Biólogo encontra uma das aves mais raras do Brasil no oeste da Amazônia; veja fotos


Registros do jacu-estalo-de-bico-vermelho revelam detalhes da espécie que é pouco conhecida pela ciência. Flagrante ocorreu em expedição no Acre. Jacu-estalo-de-bico-vermelho é uma das aves mais raras do Brasil
Luis Morais
As chances de encontrar uma das aves mais raras do Brasil são mínimas, mas, para um bom passarinheiro, há sempre esperança. O desafio de ver o jacu-estalo-de-bico-vermelho (Neomorphus pucheranii) foi o que motivou o biólogo Luis Morais a passar as férias na Serra do Divisor, no Acre.
A viagem para o extremo oeste da Amazônia, na divisa com o Peru, era um sonho antigo, já que a floresta preservada e densa abriga uma diversidade própria e praticamente desconhecida.
Guiado pelas coordenadas do amigo Ricardo Plácido, que já avistou e gravou o som da espécie na região, Luis se aventurou pelas trilhas atrás da ave misteriosa que até então quase nunca tinha sido fotografada.
A espécie mede entre 43 e 50 centímetros e aparentemente é mongâmica
Luis Morais
“Mesmo com algumas informações do Ricardo, eu sabia que seria muito difícil, porque os jacus-estalos percorrem um território enorme na floresta já que seguem as formigas de correição e os bandos de queixada, que andam dezenas de quilômetro por dia. Essa ave nunca fica parada no mesmo lugar”, conta Luis.
De toda forma, a dificuldade estava no roteiro e era preciso procurar. Luis atualmente faz doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional/UFRJ (PPGZoo) com o gênero Neomorphus, que compreende as espécies de jacus-estalo, então a vontade de ver a ave também carregava um estímulo a mais de coleta de dados para pesquisa.
No primeiro dia, mais de quinze quilômetros percorridos sem sucesso. No segundo dia, a mesma coisa. No terceiro, mais uma vez, nada da ave aparecer. O mateiro que acompanhava o biólogo até então estava perdendo as esperanças.
“Eu não me surpreendo em ir atrás de um bicho difícil e descobrir que ele é realmente é difícil. Faz parte, né? É uma coisa da psicologia do passarinheiro. Eu não desanimo”.
O encontro
Foi no quarto dia, que tudo mudou. Dessa vez, junto de Miro, um morador da região, a procura começou cedinho. Lá pelas onze horas, quando os dois estavam prestes a fazer uma pausa, afinal, nesse horário não há muita movimentação das aves, uma nova trilha pareceu promissora.
O plano era realizar o reconhecimento do local para voltar novamente em um momento mais oportuno, mas a caminhada foi se estendendo por alguns quilômetros enquanto Luis replicava o som da ave na caixinha de som.
“A cada ponto que eu chamava o bicho eu sentia um sentimento diferente, talvez por experiência em conhecer os habitats que a espécie costuma preferir eu estava me sentindo muito otimista. Foi quando sentamos em um tronco e começamos a conversar e, de repente, eu ouvi um estalo”, relembra.
Só que em uma floresta se escuta vários estalos. Luis pensou que poderia ser um galho quebrando, macacos batendo em algo, mas o som começou a se repetir e eles reconheceram: era um jacu-estalo.
O nome popular jacu-estalo faz referência ao som produzido pelas aves do gênero
Luis Morais
O som estava ali, mas será que a ave ia aparecer? As espécies do gênero são conhecidas como aves fantasmas e, apesar de serem ouvidas, dificilmente são vistas.
A primeira atitude foi se esconder, mas em seguida, em um ato arriscado, o biólogo se posicionou na trilha, em silêncio, com a esperança de que, se o animal passasse por ali, iria tolerar a presença estranha baseado nos encontros prévios que teve com jacus-estalos de outras espécies. Deu certo.
“Depois de cerca de três minutos que ouvi o estalo, um jacu apareceu no meio da trilha e, quando peguei câmera, apareceu outro. Mesmo um deles desfocado, consegui uma foto que aparece os dois juntos, que acredito que seja um dos únicos registros da espécie”.
Era um casal. De acordo com o pesquisador, aparentemente essa ave é monogâmica e vive sempre em dupla. Os dois ficaram um pouco ali desfilando para a lente em sinais de alerta e depois voltaram para a mata. Luis conseguiu seguir o rastro e não só garantiu outras fotos como também pode observar comportamentos até então nunca descritos.
Diversidade de cores
O que mais impressionou Luis no encontro foram as cores da ave, já que praticamente todas as poucas informações sobre a espécie que se encontra na literatura são baseadas em aves de museus, que perderam as cores originais.
Até então, havia somente registros de câmera fotográfica do jacu-estalo-de-bico-vermelho
Luis Morais
“Talvez ninguém tivesse uma noção muito boa de quão bonito são as cores desses bichos. Fiquei impressionado. O bico, por exemplo, é muitíssimo vermelho, parece que foi pintado. Fiquei muito feliz, muito feliz por ter visto, por ter encontrado, por ter conseguido foto e principalmente por ter observado ali uma performance de comportamento de um casal, que são informações muito importantes”, conta o biólogo sobre a realização de um grande sonho.
No wikiaves, plataforma que conta com mais de 50 mil usuários e reúne informações sobre as aves brasileiras, as fotos feitas pelo Luís são inéditas, já que os outros dois registros do jacu-estalo-de-bico-vermelho eram de câmera de monitoramento.
“Eu lembro que quando eu voltei de dentro da mata, que eu encontrei o Miro na trilha, eu falei: Miro, me dá um abraço, me dá um abraço que eu não estou acreditando que a gente conseguiu isso não”.
Com essa conquista, Luís e o amigo Miro se tornaram umas das únicas pessoas a terem visto, com clareza, a ave de perto. Das cinco espécies de jacus-estalos existentes, quatro ocorrem no Brasil e Luis já viu três. Agora, o próximo desafio do biólogo é atrás do jacu-estalo-de-asa-vermelha, que ocorre no Norte do Rio Amazonas.
Quatro espécies de jacus-estalo ocorrem no Brasil
Foto 1, 2 e 3: Luis Morais/Foto 4: Gabriel Leite
Outras raridades
Além do jacu-estalo-de-bico-vermelho, na viagem pela Serra do Divisor, o biólogo também buscava encontrar outras duas aves raras, a choca-do-acre (Thamnophilus divisorius) e a tovaca-estriada (Chamaeza nobilis). As duas foram vistas pelos olhos e também pelas lentes do pesquisador.
Tovaca-estriada também foi fotografada durante expedição pelo Acre
Luis Morais
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