Uso de spray de pimenta na boca de presos: inspeção feita na Papuda revela abuso de policiais


Representantes do Ministério dos Direitos Humanos estiveram na penitenciária em março. Relatório, divulgado agora, aponta superlotação, déficit de agentes e maus-tratos aos detentos. Complexo Penitenciário da Papuda
Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
Um relatório do Ministério dos Direitos Humanos mostra que durante uma inspeção realizada em março passado na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, foram constatadas situações de superlotação, falta de funcionários e maus-tratos contra apenados. O documento, divulgado agora, revela o uso da força dentro do presídio, por parte dos policiais.
“O Departamento Penitenciário de Operações Especiais realiza treinamentos na unidade com as pessoas presas, nos mais eles acessam os pavilhões lançando gás lacrimogêneo, retirando-as das celas e aplicando técnicas como mata-leão. As pessoas presas são seguradas em cada membro por policiais, enquanto outro abre sua boca para colocar spray de pimenta dentro”, diz o relatório.
🔎O documento também revela que apesar de ter uma capacidade para 1.584 pessoas em cumprimento de regime fechado, o complexo da Papuda abriga 3.748 presos – e que apenas 166 policiais penais trabalham no local (saiba mais abaixo).
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária informou que foi notificada sobre a inspeção e que “implementa constantemente ações para melhorar as condições do sistema penal e garantir a segurança, a dignidade e o atendimento às necessidades básicas dos custodiados”.
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‘Visita surpresa’
Alojamento do Complexo Penitenciário da Papuda, no DF, em imagem de arquivo
TV Globo/Reprodução
A visita ao presídio foi feita sem aviso prévio. A inspeção foi realizada por integrantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério de Direitos Humanos, membros das Defensorias Públicas do DF e da União, do Conselho Federal de Psicologia e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. O relatório final tem 86 páginas.
“Nós estávamos em uma equipe de 11 pessoas, onde éramos oito pessoas peritas do órgão e três pessoas especialistas convidadas. Nós passamos o dia inteiro na unidade. Chagamos às 8h e saímos de lá por volta das 18h. Então, é uma análise muito extensa que a gente faz”, diz a perita do MNPCT Carolina Barreto.
Para a Comissão de Combate à Tortura, a análise do relatório é importante para pensar em políticas públicas voltadas à reinserção da população carcerária na sociedade. “As pessoas se esquecem que quem está preso, uma hora sai. Não existe prisão perpétua no Brasil. Não existe pena de morte. As pessoas voltam. Elas saem da unidade”.
“E aí? A gente quer pessoas que puderam trabalhar, estudar e se qualificar? Ou nós queremos pessoas que vão sair de lá sofridas, adoecidas, revoltadas? Isso na verdade está só estimulando as organizações criminosas, no nosso ponto de vista, se você mantém condições tão degradantes de custódia”, diz Carolina Barreto .
O relatório aponta que a capacidade da unidade é de 1.584 pessoas em cumprimento de regime fechado. No entanto, na data da visita, a direção da unidade informou que havia 3.748 presos, uma taxa de ocupação de 236,61% – a média nacional é de 131,87%.
Na contramão da superlotação, a unidade enfrenta um déficit de funcionários. Atualmente, há 166 policiais penais lotados na unidade.
🔎A proporção é de um policial para casa 146 presos. De acordo com uma resolução de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, esse número deveria ser de um agente penitenciário para cada cinco pessoas presas, por turno.
“Os policiais também estão trabalhando em uma situação de insalubridade. Não é só a população presa que está sendo submetida a essa situação, são também os trabalhadores. E isso vai também impactar, evidentemente, na saúde física e mental deles”, diz Carolina Barreto.
A estrutura da unidade prisional também apresenta uma série de problemas, segundo o relatório. “As celas oferecem pouca ventilação e luminosidade natural, o que deixa o ambiente bastante abafado, com presença de mofo nas paredes e roupas de cama”.
Em outro momento, o documento diz: “Um ambiente extremamente deteriorado e insalubre na PDF I, com mofo, umidade, superfícies degradadas, vazamento de esgoto nos corredores e fiações elétricas soltas.”
🔎Há celas de seis metros quadrados com dez pessoas dentro, sem camas e sem espaço até no chão, onde os presos tinham que improvisar redes pra dormir.
“Até mesmo no Bloco F, que é de segurança máxima, as celas tinham até dez pessoas,sendo que o espaço comporta apenas duas”, diz o relatório.
O MNPCT também tem relatos de presos que disseram que “policiais penais, à noite, cortavam as redes improvisadas com a intenção de fazer com que as pessoas presas que estivessem dormindo caíssem. Muitos relataram graves ferimentos decorrentes dessa ação”, diz o documento.
“Foi bastante assustador o quantitativo de relatos de agressões físicas e psicológicas. Foi unanime. Todas as pessoas relataram. Pessoas que foram desmaiadas várias vezes por mata-leão. Pessoas que foram espancadas, chegaram a ir pro IML, e quando chegaram do IML, foram navamente espancadas e depois mantidas em isolamento”, diz a perita.
Os profissionais registraram ainda problemas nos banheiros. “A saída das torneiras e chuveiros são improvisadas de maneira artesanal pelas pessoas presas. Os sanitários, chamados de boi, são latrinas no chão na maior parte das alas. Alguns bois estavam com o assento quebrado. O cano do chuveiro fica diretamente acima do boi, o que significa que as pessoas tomam banho em pé em cima do sanitário coletivo. Não há descarga no boi, as pessoas têm que usar o balde ou outro utensílio para esse fim”, diz relatório.
Banheiro usado por presos no Complexo Penitenciário da Papuda, no DF
TV Globo/Reprodução
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