Campanha ambiental da Austrália se transforma em discurso anti-Musk

Quando os amigos Neon e Zane iniciaram uma campanha para impedir a Tesla de construir uma fábrica de reciclagem de baterias num pequeno quarteirão onde moravam, os dois suspeitaram que as opiniões fortes sobre o chefe bilionário da empresa poderiam ajudar a influenciar o pensamento da vizinhança.

Mas eles não tinham ideia de até que ponto o sentimento anti-Elon Musk tinha se espalhado para além do epicentro da sua influência nos Estados Unidos, onde causou o caos na posição de chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE).

Neon e Zane, que pediram para usar pseudônimos para evitar o vazamento de dados na internet pelos apoiadores de Musk, dizem que o principal objetivo de sua campanha, chamada “Trees Not Teslas” (Árvores, Não Teslas, em português), era preservar cerca de 60 árvores, em Tonsley, uma área ao sul de Adelaide, a capital da Austrália Meredional.

“Estamos lutando por espaços verdes designados e é apenas um insulto tentar tirar o que resta na área de Tonsley”, disse Neon, que ainda trabalha nas proximidades.


Gesto de Elon Musk causa polêmica • Reuters

Consulta pública sobre a construção da fábrica

Quando o conselho da região publicou os resultados da consulta comunitária sobre a proposta, que permite a venda do terreno para reabilitação, o documento continha centenas de comentários anti-Musk ou calúnias diretas.

Uma pesquisa mostrou 229 referências a “nazista”, “nazismo” ou outras frases semelhantes, para dar uma indicação do tom desses comentários.

Um comentário da consulta pública dizia: “Você e eu sabemos que ela [a Tesla] está sendo incendiada a cada poucos meses por causa das implicações nazistas”.

Alguns entrevistados referiram-se diretamente ao gesto com o braço que Musk fez em janeiro, no comício após a posse de Trump, que foi comparado a uma saudação fascista. Na época, Musk escreveu em sua plataforma de mídia social X: “O ataque ‘todo mundo é Hitler’ é muuuito cansativo”.

A consulta popular de Tonsley, na Austrália, terminou com 95% das mais de 900 respostas da consulta popular rejeitando os planos de preparar o terreno para construção da fábrica de reciclagem da Tesla. No entanto, o Conselho aprovou o projeto mesmo assim e enviou o documento ao governo estadual para aprovação.

A CNN entrou em contato com Tesla para comentar e aguarda resposta.

Apelo por mais árvores em terreno ao invés de fábrica

Números do Conselho de Veículos Elétricos mostram que as vendas da Tesla em todo o país caíram quase pela metade no ano até maio de 2025. Felipe Munoz, analista sênior da empresa de pesquisa de mercado automotivo JATO Dynamics, diz que isso se deve em parte à espera pelo Modelo Y.

Esse modelo finalmente chegou à Austrália em maio, fazendo com que as vendas da Tesla disparassem 122% no mês passado em comparação com o mesmo período do ano anterior.

O prefeito do conselho da cidade de Marion, Kris Hanna, diz que o sentimento anti-Musk se intrometeu em uma consulta padrão do conselho, que tratava simplesmente de encontrar um uso para terras contaminadas “que provavelmente nunca mais será um espaço recreativo”.

O local está contaminado com tricloroetileno, conhecido como TCE, solvente que pode causar câncer e Linfoma não Hodgkin (LNH), e é proibido nos Estados Unidos.

“O problema com isso não é apenas, por exemplo, as crianças brincando na terra, mas também a fumaça que pode subir do subsolo. Selar a substância com um estacionamento ou prédio é uma solução”, disse Hanna.

O terreno está restrito ao público desde 2016. Os moradores dizem que, mesmo que não possam utilizá-lo, as árvores maduras oferecem um refúgio para as aves em uma área quase desprovida de copa das árvores.

Mais importante ainda, de acordo com o Conselho de Conservação do Sul da Austrália, as árvores maduras ajudam a conter a contaminação.

“A remoção de árvores coloca esse local em maior risco de vazamento desses contaminantes nas águas subterrâneas e, obviamente, impactando a saúde humana de forma mais ampla”, disse Kirsty Bevan, CEO do grupo, que acrescentou que as promessas de Tesla de plantar 59 mudas não eram boas o suficiente.

“Estamos propondo que mais pesquisas sejam realizadas e que medidas corretivas sejam implementadas”, disse ela. “Acho que as melhorias que procuramos viriam com uma floresta de árvores.”

Autoridades defendem nova fábrica

Kris Hanna, o prefeito, disse que os vereadores ouviram a oposição, mas a votação terminou em 8 a favor a 3 contra para aprovar a proposta, porque criaria 100 empregos, um “número enorme” para a área. Um novo negócio também pagaria impostos locais, aliviando o fardo dos residentes durante uma crise de custo de vida.

“Ter uma nova fábrica substancial entrando na área é muito significativo, e ela é adjacente a uma área de fabricação de alta tecnologia, que desenvolvemos no lugar de uma antiga fábrica de automóveis. Então, na verdade, se encaixa muito bem ter uma fábrica que recicla baterias elétricas”, disse Hanna.

Uma das vereadoras dissidentes, Sarah Luscombe, disse que votou contra a proposta porque a comunidade tinha enviado um feedback claro e consistente de que queria mais árvores, e a visão estratégica do próprio conselho é uma “comunidade habitável e sustentável”.

“As pessoas com quem falei na comunidade estão fartas de ver os seus interesses ofuscados pelos das grandes corporações”, disse Luscombe. “Cada vez mais, vemos comunidades apenas dizendo: “Bem, espere, quero ter uma palavra a dizer aqui e quero que minhas opiniões sejam levadas em consideração”.


Incêndio em concessionária Tesla em Roma destrói 17 carros • Reprodução/Reuters

Críticas a Musk e posição das autoridades

Nos últimos meses, os carros e showrooms da Tesla foram vandalizados em vários países por críticos que manifestaram a sua raiva pelo apoio de Musk aos partidos de extrema direita na Europa e a outras políticas.

O prefeito disse que o conselho recebeu “correspondências agressivas” desde a aprovação da proposta, mas não estava preocupado com uma reação violenta contra a fábrica da Tesla ou contra os membros do conselho, e não se interessaria por suas próprias opiniões sobre Musk.

O deputado estadual, Joe Szakacs, disse à CNN em um comunicado que seguirá o “processo usual” para determinar se o terreno deve ser aprovado para venda.

“Nosso governo saúda o investimento e a criação de empregos no estado e está orgulhoso de seu compromisso de fornecer 100% de energias renováveis ​​líquidas até 2027”, disse ele.

Qualquer venda exigiria que o proprietário do terreno apresentasse um pedido de desenvolvimento e descontaminasse o solo de acordo com os padrões estabelecidos pelas autoridades estaduais.

A Autoridade de Proteção Ambiental da Austrália do Sul disse que manteve conversas preliminares com o conselho e o desenvolvedor. Lidar com a contaminação é, muitas vezes, “complexo, caro e demorado”, acrescentou.

Neon e Zane organizaram uma manifestação em frente ao prédio do Conselho de Marion na quarta-feira (4), pedindo ao governo estadual que rejeitasse o pedido de rezoneamento. Mais de uma dúzia de manifestantes seguravam cartazes, incluindo um que dizia: “Elon Musk pode ser [redigido]”.

Eles estão determinados a manter a Tesla fora de seu bairro e não se comovem com a promessa de mais empregos. “Serão empregos em terrenos contaminados numa empresa que está contaminada por Elon Musk”, disse Neon.

“99 das 117 páginas do relatório continham comentários negativos sobre Elon e a proposta. Como você pode ignorar isso? E se você fizer isso, não estará representando o povo, estará apenas sendo comprado pelas empresas”, completou o ativista.

Melhorias implementadas pela Tesla na Austrália

Pode parecer incomum que os residentes de uma pequena cidade australiana possam ter problemas com Musk, dada a sua distância das políticas e decisões locais e a experiência positiva anterior no estado da Austrália do Sul com o empresário bilionário.

Em 2017, Musk se ofereceu para construir a bateria mais poderosa do mundo para resolver alguns dos problemas energéticos do estado australiano no prazo de 100 dias, o que o bilionário conseguiu.

O estado da Austrália do Sul é agora líder em termos de energia renovável, e está no caminho certo para atingir a meta de 100% de energias renováveis ​​líquidas até 2027.

Apoiada pelo governo estadual, a Tesla, junto de uma empresa de energia, criaram uma usina virtual que instala sistemas de bateria Powerwall em residências em todo o estado. A ideia é que todas as baterias se unam para apoiar a rede em tempos de alta demanda.

No entanto, a fábrica proposta da Tesla na cidade de Marion não geraria qualquer energia. Seria usada apenas para reciclar baterias e fornecer um showroom para os veículos eléctricos da Tesla, cujas vendas caíram na Austrália.

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