MP denuncia à Justiça GCMs e ex-agentes de SP suspeitos de formação de milícia na Cracolândia


Dois guardas e dois ex-agentes são acusados de cobrar ‘taxa de proteção’ ou ‘segurança privada’ de comerciantes da região para manter o chamado ‘fluxo de usuários de drogas’ distante das lojas e estabelecimentos comerciais. Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São Paulo
Marcelo Pereira/Secom/PMSP
O Ministério Público de São Paulo denunciou nesta quinta-feira (15) dois guardas-civis metropolitanos da cidade de São Paulo e outros dois ex-agentes por suspeita de participação em milícia que atuava na região da Cracolândia, no Centro de São Paulo.
O GCMs Elisson de Assis, Tiago Moreira da Silva, Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava são acusados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/Núcleo Capital) de formação de “milícia particular para a prática de crimes de concussão contra comerciantes da região central da cidade”.
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Segundo a denúncia, eles “exigiram, para si, direta ou indiretamente, em razão da função de guardas-civis metropolitanos, vantagem indevida consistente em ‘taxa de proteção’ ou ‘segurança privada’ de comerciantes da região central da cidade”.
Através das investigações, os promotores descobriram que os guardas recebiam dinheiro dos comerciantes através de depósito na própria conta ou nas de parentes e terceiros.
“A tese acusatória se respalda nos dados referentes ao Relatório de Inteligência Financeira (RIF) nº 107933.7.212.13047, produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que apontou diversas operações financeiras atípicas, as quais, somadas aos elementos de informação produzidos no presente procedimento, constituem indícios suficientes do crime de lavagem de bens, direitos e valores de origem ilícita, notadamente as atividades ilícitas de constituição de milícia e concussões”, disse o documento do Gaeco.
“Elementos trazidos pela imprensa, os relatórios de inteligência financeiras, documentos apreendidos e demais provas carreadas aos autos confirmam a existência de uma associação criminosa na forma de milícia formada por guardas-civis metropolitanos do Município de São Paulo, responsáveis por exigir vantagem indevida a comerciantes da região central da cidade como ‘taxa de proteção” contra a ação de adictos, com posterior dissimulação desse dinheiro obtido ilicitamente, em evidente atividade de lavagem de capitais”, completou.
O g1 procurou o Comando da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a Prefeitura de São Paulo, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Operação Salus et Dignitas
Ação em imóveis usados pelo crime organizado na Cracolândia
Giba Bergamim/TV Globo
Os quatro guardas municipais tinham sido alvo, em 06 de agosto, de uma megaoperação do Gaeco que desmantelou uma rede de crimes na região Central, incluindo ação de guardas e criminosos associação à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
A Operação Salus et Dignitas cumpriu 117 mandados de busca e apreensão na capital paulista em endereços ligados aos investigados.
Na época, a Justiça também havia expedido 46 mandados de sequestro e bloqueio de bens e de suspensão de atividade econômica de 44 prédios comerciais.
Mais de R$ 155 mil em espécie foram apreendidos na ação, 122 celulares, 23 computadores, 78 veículos e 96 HDs, USBs e pendrives.
Coletiva de imprensa da operação.
Reprodução/ TV Globo
No mesmo dia da operação, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, disse que a gestão municipal “desconhece milícia” na capital após a operação que prendeu guardas-civis municipais suspeitos de serem milicianos na Cracolândia.
“A Prefeitura desconhece milícia na cidade de São Paulo e tem regime rígido com a GCM. Temos 7.500 homens e mulheres para defender o cidadão da cidade. Nós temos dois GCMs [presos na operação] que foram expulsos da Guarda Civil, um deles, a Prefeitura pediu a prisão ao MP, tal o rigo da cooperação. Não vai ser, um dois, quatro, cinco que vão manchar 7.500 GCMs”, afirmou.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) também falou sobre a operação. O promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público, Artur Dian, Delegado Geral de São Paulo e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, participaram de entrevista coletiva sobre a ação.
“O foco principal [da operação] é esse ecossistema que trabalha com o tráfico de drogas, a atuação do crime organizado que é controlado pelo PCC. É o PCC que acaba controlando o fluxo, mas não só o fluxo, todas as atividades criminosas de interesse da facção. A operação era fechar os pontos de apoio do PCC na Cracolândia”, disse Tarcísio.
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“A gente não quer proteger nenhuma instituição, na verdade esse é um passo do problema. Faltam duas prisões, e a gente vai atuar para prender esses indivíduos.”, afirmou Lincoln Gakiya.
Lincoln Gakiya
TV Globo
Gakiya disse ainda que não considera que a atuação dos GCMs seja a de “milícia”.
“Nós na operação nem levamos isso em conta. Não foi corrupção de qualquer nível que causou essa desordem na Cracolândia. Mas temos uma exploração de negócios ali”, afirmou.
A Operação
A operação teve como alvo prender três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM) suspeitos de integrarem uma milícia, deter dois traficantes de drogas investigados por venda de armas. Um funcionário de uma empresa de comunicação também é procurado para ser preso.
Até a última atualização desta reportagem, cinco dos sete alvos foram presos (veja abaixo).
A investigação apura se a milícia da qual os agentes e o ex-agente da GCM são suspeitos de fazer parte de um grupo criminoso que tem extorquido dinheiro de comerciantes da região.
Investiga ainda se o casal de traficantes está praticando também venda ilegal de armas e apura a denúncia de que o funcionário da empresa de comunicação vendia aparelhos que reproduziam as conversas de policiais, alertando assim os criminosos (leia mais abaixo).
A Operação Salus et Dignitas, começou por volta das 9h, é realizada em conjunto por Ministério Público (MP), Receita Federal, Polícia Militar (PM), Polícia Civil, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Ministério do Trabalho e Emprego.
5 presos
Cinco dos sete alvos da operação foram presos pela força-tarefa até às 12h desta terça. São eles:
Leonardo Moja, o “Léo do Moinho”: apontado como um dos chefes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho, na região da Cracolândia. Em 2021 ele já havia sido preso pela polícia em Praia Grande, litoral paulista, por suspeita de homicídios, mas foi solto depois.
Janaína da Conceição Cerqueira Xavier: suspeita de traficar drogas.
Antonio Carlos Amorim Oliveira: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão de comerciantes.
Renata Oliva de Freitas Scorsafava: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão de comerciantes.
Valdecy Messias de Souza: funcionário de uma empresa de comunicação suspeito de vender aos criminosos aparelho que dava acesso à frequência de rádio das polícias.
A reportagem tenta entrar em contato com as defesas dos investigados. Além desses presos, outras cinco pessoas foram detidas na operação desta terça: três delas por flagrantes de crimes e dois por averiguação por suspeitas criminais.
A operação pretende cumprir 117 mandados de busca e apreensão na capital paulista em endereços ligados aos investigados. A Justiça também expediu 46 mandados de sequestro e bloqueio de bens e de suspensão de atividade econômica de 44 prédios comerciais.
“Além da perda da licença, os imóveis serão lacrados pelas autoridades municipais para garantir que a atividade ilícita não volte a acontecer no local”, informa nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Como funcionava o esquema
MP e polícia fazem operação na Cracolândia para prender GCMs acusados de participar de milícia
Em um ano de investigação, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP e policiais identificaram que a quadrilha se dividia em cinco grupos de atuação na Cracolândia:
Ferros-velhos: empresários são suspeitos de explorar mão de obra de dependentes químicos. Os usuários furtavam fios de energia da rede pública, deixando semáforos e postes sem luz, e trocavam o cobre presente neles por drogas. Nesses locais foram encontradas crianças e adolescentes participando desse comércio irregular.

Milícia de GCMs: GCMs, policiais militares e policiais civis são suspeitos de se articularem numa milícia para extorquir dinheiro de comerciantes em troca de proteção. De acordo com a investigação, o grupo chegou a conseguir cerca de R$ 6 milhões em propina no período de quase um ano.

Receptação de celulares: comerciantes libaneses são suspeitos de montarem um esquema de receptação de celulares roubados e furtados e depois revender as peças. Os celulares eram levados a eles por grupos criminosos como as ‘gangues da bicicleta’ (que usam as bikes para fugir depois de roubar e furtar telefones de pedestres).

Hotéis e hospedarias: rede de hotéis e hospedarias mantida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que servem para armazenar drogas e abrigam até “tribunais do crime” (julgamentos internos da facção criminosa feitos por seus membros). Dentro desses locais, segundo a investigação, ocorre a exploração sexual de mulheres que são obrigadas a se prostituir para comprar drogas. Há denúncias da presença de menores de 18 anos de idade sendo exploradas. Um dos imóveis é conhecido como ‘prédio do sexo’, onde ocorre a exploração da prostituição. Não é crime pessoas maiores de idade se prostituírem, mas explorar a prostituição é. Outros prédios já eram conhecidos da polícia por abrigarem celulares roubados e furtados. Os imóveis chegaram a ser chamados de ‘ninhos de celulares’.

Favela do Moinho: a comunidade erguida ao lado da linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) se tornou uma base do PCC. Dali saem as ordens para a tráfico de drogas na Cracolândia. A favela também serve como depósito de armas e drogas. Segundo a investigação, criminosos usavam um detector de radiofrequência para ouvir as conversas operacionais da PM e, desse modo, se anteciparem às operações. Para terem controle da comunidade realizavam “tribunais do crime”, nos quais membros da facção e até moradores que descumprissem regras internas poderiam ser punidos.
O que dizem governador e prefeito
Agentes das forças de segurança se reúnem para tratar de operação contra milícia de GCMs e traficantes do PCC
Divulgação
Em postagem nas redes sociais, o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acompanhou a ação de dentro de um dos helicópteros da PM, escreveu que o objetivo da operação é “devolver o centro às pessoas”.
Tarcísio não comentou sobre o envolvimento de servidores públicos que atuam como milicianos, têm relação com crime organizado e são os principais alvos da operação.
O prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não se manifestou na sua rede social até a última atualização desta reportagem.
Em nota, a prefeitura informou que, “seguindo uma determinação do Prefeito Ricardo Nunes, solicitou, em junho de 2023, ao Ministério Público a prisão preventiva do guarda civil metropolitano Elisson de Assis. O pedido constou de notícia-crime protocolada ao GAECO. O processo foi arquivado pelo Ministério Público em janeiro deste ano, mas a Prefeitura continuou apurando as denúncias envolvendo o agente. O processo de expulsão de Elisson de Assis está concluído.
Antônio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava já foram afastados e o processo de expulsão está em andamento. Rubens Alexandre Bezerra foi expulso da corporação em 31/07/2019”.
‘Ecossistema’ de crimes
Ação das forças de segurança para combater milícia de GCMs e presença de traficantes na Cracolândia
Giba Bergamim/TV Globo
Os investigadores apontaram que foi possível “qualificar a região central de São Paulo como um ecossistema de atividades econômicas ilícitas, no qual as organizações criminosas concorreriam para que o Primeiro Comando da Capital (PCC) exerça poder de influência e controle sobre a ocupação e exploração do território.”
O objetivo da operação é desarticular esses esquemas criminosos, que, na visão dos promotores, contribuem para perpetuar o fluxo (grupo de dependentes químicos que usam crack nas ruas).
A decisão do juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro, estabelece um habeas corpus coletivo (salvo conduto) em favor dos dependentes químicos durante a operação. Quem portar até 20 pedras de crack ou estiver em situação de miséria não poderá ser preso em flagrante. O juiz afirma que isso visa proteger a dignidade humana.
Viatura policial sobre passarela da Favela do Moinho, na região central de São Paulo
Anselmo Caparica/TV Globo

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