A arte como aliada no processo terapêutico do luto

A arte tem um papel importante na vida de todos nós. Para entreter, pensar e confortar até em momentos difíceis, como por exemplo quando perdemos um ente querido. Muitas vezes um filme, uma peça ou um livro têm um papel catártico nesse momento da vida, não somente para quem consome, mas para quem a produz.

Contando uma história sobre luto e suas complexidades, o diretor e roteirista San Marcelo apresenta seu mais recente curta-metragem de animação, “Ao Mar”, que narra a jornada de Duda, uma menina de 8 anos lidando com a perda de seu pai, José, que se perdeu em alto mar. A produção convida o público a explorar como a arte pode auxiliar na compreensão da dor do luto, revelando a complexidade das relações em momentos de tragédia e perda.

– Eu penso que o processo do luto é algo muito particular, cada indivíduo reage de forma completamente diferente. Acredito que a arte, neste caso o cinema, pode desempenhar o papel de provocador para falar sobre o tema, como estamos falando hoje, porém o que trata o filme “Ao Mar” pode trazer muitos significados, como também nenhum acerca da temática, pois vai depender muito de que forma o filme vai tocar o espectador, pois é isso que se espera, que o filme provoque alguma reação – explica o cineasta San Marcelo.

O tema abordado pela produção evidencia uma realidade pouco discutida, se comprometendo em trazer ao espectador um espelho através de personagens que enfrentam a mesma dor por meio de uma história fantasiosa pelos olhos de uma criança. O psicólogo Carlos Arruza fala sobre como o audiovisual pode atuar para aqueles que se encontram enlutados.

– Os filmes podem servir como espelho. Ao observar a dor do outro podemos promover empatia e nesse sentimento alcançar uma nova consciência diante ao fenômeno. Uma forma segura não acredito que deva ser a expectativa. Penso que numa ferramenta possível de ressignificar a perda, respeitando sempre o tempo individual. Filmes podem ser entretenimento, conteúdo ou simplesmente o exercício tanto como espectador ou criador em situação de luto – exemplifica Arruza sobre essa relação de enxergar sua realidade através de uma história pelas telas.

Familiar ao sentimento, a escritora e psicóloga Patty Bonaparte explora em seu livro “O Trampolim” (Editora Lacre) suas memórias de vida, relatando as dores da perda de seu marido que ocorreu posteriormente a perda de uma gestação. Através de sua história pessoal, Patty traz em suas palavras um caminho de cura e entendimento, demonstrando a capacidade da literatura em servir como um meio de superação.

– A fala traz uma realidade às vezes intolerável para quem se encontra num momento de dor profunda. Ao verbalizar aquilo se torna mais real e muitas vezes ainda difícil de suportar. A literatura traz uma elaboração mais aceitável para o sujeito apesar de ficar registrado e muitas vezes ganhando uma perpetuação por muitas gerações – diz Patty.

A arte, assim como para quem a consome, ajuda também as pessoas que a produz a lidar com o momento de dor, como no caso da escritora.

– Escrever já é um processo terapêutico. Escrever sobre a própria perda ou mesmo abordando o tema para terceiros é uma ferramenta poderosíssima. As ideias quando colocadas em palavras e registradas (manual ou digital) ajudam a organizar melhor os pensamentos e com isso elaborar os sentimentos, potencializando a cura – pontua Arruza.

Patty fala sobre a relação entre o tempo de criação artística e o tempo de cura emocional.

– Costumo dizer que o tempo é um grande aliado no processo de elaboração de dores e de tantos outros processos que precisam ser dissecados pelo sujeito. O passar do tempo nos distancia, de certa forma, daquilo que nos trouxe o luto e nos permite reinventar uma nova realidade com elementos diferentes. Assim também acontece com a arte, o processo artístico acredito que se faz acontecer em camadas, fases, não é algo linear e, portanto, precisa de tempo para ser criado algo novo – completa a escritora.

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