Funcionário da Globo, Silvio Santos enganou Roberto Marinho ao comprar TV concorrente em sigilo

Nos anos 60, o domingo já tinha dono na TV brasileira. Silvio Santos ficava no ar de meio-dia até as 20h na TV Paulista, comprada pela Rede Globo em 1966. Na emissora de Roberto Marinho, Silvio atingia picos de audiência com quadros como “Show de calouros”, “Disco de ouro” e “Quem sabe mais: o homem ou a mulher?”.

O domingo era dele, mas a emissora, não.

A primeira oportunidade para comprar uma estação de TV surgiu em 1972, quando o contrato de Silvio com a Globo estava prestes a expirar.

“A Globo queria se livrar da programação chamada ‘popularesca’. O Chacrinha estava saindo, O Homem do Sapato Branco já tinha saído. Faltava Silvio”, conta Arlindo Silva, ex-assessor de comunicação do Grupo SS, no livro “A Fantástica História de Silvio Santos” (Editora do Brasil, 2000).

As negociações para renovar com a Globo emperraram.

“Não queriam renovar meu contrato. Vieram com a história da nova filosofia da emissora. Estava na hora de eu ter um canal próprio. A chance era aquela: comprar as ações do Pipa Amaral”, narra Silvio Santos em depoimento ao livro. Ele se referia à compra de 50% das ações que João Batista Amaral detinha na TV Record, à época em grave crise financeira.

A equipe jurídica de SS demorou para finalizar a papelada e os detalhes sobre como financiar a compra da fatia da Record. Foram todos surpreendidos pelo grupo Gerdau, que rapidamente comprou os 50% à vista. O sonho da TV própria estava adiado.

“Foi quando aconteceu o imprevisível”, resume Silvio Santos na mesma biografia de Arlindo Silva.

“O dr. Roberto Marinho me telefonou, muito gentilmente, dizendo que fazia questão de que eu continuasse na Globo, que ele gostava de mim e de meus programas, e que, se a direção da Globo não concordava com a renovação, ele, Roberto Marinho, concordava. Fiz o novo contrato diretamente com o dr. Roberto Marinho e fiquei na Globo por mais cinco anos.”

O contrato de renovação com a Globo foi assinado às pressas, em 1972.

“Tivemos de nos fechar lá na casa do Silvio, naquele sábado à tarde e parte da noite, para que o contrato fosse assinado. Tudo no maior sigilo. Receávamos que alguma coisa fosse publicada no domingo sobre a negociação frustrada com a Record. Se isso se tornasse público, a Globo certamente voltaria atrás e Silvio não teria o programa no ar”, detalha Arlindo Silva.

Seis meses depois, uma reviravolta: a Gerdau resolveu vender os 50% das ações da Record.

Apesar de o contrato com a Globo impedir compra ou sociedade com qualquer veículo, Silvio Santos comprou em sigilo as ações, por meio de um laranja, o empresário Joaquim Cintra Gordinho.

Manteve a jogada em segredo, mas não queria esperar até 1976 (quando terminava seu contrato com a Globo) para se dedicar ao novo negócio e expandi-lo até obter integralmente uma emissora, sem precisar dividir com nenhum sócio. Logo viu um atalho na falência da TV Excelsior, em São Paulo, e da TV Continental, no Rio de Janeiro.

“Quando surgiu a primeira oportunidade de o governo conceder canais, o 9 de São Paulo e o 9 do Rio de Janeiro, decidi entrar. Entrei pensando: ‘Se ganhar, ganhei; se não ganhar, não ganhei. Não faz mal, pelo menos vou tentar, vou saber como isso se processa. Tenho condições, tenho possibilidades financeiras, tenho know how, vou entrar’”, disse Silvio Santos em depoimento ao livro.

Não deu certo. O então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, era contra.

“Silvio, você quer um canal de televisão, não é? Olhe, infelizmente não posso fazer nada, porque o [ministro das Comunicações Higino] Corsetti não quer dar para você”, teria dito Médici a Silvio Santos durante um rápido encontro numa festa de casamento, segundo relato no livro de Arlindo Silva.

Muda o governo e, com isso, as chances de Silvio conseguir, finalmente, a própria TV. Em 1975, o governo do general Ernesto Geisel abre nova concorrência, desta vez, para o canal 11 do Rio de Janeiro.

Imagem carta Silvio Santos para Geisel
Imagem carta Silvio Santos para Geisel / Reprodução do livro “Dossiê Geisel”, organizado por Celso Castro e Maria Celina D’Araujo (FGV Editora)

“Lembro que, várias vezes em que visitamos o Palácio do Planalto, funcionários se reuniram em volta de Silvio, formando uma pequena multidão, fazendo fotos, pedindo autógrafos. Isso acontecia até nas ante-salas da Presidência. Fomos ao gabinete de Geisel duas vezes. No de Figueiredo, chefe do SNI [Serviço Nacional de Informações], várias vezes. Ao de [Euclides] Quandt de Oliveira [ministro das Comunicações], sempre”, segundo relato de Arlindo Silva.

Silvio Santos procurou pessoalmente as autoridades em Brasília em busca da concessão.

“Demonstrei ao pessoal do governo que sou um empresário como outro qualquer. Acho que eles se surpreenderam comigo como homem de negócios, e aí passaram a acreditar que eu poderia ter um canal de televisão. Começou a se formar um consenso”, relatou Silvio Santos.

Uma rede de TV: nasce o SBT

Em 22 de outubro de 1975, o presidente Geisel assinou o decreto em que outorgava o canal 11 do Rio de Janeiro a Silvio Santos. Nascia a TVS e um novo sonho: capilarizar a rede de emissoras país adentro. Um outro general-presidente o apoiou na empreitada.

Em 1980, o governo de João Baptista Figueiredo juntou a massa falida das TVs Tupi, Excelsior e Continental e dividiu a licitação em duas redes de TV. Uma delas com canais em cinco cidades, que ficou com Adolpho Bloch (fundador da TV Manchete), e outra com quatro, entregues a Silvio Santos.

Em 25 de março de 1981, o Figueiredo concedeu oficialmente a rede de quatro canais ao Grupo Silvio Santos: a TV Tupi (São Paulo), a TV Marajoara (Belém do Pará), a TV Piratini (Porto Alegre) e a TV Continental (Rio de Janeiro).

Sob novo comando, essas emissoras regionais foram rebatizadas e, juntas com a irmã mais velha — o canal 11 do Rio —, davam origem à tão sonhada rede de televisão de Silvio Santos: o Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT.

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