Migrantes que vivem no Brasil cruzam fronteira a pé para votar nas eleições presidenciais da Venezuela


Fronteira entre os dois países está fechada desde sexta-feira (26) por decisão do governo venezuelano. Para escolher um novo presidente, migrantes recorrerem as “trochas”, rotas clandestinas que dão acesso ao país vizinho pelo município de Pacaraima. Guerson Diaz, de 29 anos, pintado com as cores da bandeira venezuelana na fronteira com o Brasil
Caíque Rodrigues/g1 RR
“Eu amo meu país e faço de tudo para votar, até passar pela trocha”, declara Guerson Diaz, tatuador de 29 anos, que vive em Pacaraima, mas é natural de San Félix, na Venezuela. Com o rosto pintado com as cores da bandeira venezuelana, Guerson foi impedido pelos militares de atravessar a pé a fronteira com o Brasil. Por isso, assim como outros migrantes na cidade roraimense, ele terá que usar rotas clandestinas – conhecidas como trochas – para votar nas eleições presidenciais neste domingo (28).
➡️ A fronteira do Brasil com a Venezuela está fechada pelo lado venezuelano desde sexta-feira (26) por conta das eleições. A votação na Venezuela tem na disputa Nicolás Maduro, que tenta se manter no poder pelo terceiro mandato seguido, e o opositor dele, o diplomata Edmundo González, que se tornou candidato de última hora e diz acreditar na vitória.
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A previsão é que a fronteira só seja reaberta na segunda-feira (29). Ela é vigiada por militares e carros oficiais venezuelanos, e cones bloqueiam a passagem de carros e motos no ponto onde as bandeiras brasileiras e venezuelanas dividem espaço.
Neste domingo, o g1 esteve na fronteira e constatou que alguns migrantes que estavam a pé foram liberados pelos militares venezuelanos para passar ao outro lado no dia da votação, enquanto outros eram barrados. A reportagem chegou a perguntar aos guardas quais eram os critérios para liberar a passagem de migrantes, mas não foi respondida.
Fronteira do Brasil com a Venezuela fechada neste domingo (28) de eleições venezuelanas
Caíque Rodrigues/g1 RR
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Um dos migrantes barrados pelos militares foi Guerson. De acordo com ele, enfrentar as trilhas clandestinas a pé é a única forma de conseguir exercer o direito de votar. Embora seja natural de San Félix, ele conseguiu transferir o título para Santa Elena, cidade venezuelana fronteiriça com o Brasil.
“Eu vou ter que ir pela trocha para poder chegar a Santa Elena. Ainda quero uma mudança para o meu país e neste momento não podemos passar, estão nos barrando sem motivo. Não podemos passar [pela fronteira], a guarda nacional não nos deixa”, explicou o tatuador ao g1.
“Nós, venezuelanos que estamos vivendo em outros países, estamos motivados a fazer a mudança que nosso país precisa, e se tivermos que atravessar por montes, por rios, por trilhas para votar, nós vamos. Não façam seus votos serem nulos”.
🗳️ No Brasil, o único lugar em que os venezuelanos poderiam votar à distância seria a embaixada da Venezuela, no Distrito Federal, contudo, é uma viagem inviável para a maioria dos migrantes.
As rotas clandestinas seguem movimentadas na região fronteiriça mesmo no dia de votação. No posto de triagem da operação Acolhida, que atende os migrantes que chegam ao Brasil, o trabalho também segue normal.
Na unidade é ofertado o serviço de vacina e regularização de documentos migratórios. O g1 observou uma fila de ao menos 30 migrantes à espera de atendimento nesta manhã.
‘Somos venezuelanos e vamos votar seja como for’
A professora Selma Campos, de 48 anos, é natural de Santa Elena mas vive há 15 anos em Pacaraima. Ela esta obstinada a votar e, ao observar que outros venezuelanos que vivem em no município brasileiro também estavam, decidiu organizar, por conta própria, um mutirão para atravessar cerca de 60 migrantes pelas rotas clandestinas a pé para exercer o voto.
Selma Campos, de 48 anos, reuniu eleitores venezuelanos que vivem em Roraima para atravessar a fronteira
Caíque Rodrigues/g1 RR
Ela reuniu os migrantes inscritos no Conselho Nacional Eleitoral de Santa Elena em uma casa de concentração. De lá, em grupos de quatro ou cinco pessoas, leva em seu próprio carro os eleitores até o limite brasileiro. Em seguida, eles seguem a pé até Santa Elena, onde serão recebidos por outra equipe de voluntários.
“[A rota clandestina] é a única opção deixada pelo governo, especialmente para os que vivem fora do país. No Brasil, tem apenas a embaixada da Venezuela em Brasília. Há mais de 30 mil venezuelanos aqui. Isso também é uma forma de protesto contra o fechamento dos consulados venezuelanos em Boa Vista e Manaus, o que impede nossos compatriotas de votar, violando seus direitos políticos e cidadania plena”, disse.
A técnica de enfermagem lunnyfer Gonzales, de 34 anos, é uma das eleitoras venezuelanas que Selma conseguiu reunir. Ela vive há 7 anos em Pacaraima junto com a família e também é natural de Santa Elena, onde vota. De acordo com ela, o fechamento da fronteira atrapalhou a votação e, inclusive, deveria ser um dos motivos para a nulidade do pleito.
lunnyfer gonzales, de 34 anos, foi uma das migrantes que a Guarda Nacional Venezuelana deixou cruzar a fronteira
Caíque Rodrigues/g1 RR
“Atrapalhou muito essa fechada de fronteira para todos. A gente acha que é uma violação de direitos mesmo. Então, a gente está usando outros caminhos para tentar chegar [a Venezuela]. Somos venezuelanos e vamos votar seja como for”.
“Eu sei, eu acredito na vontade de meus irmãos venezuelanos, eu sei que muitos deles estão lá do outro lado aguardando a gente que vai exercer seu voto e da mesma forma a gente vai votar porque nossa família está ficando aqui, a gente está arriscando muito na verdade”, disse Iunnyfer.
Para ela, as eleições não são uma luta política, mas uma “questão de honra”.
“Nesse momento, para mim, não é tanto uma luta política, sabe? A gente quer ser liberto, ter liberdade pra voltar pra casa, porque tem muita gente aqui agora, todos eles que são meus compatriotas e agora eles não podem exercer seu voto. Agora, todo mundo está aqui aguentando chuva, aguentando fome, dormindo pela rua”, afirmou.
Após a conversa, a reportagem acompanhou Iunnyfer. Ela foi uma das pessoas que os militares venezuelanos permitiram que passassem pela fronteira mesmo com ela fechada.
‘Não me disseram o motivo pelo qual eu não podia entrar no meu país’
Nuris Ordaz, de 50 anos, foi uma das migrantes que não conseguiu cruzar a fronteira
Caíque Rodrigues/g1 RR
Nuris Ordaz, de 50 anos, é taxista em Pacaraima, onde vive há 4 anos. Nascida em San Felix, ela sabia que para cruzar a fronteira fechada e votar ela teria que ir a pé até Santa Elena e, por isso, foi equipada com tênis de corrida e roupas leves. Mas nem assim ela foi liberada pela Guarda Nacional Venezuelana para cruzar a fronteira e, agora, vai pela rota clandestina.
“Não quiseram nos deixar passar para a Venezuela. Perguntei ao guarda se podia passar para a Venezuela para votar, mas me disse que não, que estava fechada a fronteira, não há como passar para a Venezuela nem caminhando, não quis deixar passar”, disse Nuris.
Migrantes que não conseguiram atravessar a fronteira para votar se reúnem para enfrentar rotas clandestinas em Pacaraima
Caíque Rodrigues/g1 RR
“Eu quero ir votar, mas não querem nos deixar passar. Eles não dizem porque, dizem que está fechada a fronteira e não há espaço para nada, não me disse o motivo pelo qual eu não podia entrar no meu pais”.
Para ela, votar é importante pois espera por mudanças na economia da Venezuela e, assim, poder voltar para o pais natal sem passar por nenhuma dificuldade.
“É muito importante por meus netos, por meus filhos que estão na Venezuela. Não tem trabalho, meus netos não tem o que comer. Meu voto é importante para o candidato presidencial de agora que está tentando mudar o meu país, isso pela minha família”, afirmou.
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