As espécies ancestrais de lobo que podem desaparecer para sempre


Um grupo de cientistas e conservacionistas na Índia está tentando salvar lobos de ameaças induzidas pelos seres humanos. O híbrido cão-lobo é castanho-alaranjado, enquanto os lobos em si são cinzentos
The Grasslands Trust
Uma das espécies de lobo mais ameaçadas pode em breve ser extinta, devido ao cruzamento com cães, alertaram especialistas na Índia.
O lobo-indiano é considerado uma das linhagens mais antigas de lobos cinzentos — e sua extinção seria perder um importante elo na evolução.
Nos últimos anos, o aumento da população de cães de rua, aliado à perda de habitat dos lobos, vem ameaçando estes animais. E, ainda assim, o país não tem nenhum programa abrangente de preservação para este predador do topo da cadeia alimentar.
Existem apenas cerca de 3 mil lobos cinzentos na natureza na Índia, o que significa que estima-se que haja menos exemplares deles do que de tigres-de-bengala.
Agora, alguns cientistas e grupos conservacionistas estão tentando mudar este cenário.
A pesquisa que eles realizaram sobre lobos perto da cidade de Pune, no Estado indiano de Maharashtra, está chamando a atenção para estes predadores.
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‘A hibridação pode acabar com os lobos-indianos’
Grupos encontraram diversos animais híbridos em meio a lobos
The Grasslands Trust
Em 2014, membros do Grasslands Trust, um grupo de conservação formado por cidadãos de Pune, avistaram um animal na natureza que parecia um tanto estranho.
“Não tínhamos certeza se era um lobo, embora parecesse um. Ele não era cinza, mas castanho alaranjado.”
Ao longo dos anos, eles avistaram outro animal do tipo, e decidiram sair em busca para encontrar mais. Guiada por cientistas, após obter permissão do departamento florestal, a equipe coletou amostras de pelos e fezes deste animal, mas não foi uma tarefa fácil.
“É muito desafiador seguir lobos, porque eles conhecem bem os seres humanos, e sempre tentam nos enganar. Mas nós monitoramos a matilha por dias, e descobrimos onde eles repousam e quando deixam o local. Foi assim que conseguimos coletar amostras de pelos e fezes”, conta Mihir Godbole, fundador-presidente do Grasslands Trust.
O sequenciamento do genoma provou mais tarde que se tratava de um cão-lobo, ou um híbrido entre um lobo e um cão — é importante não confundir com cães domesticados que possuem ascendência maior que o normal de lobo, mas são separados por várias gerações.
A pesquisa, realizada por meio de uma colaboração entre três organizações — Grasslands Trust, Ashoka Trust para pesquisa em ecologia e meio ambiente (ATREE, na sigla em inglês) e Centro Nacional de Ciências Biológicas (NCBS, na sigla em inglês) — foi publicada na revista científica Journal of Ecology and Evolution.
Embora os híbridos cão-lobo tenham sido objeto de pesquisa em diferentes partes do mundo, este foi o primeiro estudo científico propriamente dito na Índia.
Também provou a existência de hibridação de segunda geração, que é quando um animal híbrido cruza com lobos novamente.
Soberanos da savana indiana
‘Se a população de lobos em uma área diminui, eles tendem a cruzar com cães quando não conseguem encontrar parceiros’
The Grasslands Trust
Em todo o mundo, lobos cinzentos são encontrados em diferentes habitats, como pastagens, desertos, florestas e até mesmo tundra. Na Índia, eles habitam sobretudo savanas próximas a áreas de ocupação humana, como cidades e vilarejos.
“A savana indiana é um ecossistema único que abriga antílopes, porcos-espinhos e aves como a abetarda-indiana, uma espécie ameaçada de extinção. Os lobos [são] superpredadores, e uma parte importante dele”, explica Mihir.
Há duas espécies de lobos na Índia: o lobo-do-himalaia (Canis himala-yensis) e o lobo-indiano (Canis lupus pallipes).
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) lista ambas como espécies ameaçadas de extinção em alguns países, e elas são protegidas pela legislação da vida selvagem, de 1972, na Índia.
As duas espécies são especialmente significativas porque, de acordo com pesquisas anteriores, são uma das linhagens mais antigas de lobos cinzentos selvagens do mundo.
A população selvagem estimada de lobos-indianos varia de 2 mil a 3 mil. No entanto, cientistas dizem que estes números não são confiáveis, na ausência de censos adequados, como os que são realizados para contar o número de tigres.
Nas últimas décadas, atividades humanas como agricultura, pastoreio, despejo de resíduos e urbanização aumentaram ao redor das pastagens indianas. Com as atividades humanas, aparecem cães à solta (de rua ou selvagens), e isso leva a uma maior interação com lobos selvagens.
O que as pesquisas indicam
“Cães e lobos são geneticamente muito próximos. Cães são lobos domesticados de certa forma”, diz Abi Vanak, pesquisador de biodiversidade da ATREE.
“Em todo o mundo, houve casos de hibridação cão-lobo. Se a população de lobos em uma área diminui, eles tendem a cruzar com cães quando não conseguem encontrar parceiros (para acasalar).”
Já houve casos de cruzamento entre espécies induzidos por seres humanos — e, em alguns lugares, é ilegal manter um híbrido como animal de estimação. Um híbrido cão-lobo mantido como animal de estimação matou um bebê de três meses no Estado americano do Alabama em dezembro de 2023.
Mas a hibridação na natureza pode colocar os lobos em perigo, porque tem o potencial de extinguir as espécies geneticamente distintas.
A ecologista indiana Uma Ramakrishnan, professora do NCBS, cujo laboratório fez o sequenciamento do genoma que confirmou a existência do cão-lobo na Índia, explica por que isso é importante.
“É como se você tivesse duas latas de tinta, e começasse a misturá-las. Elas não permanecem o que eram antes. De forma semelhante, a hibridação dilui o patrimônio genético de uma espécie.”
“Se uma espécie tem tantos animais, como tantos cães (de rua) aqui, e a outra não tanto — como os lobos, há uma possibilidade de que os cães possam diluir [o] patrimônio genético, e acabar extinguindo os lobos.”
A população de cães de rua da Índia é enorme — estimada em cerca de 35 milhões a 63 milhões.
Especialistas disseram que a queda no número de abutres, ave de rapina necrófaga, está contribuindo para o aumento da população de cães selvagens.
A população estimada de cães de rua somente na cidade de Pune é de 179 mil. Para efeito de comparação, há cerca de 40 lobos no distrito de Pune.
“Devido ao processo de domesticação, os cães perderam muitas características semelhantes às dos lobos — eles ficaram menores em tamanho corporal, um pouco mais fracos. A hibridação pode trazer algumas destas características de volta para os lobos, o que os colocaria em perigo”, acrescenta Abi Vanak.
Existe também a ameaça das doenças transmitidas por cães.
“Os cães podem transmitir vírus e doenças como a raiva, que são tão contagiosas que poderiam dizimar uma população inteira de lobos selvagens em uma região. Os cães também caçam pequenos animais dos quais os lobos geralmente dependem para se alimentar”, explica Mihir Godbole.
Outro estudo da sua equipe mostra como o aumento da população de leopardos também está alterando o equilíbrio ecológico na Índia.
Mas, apesar de tudo isso, ainda faltam iniciativas concretas para proteger os lobos.
Proteger os lobos preservando as pastagens
“Precisamos pensar na conservação dos lobos não da mesma forma que na conservação dos tigres. Não podemos criar áreas protegidas para esta espécie, porque ela está presente em uma paisagem de uso misto, e geralmente depende do gado como presa. Então, você precisa levar em consideração as comunidades pastoris e as diferentes partes interessadas”, diz Abi Vanak.
O Grasslands Trust está trabalhando agora em um projeto piloto que inclui moradores locais e outras partes interessadas com o objetivo de recuperar as pastagens e proteger sua vida selvagem.
Eles enviaram uma proposta ao governo local para lançar um programa de conservação de lobos — e estão aguardando aprovação.
Para Uma, a pesquisa levantou novas questões.
“Um desafio maior é como você classifica um híbrido? Ele é protegido pela lei de vida selvagem (governamental)? O que você faz com ele? Estas não são apenas questões éticas, mas também ecológicas e biológicas.”
Segundo ela, as assinaturas genômicas nos ajudam a entender o que está acontecendo com uma espécie em uma região específica e, com base nisso, os cientistas podem dar recomendações.
“Quando pensamos em evolução, pensamos no passado. Mas a evolução também vai acontecer no futuro. À medida que uma espécie evolui, será que sua trajetória é significativamente impactada por nós, humanos?”
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