Taxidermistas: quem são os profissionais que faturam ‘eternizando’ animais de estimação mortos


Especialistas em taxidermia, prática muito usada para fins científicos, empreendem ao oferecer serviços particulares para empalhar cães e gatos. Há ainda quem compre somente uma pata, o coração ou um tapete feito da pele do bicho. Babby (à direita) e outros animais de estimação que foram empalhados
Arquivo pessoal
Foi como uma forma de eternizar a cachorrinha com quem conviveu por 13 anos que a professora aposentada Rosinara Gonçalves, de Imbé (RS), recorreu a um taxidermista.
Esses profissionais trabalham com o que é popularmente conhecido como empalhamento de animais. No geral, eles fazem um molde e o cobrem com a pele conservada do bicho.
Rosinara pagou R$ 1.800 para manter por perto, pelo maior tempo possível, a Babby, uma yorkshire de 2,6 kg que morreu em janeiro deste ano.
“A taxidermia foi a maneira que a gente encontrou de simbolizar a alegria e o amor que ela nos proporcionou todos esses anos.”
A alguns quilômetros dali, em Curitiba (PR), a estudante de cinema Mariana Gomes tomou uma decisão parecida: guardar consigo o coração e a patinha da gata Nenê, que morreu aos 14 anos, além de um tapete feito da pele dela.
“Nunca me trouxe um sentimento ruim. Eu temia isso, ficar presa demais no luto, mas, na verdade, as peças só me lembram de como aquele ser que eu julgava extremamente lindo tinha passado pela minha vida”, afirma.
Mariana Gomes guardou o coração e a patinha da gata Nenê, além de um tapete feito da pele dela
Mariana Gomes/Arquivo pessoal
O trabalho com a Nenê foi desenvolvido pelo biólogo Lucas Miguel Musolon, que é Microempreendedor Individual (MEI) e ganha a vida com a venda de animais taxidermizados.
Sozinho em um ateliê dentro de casa, Lucas recebe pedidos para empalhar cães, gatos e hamsters de estimação, mas também vende esculturas e acessórios feitos a partir de outros animais (leia mais abaixo).
“Num mês em que trabalho bastante, já cheguei a faturar R$ 10 mil”, conta.
Já a Babby foi taxidermizada pelo profissional Emerson Boaventura, que tem uma empresa na qual atua preparando peças para museus e universidades de todo o Brasil, além de ministrar cursos de taxidermia.
“O faturamento varia muito. Tem trabalho que, em 20 dias, ganho R$ 50 mil, R$ 60 mil. Tem meses que ganho R$ 10 mil.”
➡️ Nesta reportagem, você vai conhecer mais sobre a profissão de taxidermista, que não exige formação específica e é descrita no Guia Brasileiro de Ocupações.
A prática, hoje, pode ser vista como um mecanismo para tutores lidarem com o luto por seus animais de estimação, mas ainda é usada principalmente para fins científicos e pedagógicos.
Assim, além de empreendedor, profissionais da área podem trabalhar com carteira assinada e até como servidor público. Para taxidermizar animais silvestres, existem restrições.
Quem são os profissionais que faturam ‘eternizando’ animais de estimação mortos
A taxidermia e o luto
Há quem ache estranho ou até macabro. Mas, para a professora Rosinara, ter a cachorrinha, mesmo que sem vida, na sala de casa “ameniza a dor e a saudade”. “A gente sabe que ela está ali, presente, podemos tocar.”
O sentimento é o mesmo para a Mariana, mesmo que ela tenha guardado apenas algumas partes simbólicas da gata Nenê: “O tapete atende a questão sensorial que a gente tem de fazer carinho no bicho. A patinha lembra que ele passou pela nossa vida.”
Babby em vida e a tutora Mayara Bortolotti, filha de Rosinara (à esquerda) e a cachorra taxidermizada (à direita)
Rosinara Gonçalves/Arquivo pessoal
Segundo o taxidermista Emerson Boaventura, que trabalha na área há quase 40 anos, uma dica para ajudar o tutor a lidar de uma forma melhor com o luto é preparar o animal numa posição como se ele estivesse dormindo.
“Se você faz o animal numa posição em que ele expresse uma atitude, e essa atitude não acontece, as pessoas se deprimem. Agora, quando o animal está em descanso, você não tem o ímpeto de ir lá tirá-lo da zona de conforto”, explica.
Preparar os bichos “dormindo” também é mais barato, segundo o especialista, porque não exige uma estrutura de metal dentro da pele para sustentar a posição em movimento, e nem olhos de vidro.
Ele diz que os preços das peças dependem muito do tamanho e da pelagem do animal, mas cobra aproximadamente R$ 1.600 para fazer um cachorro de pequeno porte até R$ 3.800, para um grande.
Babby foi taxidermizada em posição de descanso
Rosinara Gonçalves/Arquivo pessoal
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Uso científico, para decoração e até no cinema
O trabalho de taxidermistas, no entanto, não se restringe a preparar animais domésticos como recordação para os donos. Na verdade, a prática é mais comum para estudo da biologia.
“Eu presto serviços de restauração de peças taxidermizadas há muito tempo e também preparo novos acervos científicos e pedagógicos. Na zoologia, por exemplo, é importante ter peles de todos os animais de várias regiões para comparar a anatomia”, explica Emerson Boaventura.
Lucas Musolon trabalha ainda com objetos decorativos e para o cinema. Em um dos vídeos postados em seu Instagram, ele mostra o pombo que preparou para um filme, com um aparato dentro dele que simula a respiração (veja abaixo).
Taxidermista preparou pombo para filme, com aparato que simula respiração
Lucas Miguel Musolon/Arquivo pessoal
Para alguns serviços, o taxidermista também faz parceria com uma fazenda na região metropolitana de Curitiba. “Eles criam cabra, ovelha, galinha, coelho, e eu descobri que os bichos que morriam naturalmente eles jogavam fora. Aí comecei a comprar deles”, relata.
“Nesses casos, eu posso ‘viajar na maionese’. Faço abajures, esculturas, testo coisas diferentes, e as pessoas compram de decoração. Os acessórios, os góticos compram bastante, além de tatuadores e estudantes de veterinária e biologia.”
Confeccionar esses objetos, segundo Emerson, não faz parte das atribuições de um taxidermista, que trabalha somente com peles. No entanto, o profissional também pode optar por desbravar essa área ao adquirir conhecimentos sobre a conservação de ossos e órgãos.
Lucas faz acessórios e esculturas a partir do corpo de animais mortos
Lucas Miguel Musolon/Arquivo pessoal
CLT, empreendedor ou servidor público
Com a profissão regulamentada no país, além de empreender, uma pessoa pode trabalhar com carteira assinada dentro da atividade de taxidermia, como em museus privados, por exemplo.
O taxidermista Paulo César Balduino, no entanto, seguiu ainda um outro rumo na profissão: ele é servidor público e trabalha no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, em Campinas (SP).
“Preparo material científico para trabalhos de mestrado, doutorado e para pesquisadores do departamento. Tem uma coleção científica no museu e uma didática, que é aberta à comunidade, para escolas, feiras de ciências”, conta.
Paulo César Balduino trabalha no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, em Campinas
Paulo César Balduino/Arquivo pessoal
Não é necessário ter uma formação específica para trabalhar como taxidermista, mas é importante desenvolver algumas competências e verificar se tem afinidade com a matéria a ser preparada, afirma Emerson Boaventura.
Paulo César, da Unicamp, jamais imaginava trabalhar na área até conhecer o antigo taxidermista da faculdade. Na época, ele trabalhava como mensageiro.
“Um dia fui entregar uma correspondência na sala dele, que sempre ficava fechada. Eu bati na porta e o meu mundo se abriu. Comecei a ver a taxidermia com outros olhos a partir do momento em que eu virei a maçaneta da porta”, conta.
Desde então, o mensageiro começou a aprender o trabalho na prática no departamento. Alguns anos depois, ele assumiu o posto de taxidermista do instituto e só mais tarde foi fazer faculdade de biologia.
Lucas Musolon também é biólogo de formação e conheceu a prática no 1º semestre da faculdade. “Eu nem sabia o que era na época. Depois, fui atrás de cursos melhores e tutoriais na internet.”
Lucas Musolon é biólogo de formação e conheceu a taxidermia no 1º semestre da faculdade
Lucas Miguel Musolon/Arquivo pessoal
No caso de Emerson, o interesse pela taxidermia surgiu ainda na infância, ao conhecer o chefe do departamento de aves do Zoológico de São Paulo.
“Conheci a família, os filhos dele, quando era menino, e me aproximei. Ele tinha uma coleção particular de aves e eu comecei a trabalhar com taxidermia preparando aves para essa coleção. Com 16 anos, eu fui trabalhar com ele no zoológico e fiquei lá até os 20 anos.”
Emerson Boaventura trabalha como taxidermista no Rio Grande do Sul
Emerson Boaventura/Arquivo pessoal
Restrições
De acordo com o Ibama, “a prática de taxidermia não deve envolver maus-tratos aos animais” e os profissionais devem seguir as regras do órgão de meio ambiente de cada estado.
Se a taxidermia for feita com animais silvestres, o Ibama afirma que eles “devem ter origem legal, geralmente de criadouros, zoológicos ou empreendimentos similares”.
“Não podemos trabalhar preparando animais para caçadores. No Brasil tem uma regulamentação muito severa, diferente de EUA, Europa e África, onde a caça é regulamentada e tem um direcionamento inclusive de cunho governamental para essa atividade nesses países”, explica o taxidermista Emerson Boaventura.
“Também não podemos encontrar animais da nossa fauna atropelados e comercializar. Eles pertencem à União. Agora, se forem animais domésticos podemos processar e vender normalmente”, completa.
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