Rodrigo Fagundes sobre papéis LGBTQ+: “Fomos nichados só para fazer graça”

O ator Rodrigo Fagundes, 52, vive uma realidade sem tabus em relação à sexualidade dentro e fora das telas, mas nem sempre foi assim. No ar em “Volta por Cima”, novela das 7 da TV Globo, ele interpreta Gigi, caçula da família Góis de Macedo, que não quer saber de trabalhar e diverte os telespectadores com suas aventuras amorosas.

No entanto, não foi o primeiro personagem gay que fez sucesso nas mãos do ator. Eternizado no papel de Patrick em “Zorra Total”, que tinha o bordão “olha a faca”, Rodrigo refletiu sobre a representatividade LGBTQIA+ na televisão e ressaltou a evolução da abordagem do tema nos últimos anos.

Em entrevista à CNN, o ator destacou o humor como uma das portas de entrada para a abordagem da sexualidade na televisão. “Acho que os questionamentos sobre a representatividade e a aceitação de personagens gays na TV sempre existiu. Sua maioria vinha na forma do humor, o que talvez pudesse descredibilizar no que responde a sentimentos, relações amorosas etc. Fomos nichados e aceitos só para fazer graça. Hoje, vemos um avanço”, começou.

Ao mesmo tempo, apagar os gays que são afeminados é uma forma de anular sua existência. No ‘Zorra’, procurei fazer o Patrick de forma leve e divertida. Ele sabia se defender e não deixava de ser daquele jeito por causa do bullying que sofria. Hoje, recebo muitas mensagens de meninos gays que na época eram zoados na escola, mas sabiam se defender porque o meu personagem os ajudou”.

“Mas também existem aqueles que dizem que não gostavam e que atrapalhei a vida deles. É muito louco isso, pois hoje vejo como Patrick era minha essência que em algum momento lutei contra, rejeitei, mas que acabou me salvando”, refletiu Rodrigo.


Patrick, de 'Zorra Total', interpretado por Rodrigo Fagundes
Patrick, de ‘Zorra Total’, interpretado por Rodrigo Fagundes • Reprodução/TV Globo

Apesar do sucesso de público, o programa humorístico que rodou 15 temporadas entre 1999 e 2015 passou a ser criticado por algumas abordagens consideradas preconceituosas. “Programas como ‘Zorra Total’ não podem mais existir hoje, pois evoluímos, mas eu não deixo de sempre de frisar que era outra época e que era considerado o tipo de humor que fazia sucesso. Tenho muito orgulho desse personagem que veio do teatro e compreendo os questionamentos e críticas sobre o programa”, avaliou o humorista.

“Ser gay era um detalhe quando criei o Patrick. Ele era sagaz, de língua afiada, inteligente, engraçado e virgem. Gay, sim, porém sem saber ainda (risos). Me inspirei no garoto criado por avó que tinha uma meiguice na voz e trejeitos que eu tinha quando pequeno. Mas o fazia de maneira verdadeira, ainda que com as cores fortes que o programa pedia. Vendo hoje, tenho orgulho de sempre defendê-lo quando vinha algum texto mais ofensivo. Fazia o que dava, mas também contribuí para situações nos quadros em que, hoje, revendo, repensaria muita coisa”.

Quase duas décadas depois, o carioca interpreta novamente um papel LGBTQ+ nas telinhas. “São personagens bem diferentes. Esse tom de desenho animado exagerado do Patrick vinha desse tom de comédia que a peça e o ‘Zorra’ pediam. Gigi não tem nada de caricato. Ele é de verdade, livre e ácido. Tem seus momentos de afetação, que eu amo fazer, mas é de uma comunicação com o público que me deixou muito feliz”, comparou. “Desde a primeira semana da novela recebo nas ruas e redes sociais um carinho impressionante”, disse.

Gigi foi criado a partir de uma série de divas pop, segundo o ator. “Foi uma mistura que fiz e que me ajuda demais. Botei Scarlett O’Hara, Clodovil, Odete Roitman, a gargalhada da Torloni, Bette Davis, Norma Desmond, Lady Violet de ‘Downton Abbey’ em um grande liquidificador e fui! O texto é delicioso de falar e tento lapidar Gigi para mostrar sua classe e seus momentos de bagaceiras também. Eu estou amando. Personagem riquíssimo. Claudia Souto caprichou e busco sempre fazê-lo com verdade e amor”.

A importância da representação

Rodrigo também falou sobre o que pode melhorar na abordagem na mídia de pessoas que não vivem a heteronormatividade: “Falar de forma humana sobre nossas vidas. Ainda sinto falta no audiovisual de mais representatividade nas séries e novelas”.

“Mostrar relacionamentos amorosos, familiares, com conflitos e questionamentos. As injustiças, sobretudo a violência física e verbal com a comunidade. Os mais novos que vêm de famílias mais pobres, que são jogados na rua sem o menor acolhimento… isso pode ser mostrado nas histórias. Aliviar um pouco no humor e na sexualização e abranger mais esse leque de conflitos”, continuou.

Inspiração para muitos, ele lamentou a falta de referências quando era mais novo. “Acabou que depois dos 18 anos comecei a me entender mais e ir fazendo amigos que também se identificavam com o que eu passava. Fiz terapia, por isso e por outras coisas, e me ajudou muito. E, por fim, a arte [me inspirou]. O teatro me fez entender muita coisa. Me salvou eu diria”.

“Fico feliz de poder inspirar quem me acompanha, de verdade. A referência que tenho vem do humor e do drama. No humor amava os personagens da Vera Verão, do Chico Anysio, o Haroldo. Eu ria junto. Não ria dele. E no drama, a novela ‘A Próxima Vítima’ de Silvio de Abreu, com os personagens do André Gonçalves e Lui Mendes. Jovens gays, apaixonados e que levavam a sério seus conflitos. Eu me identificava e também tinha medo da família descobrir. Foram importantes para mim esses momentos”, citou.


Ator Rodrigo Fagundes
Rodrigo Fagundes • Sergio Baia

Casamento sem “misturar as estações”

Ele ainda falou sobre a relação com o marido, o roteirista e diretor Wendell Bendelack, com quem está há 21 anos. Mesmo dividindo alguns sets de filmagem como o de “Volta por Cima”, os dois fazem questão de deixar a vida profissional no portão de casa.

“Fizemos juntos a primeira novela da Claudia [Souto], ‘Pega Pega’, em 2017, e ali teve um fato interessante que até hoje nos norteia. Pedi a Wendell para passar o texto comigo. Claudia disse: ‘Não faça isso, pois nós da escrita estamos pelo menos 30 capítulos a frente do elenco. Se Wendell ficar repassando o que já foi escrito, pode querer mexer em alguma coisa e não tem mais esse tempo’”, lembrou.

“Fez todo sentido. Entendemos na hora e nunca mais isso aconteceu. Prova disso é estarmos na terceira novela dela juntos. Não misturo as estações. Fico na minha e a cada bloco que chega me surpreendo com os rumos de todos os personagens”, acrescentou o artista.

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Com uma carreira consolidada na atuação, ele pensa em expandir os horizontes. “Adoraria fazer algo em inglês. Amo o idioma e fazer um personagem interessante em uma outra língua seria um desafio”, considerou. “Queria muito fazer cinema, ser notado por diretores e roteiristas de cinema. Espero que isso aconteça”, completou Rodrigo.

“Volta Por Cima”: saiba quem são os personagens da novela das 7

Este conteúdo foi originalmente publicado em Rodrigo Fagundes sobre papéis LGBTQ+: “Fomos nichados só para fazer graça” no site CNN Brasil.

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