Sem escolas e hospitais, mais de 12 mil pessoas vivem nas favelas de Sorocaba; veja mapa


IBGE mapeou 22 favelas no município, que se concentram às margens do Córrego Itanguá, entre as zonas norte e oeste, formando um ‘cinturão’ de malocas que abriga 8.484 pessoas. Conforme o IBGE, Sorocaba (SP) tem várias favelas às margens de córrego, caracterizando um ‘cinturão’
Marcel Scinocca/g1
“Estamos abandonados”. A frase, dita pela diarista Aline Corrêa, resume a vida das mais de 12,4 mil pessoas que vivem em favelas espalhadas por Sorocaba (SP). Os dados fazem parte do Censo 2022, e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último dia 8.
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O IBGE mapeou 22 favelas no município (veja mapa abaixo). Em 2010, no entanto, essas comunidades não apareciam no Censo, embora elas já tomassem forma naquela época.
É considerada favela uma área com moradias juridicamente irregulares e que atendam a ao menos um dos critérios abaixo:
Ausência de serviços públicos;
Edificações que não seguem padrões urbanísticos definidos pelo poder público;
Ocupação em área restrita.

‘Cinturão de favelas’
As favelas de Sorocaba estão localizadas, principalmente, nas regiões oeste e norte da cidade, com comunidades construídas também na zona industrial, nos bairros do Éden e Cajuru.
Os dados do IBGE mostram ainda que as malocas se concentram às margens do Córrego Itanguá, entre as zonas norte e oeste, formando um “cinturão” de favelas que abriga 8.484 pessoas. Os bairros que compõem o complexo são:
Jacutinga;
Jardim Kauany;
Lopes de Oliveira/Jardim Marly;
Wanel Ville V;
Itapemirim;
Vitória Ville;
Jardim Aeroporto;
Nova Esperança III;
Jardim Baronesa e
Vila Barão.
O Jardim Nova Esperança III é o bairro que possuía mais moradores quando o levantamento foi realizado, com 1.495 pessoas. O Wanel Ville V, com 301 pessoas, é o bairro menos populoso do “cinturão”.
Mais de 12 mil pessoas vivem nas favelas de Sorocaba (SP)
Marcel Scinocca/g1
Sem escolas e hospitais
Ainda conforme o IBGE, nenhuma das 22 favelas possui creches ou escolas de ensino fundamental e médio, com exceção do bairro Nova Esperança III.
Nenhuma das favelas conta com unidade de saúde. Por outro lado, conforme os dados, as favelas de Sorocaba contavam com 331 estabelecimentos para outras finalidades, incluindo 32 igrejas – pouco menos de 10% do total.
Mais de 12 mil pessoas vivem nas favelas de Sorocaba (SP), segundo o IBGE
Marcel Scinocca/g1
Evolução
Vídeo mostra surgimento de favela no Jardim Santa Rosa, em Sorocaba (SP)
Reprodução/Google Earth
Imagens de satélites mostram a formação exponencial do Jardim São Rosa, tomado por ocupações irregulares. O ponto mais significativo de crescimento ocorreu em 2020, que coincide com o início da pandemia da Covid-19. O local fica entre os bairros Novo Horizonte e Nova Sorocaba.
No local, em 2018, não havia qualquer ocupação. Em abril de 2019, imagens de satélite mostram os primeiros barracos. Eles ocupavam uma área já asfaltada. Em 2020, entre abril e agosto, as ocupações tomaram conta do lugar, que é um loteamento particular cuja posse está sendo discutida na Justiça.
Veja o mapa das favelas em Sorocaba:

‘A gente não quer morrer dormindo’
O Jardim Santa Rosa é um dos mais recentes pontos de crescimento desordenado na cidade. Segundo líderes do bairro, estima-se que aproximadamente 900 pessoas vivem no local. As estimativas apontam ainda que mais de 100 estrangeiros, sendo principalmente haitianos, se estabeleceram no bairro.
A favela do Santa Rosa nasceu de um loteamento que estava sendo implementado e, por isso, há trechos com asfalto. Mas é a única infraestrutura legalizada do local. A água e a luz são distribuídas por cabos e redes improvisadas, os chamados “gatos”.
O IBGE contabilizou 108 casas com sistema de saneamento básico. Os moradores, todavia, reclamam das condições da água recebida. “Às vezes, a gente fica quatro ou cinco dias sem água. E tem vez que tem coró [larva de inseto] na água”, diz a diarista Aline Corrêa.
“A maioria das crianças aqui fica doente, com virose”, comenta.
Eles reclamam ainda de problemas com a eletricidade. Como o sistema é improvisado, frequentemente ocorrem sobrecargas na rede. O resultado são interrupções no fornecimentos e até incêndios.
Aline Corrêa conta também que há casos em que a interrupção já foi registrada duas vezes em 20 dias. Quando isso ocorre, os moradores precisam se organizar e fazer “vaquinha” para reestruturar o fornecimento clandestino.
Aline Corrêa reclama das condições de favela de Sorocaba (SP)
Marcel Scinocca/g1
A diariasta Maria José Bernardes, de 62 anos, conta que foram inúmeras as vezes em que ela passou por problemas devido à falta de energia elétrica. Hipertensa, a idosa já perdeu a visão do olho esquerdo e trata de diabetes.
Ela diz que perdeu as contas de quantas vezes perdeu insulina por falta de refrigeração, causada pela falta de energia. Diz também que, quando isso ocorre, tem dificuldade em conseguir o insumo, já que, conforme ela, a prefeitura alega que já forneceu. No último temporal que atingiu Sorocaba, ela perdeu todas as roupas.
FOTOS: veja imagens dos estragos causados pelo temporal na região
Moradora de Sorocaba (SP), Maria Benedita Bernardes mostra madeira que serve de base e segura casa em favela
Marcel Scinocca/g1
“Toda vez que chove fica o medo. ‘Gotera’ muito aqui. Queria que eles reformassem isso aqui”, diz Maria José, mostrando uma madeira que serve como coluna para a casa improvisada e com grandes frestas, que mais parecem “janelas” que ficam permanentemente abertas.
“Ou que a gente ganhasse um lugar digno, onde não chovesse e a gente não corresse o risco de morrer dormindo. A gente não quer morrer dormindo”, interrompe Aline.
Resíduos são descartados em área de mata em favela da zona norte de Sorocaba (SP)
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Sem coleta de lixo, boa parte dos resíduos gerados é despejada em uma área de mata, que fica ao lado de um córrego. O bairro registra constantemente a ocorrência de infestação e ataque de aranhas e escorpiões. “A gente não tem direito de nenhum latão de lixo”, lamenta um morador.
Lazer no improviso
No bairro, as crianças brincam em um parquinho improvisado, sem manutenção e com risco de acidente. É o que elas têm no único local destinado ao lazer, que eles chamam de “pracinha”.
“Tem criança aqui que não sabe nem o que é um chinelo. Somos um bando de ninguém. Estamos abandonados. A gente não tem nada”, lamenta Aline.
Criança brinca em parquinho improvisado sem manutenção em favela de Sorocaba (SP)
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População invisível
Favela entre os bairros Sorocaba Park e Santa Luíza, na zona norte de Sorocaba (SP)
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Drika Martim, presidente da Central Única das Favelas (Cufa) em Sorocaba afirma que a população desses locais, bem como as melhorias para essas comunidades não estão em pauta pelo poder público.
“Esse é um cenário nacional. A gente está falando de uma população que não é pautada. A gente tem mais dificuldade de pautar as políticas públicas afirmativas para essa população. Estamos falando de uma população que, se fosse computada, seria o quarto maior estado do Brasil. Só ficaria atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais”, diz.
“A gente está falando de uma população que gera mais de R$ 2 bilhões para a economia do país, que é a Dona Maria, que compra a sua TV parcelada, a sua geladeira. E, mesmo assim, a gente está falando de uma população que é invisibilizada.”
“Essa mesma população que não tem acesso à saúde, não tem acesso à educação, porque realmente, de fato, não é pautado e, aí, é difícil você tirar essas pessoas do circo da vulnerabilidade”, lamenta.
Remoção não é emergencial, diz prefeitura
Pequena favela no bairro Ipanema Ville, na zona norte de Sorocaba (SP)
Marcel Scinocca/g1
Questionada, a Prefeitura de Sorocaba disse que atua em favor da conciliação e que as remoções dos locais não é uma situação emergencial. “As áreas levantadas pelo IBGE foram mapeadas no início da gestão em 2021, sendo que muitas delas estavam em processo de reintegração de posse, tratando-se de ocupação de áreas particulares”, diz.
“Obtendo o princípio da equidade social, a prefeitura passou a atuar como agente conciliador nos casos e vem trabalhando com os proprietários para contrapartidas, acordos judiciais e resoluções para não haver desalojamentos em massa. Nessas áreas, poucos são os problemas de enchente ou proximidades com mananciais, não sendo emergencial a remoção.”
Diz ainda que, com a delimitação das Zonas de Especial Interesse Social (Zeis) para urbanização de aglomerados subnormais, “os acordos judiciais avançaram e a prefeitura iniciou procedimentos de estudos de urbanização, saneamento e de metodologia adequada de parcelamento do solo”.
A prefeitura afirma também que, de 2021 a 2024, não houve aumento ou novos casos de ocupações em áreas públicas, em decorrência da ampliação de ações fiscalizatórias.
Ainda segundo o Executivo, a Sehab criou o programa Casa Nova Sorocaba “para aumentar a oferta de unidades para financiamento com grandes descontos, visando famílias que oneram sua renda com altos aluguéis e vivem com instabilidade na moradia”. Em quatro anos, o programa ainda não distribuiu nenhuma casa em Sorocaba.
A prefeitura também alega que a Sehab mapeou as Zeis para incentivar lotes populares e que foi inserida no orçamento 2025 a reforma de casas insalubres nas áreas de regularização fundiária.
Governo do estado
Com relação à falta de serviços estaduais em áreas vulneráveis, o Poupatempo afirmou que, embora “a unidade esteja em uma área central com fácil acesso, o governo do estado promove a inclusão e facilita o acesso por meio de parcerias e iniciativas comunitárias para atender às populações mais vulneráveis”.
Diz ainda que não há estudos em andamento para uma nova unidade do Poupatempo em Sorocaba.
Não houve retorno sobre a possibilidade do programa Bom Prato nas regiões onde há grande incidência de favelas na cidade.
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