Silvio Santos mudava grade da TV e apostava em Chaves e novelas mexicanas

Como dono do SBT, Silvio Santos ficou conhecido por investir em uma programação voltada prioritariamente à linha de entretenimento. E por mexer na grade de sua emissora da noite para o dia, se assim achasse necessário.

Houve exceções, a exemplo do Show de Calouros, com jurados como Aracy de Almeida, Elke Maravilha e Pedro de Lara, que permaneceu fixo no Programa Silvio Santos entre 1981 e 1996 – antes, o quadro já havia sido apresentado por Silvio em suas passagens pelas TVs Globo, Tupi e Record.

Outros programas da casa, no entanto, não tiveram o mesmo destino. Com o SBT como eterno vice-líder de audiência, Silvio costumava mudar o horário ou mesmo acabar com uma atração em função dos resultados. Um de seus grandes trunfos durante 36 anos foi o seriado mexicano “Chaves“.

O seriado mexicano “Chaves” foi trunfo que Silvio Santos usava para mudar programação do SBT / Televisa

“‘Chaves’ passou por vários horários ao longo da história da grade de transmissão do SBT. Chegou a bater de frente, inclusive, com o Jornal Nacional, da Rede Globo, no final da década de 1980. Um fato curioso é que, em 2012, o seriado bateu os Jogos Olímpicos de Londres em um final de tarde de julho”, afirma Marcia Batista, autora do livro “Silvio Santos – A Biografia”.

A jornalista e crítica de TV Edianez Parente lembra de outro momento em que “Chaves” foi sacado da manga. Nos anos 1990, Silvio Santos tirou do ar o jornalismo do horário do almoço, que competia com o Jornal Hoje, da Globo, e colocou o seriado no lugar.

“Era um megassucesso de audiência. No entanto, não se refletia em retorno publicitário, porque não tinha qualificação, mas Silvio bancava. Hoje, olhando em retrospecto, por que ele bancava isso? Silvio estava investindo no hábito do público. Vemos hoje a memória afetiva que o público tem em relação ao SBT por causa dessa programação”, comenta Edianez, membro do Conselho Fiscal da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) e integrante do júri de TV da entidade.

Cartadas mexicanas

Em um documentário dedicado ao apresentador, o diretor de programas do SBT, Roberto Manzoni, conta que, em 1984, Silvio apresentou na reunião de diretoria o seriado mexicano, criado por Roberto Bolaños e protagonizado por atores adultos interpretando crianças.

A novidade foi rejeitada, mas, mesmo assim, ele bancou a aposta. Foi um grande sucesso, exibido pela emissora até 2020 – ano em que “Chaves” e “Chapolin” migraram para o canal por assinatura Multishow.

Grande conhecedor do mercado, Silvio Santos costumava agir de forma intuitiva. Assim foi também quando, há mais de 30 anos, decidiu exibir novelas mexicanas, após firmar parceria com a Televisa, maior grupo de TV do México, responsável pela produção de “Chaves” e “Chapolin”.

“O SBT foi a primeira emissora a fazer esse acordo com a Televisa. Vem de longe o interesse dele na produção mexicana. Tanto que foi ele o primeiro a perceber a demanda que tinha por esse tipo de dramaturgia no mercado”, diz Edianez.

Títulos como “A Usurpadora”, “Maria do Bairro” e “Marimar” cativaram o público com dramalhões povoados por mocinhos e vilões. Com a versão mexicana de “Carrossel”, exibida no Brasil entre 1991 e 1992, a emissora chegou a recuperar a vice-liderança no horário nobre. Foi outra aposta bancada por Silvio.

Recentemente, o Globoplay passou a disponibilizar em seu catálogo uma série de novelas mexicanas. “Isso só mostra o quão visionário e à frente do seu tempo Silvio Santos sempre foi. Evidentemente que esse histórico teve grande peso para o início dos investimentos da própria emissora em teledramaturgia”, observa a biógrafa Marcia Batista.

Mulher virou autora de novelas

Silvio Santos começou a investir nas próprias novelas na década de 1990, com a construção de cidades cenográficas e a produção de folhetins como “Éramos Seis” e “As Pupilas do Senhor Reitor”.

Entre o final dos anos 2000 e o início dos anos 2010, as novelas entraram numa nova fase com Íris Abravanel, mulher de Silvio Santos, assumindo como autora principal. Ela foi responsável por sucessos voltados para o público infanto-juvenil, como os remakes de “Carrossel” e “Chiquititas”, que foram ao ar no horário nobre.

Atores Felipe Cavalcanti, Giovanna Grigio e Raissa Chaddad em pôster da versão de 2013 da novela "Chiquititas"
Remake de “Chiquititas” marcou início de nova fase das novelas no SBT / Chiquititas/IMDB/Reprodução

“A grande responsável pelo boom das novelas produzidas pelo canal foi Íris Abravanel, que começou a escrever devido à dificuldade de Silvio em contratar autores e provou, emplacando um sucesso atrás do outro, que é uma escritora talentosa e antenada”, comenta Marcia Batista.

Garimpagem nas feiras

Silvio Santos sempre foi muito perspicaz não só no comando do auditório de seu programa, mas também em relação à programação de sua emissora, ressalta Edianez.

A jornalista conta que, por muitos anos, foi a feiras internacionais de programação e viu Silvio frequentando esses eventos, sobretudo a feira da National Association of Television Program Executives (Natpe), nos EUA. “Eu o encontrei no início dos anos 2000. Ele ia pessoalmente, andava pela feira, visitava os expositores, ia conhecer as novidades do mercado”, lembra.

“Silvio tinha os executivos dele, mas fazia questão de saber o que estava sendo oferecido. Nessa época, ele fechou um acordo que ninguém esperava com a Warner e levou para o SBT todo o catálogo internacional do estúdio, num contrato de cinco anos, que dava para a emissora exclusividade na televisão aberta no Brasil. Tinha ‘Família Soprano’, ‘A Sete Palmos’, ‘Supernatural’, entre outras séries”, comenta a jornalista.

Mudanças no jornalismo

Nessa dança das cadeiras da grade promovida por Silvio Santos, o jornalismo foi uma área que sofreu muitas mudanças ao longo dos anos. Mais recentemente, foi a vez do telejornal Primeiro Impacto, que passou por vários horários antes de ocupar a faixa das 6h.

“Não acho que Silvio tenha desprezado o jornalismo. Essa alternância de programa faz parte também do jogo por causa da audiência”, diz Edianez Parente. “Tem que ter o jornalismo, mas não é prioridade do SBT, é muito claro isso. É uma emissora muito mais voltada para o entretenimento. Mas sejamos justos: Silvio sempre deu espaço para nomes importantes do jornalismo”, pontua Edianez.

Profissionais como Boris Casoy, Carlos Nascimento, Hermano Henning, Lilian Witte Fibe e Ana Paula Padrão foram âncoras dos principais telejornais do canal, enquanto Roberto Cabrini comandou o Conexão Repórter durante dez anos.

Silvio sempre comandou a grade, acompanhou tudo de perto. Mesmo tendo executivos de programação, a palavra final era dele. “Mas isso, no passado, foi motivo de histórias para a emissora”, diz Edianez.

Como quando ele próprio anunciava que a série “Pássaros Feridos” iria ao ar no SBT só depois da novela “Roque Santeiro”, da Globo, em 1985. “Ao longo das décadas, ele foi modificando a programação sempre de uma forma intuitiva, com resultados positivos para a emissora. As mudanças não foram somente com viés negativo.”

Segundo Marcia Batista, uma das características mais notáveis de Silvio Santos era a inovação. “Ele tinha esse perfil desde a época de camelô, quando se reinventava de acordo com seu tino para novos negócios ou as circunstâncias que lhe eram impostas”, observa.

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