencer demonstrou claramente estar pouco se lixando para as investigações da comissão. Seu único objetivo ali era bombar seu perfil no Instagram e ganhar ainda mais seguidores.
Virginia foi convocada porque faz parte dos influencers suspeitos de lucrar com a “cláusula da desgraça” — um modelo perverso em que, quanto mais os apostadores indicados pelo influencer perdem, mais ele ganha. Virginia negou ter se beneficiado desta cláusula, mas admitiu que um de seus contratos previa um bônus caso ela “dobrasse os lucros” da casa de aposta — o que, segundo ela, nunca aconteceu.
Ora, trata-se de mero jogo de palavras, já que os lucros de uma casa de apostas estão diretamente ligados às perdas dos apostadores. Mesmo sabendo que estavam diante de alguém que não vê problema em ganhar um bônus em cima do dinheiro que cidadãos brasileiros perdem em apostas, os senadores paparicaram a influente celebridade durante quase toda a sessão da CPI.
Com mais de 53 milhões nas redes sociais — um número maior que a população do estado de São Paulo —, a influenciadora é uma figura de mídia poderosa, e os senadores sabem disso. Muitos deles aproveitaram o canhão de audiência de Virginia para criar conteúdo e bombar suas redes sociais.
Cleitinho, senador do Republicanos de Minas Gerais, estendeu o tapete vermelho e protagonizou cenas vergonhosas, como pedir para a influencer gravar um vídeo para sua esposa. A partir dali foi um vexame atrás do outro e tudo virou espetáculo. O senador Jorge Kajuru, do PSB de Goiás, gastou quase todo o seu tempo para bajular a influenciadora.

Não parecia que estávamos em uma oitiva de uma testemunha em uma comissão parlamentar que investiga casas de apostas. Parecia um podcast entre blogueirinhos amigos. Por muito pouco a sessão não acabou com a influencer ensinando uma dancinha do Tik Tok pros senadores.
Vírginia saiu da CPI radiante, fazendo publicidade da sua mais nova grife e agradecendo a recepção dos senadores nos stories do Instagram. Segundo ela, o senador Cleitinho “trouxe a paz” que ela “estava precisando no momento”. “O cara [Cleitinho] é um fenômeno, devia ser estudado pela Nasa. Na hora que ele ‘hablou’, amor, ele ‘hablou’ muito, foi muito bom”, disse a influenciadora.
A bajulação de Kajuru também foi retribuída com elogios. Para a influencer, ele é “maravilhoso, engraçado e divertido”. O parlamento permitiu que uma testemunha transformasse a CPI em um show monetizado. É um nível de bizarrice alto até mesmo para os padrões dos congressistas brasileiros.
A relatora da CPI, Soraya Thronicke, do Podemos do Mato Grosso do Sul, parecia ser a única parlamentar de fato interessada em investigar as relações da influenciadora com casas de apostas.
Em determinado momento da oitiva, Virginia se irritou após a senadora mostrar uma propaganda gravada pela influencer em 2022 para um site de apostas: “Pega um vídeo recente, Soraya. Cê tá pegando vídeo lá de 2022, pô. O negócio nem tinha as coisas. Pega vídeo recente”, rebateu.
Perceba o linguajar de uma adolescente tretando na internet. Em seguida, Virginia pediu desculpas pela exaltação e tudo ficou por isso mesmo. Ao fim da oitiva, Soraya acabou não resistindo aos encantos da influencer e aceitou ser fotografada ao lado dela e do presidente da CPI, Dr. Hiran, do PP de Roraima.
Virginia, é claro, transformou a foto em conteúdo para o seu perfil no instagram e agradeceu aos comandantes da comissão pelo carinho e acolhimento. Não poderia haver imagem mais simbólica dessa CPI: o presidente e a relatora sorridentes ao lado de uma testemunha que acabou de confessar que assinou um contrato em que poderia faturar com a perda de dinheiro de cidadãos brasileiros.

Após a CPI, a relatora Soraya resolveu criar um conteúdo extra para esse grande espetáculo midiático. Ela topou participar de uma live com a celebridade-militante-bolsonarista Antonia Fontenelle. Durante a gravação, as duas se exaltaram e criaram mais um bom conteúdo para viralizar nas redes sociais.
Fontenelle confrontou a relatora e debochou da comissão: “Não pode começar CPI com uma moça dizendo: ‘pra cima’. Não tinha ninguém para botar ordem naquele galinheiro? Se uma menina de 26 anos dá um olé num bando de senadores, o que a gente pode esperar desse país?”, questionou.
A comissão foi ridicularizada por uma subcelebridade bolsonarista que, por incrível que pareça, estava cheia de razão. A relatora teve que ouvir a sua CPI sendo chamada de “galinheiro” e não fez nada para defendê-la. Pelo contrário, Soraya chegou a confessar que o presidente da comissão está atrapalhando as investigações.
Sugeriu ainda que Fontenelle a convidasse para uma live para “se explicar para a população brasileira”. O que esperar de uma comissão parlamentar de inquérito em que a relatora e o presidente não estão alinhados e ainda trocam farpas via live de influencer bolsonarista?
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Apesar de estar bombando nas páginas de fofoca, a CPI tem avançado muito pouco nas investigações. Nada disso é por acaso. O lobby milionário das bets é poderosíssimo e tem atuado com força nos corredores de Brasília. Tudo parece estar sendo planejado para que fracasse ao final.
A falta de quórum nas sessões é reveladora de um forte boicote por parte dos senadores. Na maioria das sessões, apenas três ou quatro comparecem. A comissão ainda é alvo de denúncias graves. Desde dezembro do ano passado, a Polícia Federal investiga um esquema de achaque a donos de casas de apostas que estão na mira das investigações.
Em troca de blindagem na CPI, um suposto lobista pedia dinheiro aos empresários. Para piorar, sabe onde a irmã e o genro do suspeito de achacar empresários trabalham? No gabinete da relatora da CPI. Soraya nega o envolvimento e garante que a acusação faz parte de um movimento para descredibilizar as investigações. Tudo é possível, já que a denúncia foi feita por nada mais nada menos que Ciro Nogueira, senador do Piauí pelo PP.
Tudo indica que a CPI caminha para terminar em pizza. É provável que o texto final nem seja apreciado pela comissão. O Senado dá claros sinais de que não está disposto a meter o bedelho num mercado bilionário que envolve gente muito poderosa.
O fim da comissão, previsto para 14 de junho, está próximo e certamente trará resultados pífios para o país. Já para influenciadores como Virginia, a CPI terá rendido buzz, likes, seguidores e dinheiro no bolso.
O post CPI das Bets ignora que Virginia é testemunha e idolatra show monetizado da influencer apareceu primeiro em Intercept Brasil.