Acidente doméstico, acordo Mercosul-UE, polêmicas: o que marcou o ano no Executivo

O último mês do segundo ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcado por sua internação, em consequência da queda que sofreu em outubro. Ao longo do ano, diversos outros momentos também foram destaque.

Desde a conclusão histórica do acordo entre Mercosul e União Europeia, que selou anos de negociações diplomáticas; os eventos climáticos extremos que atingiram milhares de brasileiros, evidenciando a urgência de políticas ambientais mais robustas; até a demissão do ministro dos Direitos Humanos, em meio a denúncias de assédio sexual, que gerou repercussão política e social.

No campo econômico, embates com o mercado financeiro sobre a responsabilidade fiscal dominaram os debates, especialmente diante da alta do dólar e das incertezas econômicas globais.

Para além do Executivo federal, os municípios também estiveram em evidência em 2024, com a eleição de novos prefeitos e vereadores.

A CNN preparou uma retrospectiva com os acontecimentos mais relevantes do ano no Poder Executivo. Confira a seguir:

Organização dos ministérios

Em março, o presidente Lula convocou a primeira reunião ministerial do ano. O assunto principal foi a queda de popularidade do governo, o preço dos alimentos e a epidemia de dengue, que teve o pior índice de mortes da história.

No final do ano, em meio a rumores sobre uma eventual reforma nos ministérios, a expectativa pelo último encontro para realizar um balanço sobre as ações de cada ministério acabou frustrada pelo quadro de saúde do presidente.

Às vésperas do Natal, no dia 20, o presidente chamou os ministros para um almoço em Brasília.

Desde o início de seu atual mandato, Lula efetuou seis trocas de ministros. O último a sair foi Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, demitido após acusações de assédio.

Eventos climáticos

Ao longo do ano, alguns eventos climáticos extremos pautaram a agenda das autoridades. Em abril, o Rio Grande do Sul foi atingido por enormes enchentes, que configuraram a pior tragédia climática da história do estado.

Mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas e quase 95% de todas as cidades gaúchas foram atingidas.

Lula escolheu o ministro da Secom, Paulo Pimenta, para atuar como autoridade federal no RS, sob o cargo de ministro extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

Já em setembro, estudos alertaram que a estiagem de 2024 poderia ser a mais severa já registrada, o que colocou mais de 60% do país sob risco de grandes queimadas.

De acordo com levantamento do Monitor do Fogo do MapBiomas, a área queimada no Brasil neste ano representou um aumento de 150% em relação a 2023. Os incêndios florestais também motivaram ações de emergência do governo federal e reacendeu as discussões sobre a criação de uma Autoridade Climática, promessa de campanha do presidente Lula.

Polêmicas na diplomacia

Após um primeiro ano de mandato marcado por agendas no exterior, 2024 rendeu algumas polêmicas envolvendo o chefe do Executivo brasileiro e líderes de outros países.

Um dos pontos que o cientista político, Eduardo Grin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca é que Lula poderia ter sido mais assertivo no combate aos conflitos internacionais.

O professor pondera, porém, que as falas que repercutiram no noticiário durante o ano não afetaram o governo de forma significativa.

“Esperariam que talvez o Lula fosse mais assertivo com relação à Rússia e desse mais apoio por Zelenski na Ucrânia, por exemplo. Isso certamente causa algum ruído, mas esse tipo de questão, tem mais efeito internamente”, afirmou.

“Para 2026, por exemplo, isso não terá efeito eleitoral, porque o que importa agora, o que as pessoas vão prestar atenção é em ver se possuem um presidente democrático no país”, disse o professor.

Brasil x Israel

Em fevereiro, o governo israelense declarou Lula como “persona non grata” após declarações do presidente brasileiro sobre a guerra em Gaza.

Em fevereiro, durante uma visita à África, o mandatário afirmou que o exército israelense “comete genocídio” contra palestinos e comparou a situação aos assassinatos de judeus durante a Alemanha nazista de Adolf Hitler.

A declaração foi repudiada pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que disse que Lula “ultrapassou uma linha vermelha” e que não seria bem-vindo em Israel até que pedisse desculpas.

O episódio provocou uma crise no Planalto, que se preocupou com a repercussão das declarações. O governo foi chamado para se explicar, no entanto, até hoje não houve pedido de desculpas.

Brasil x Argentina

Lula e o presidente argentino Javier Milei protagonizaram embates ideológicos desde a campanha eleitoral argentina, no final do ano passado.

Em junho, mais de sete meses depois da posse do argentino, o presidente brasileiro disse que ainda não tinha conversado com Milei. Para o petista, o argentino deveria pedir desculpas a ele e ao Brasil por declarações feitas durante a campanha, quando chamou Lula de ladrão e corrupto.

Em 2023, a Argentina foi um dos países mais visitados por Lula. Neste ano, o presidente não foi ao país vizinho nenhuma vez.

O primeiro encontro pessoal entre Lula e Milei foi em novembro, quando o argentino veio ao Rio de Janeiro para a Cúpula do G20. O cumprimento frio entre os dois, quando comparado ao de outros líderes, virou piada nas redes sociais.

Brasil x Venezuela

As eleições na Venezuela, que ocorreram em julho, motivaram uma tensão inédita entre Lula e Nicolás Maduro, presidente venezuelano.

No dia seguinte às eleições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela apontou a reeleição de Maduro, com 51,2% dos votos. A oposição contestou o resultado com base em atas de algumas centrais eleitorais.

O governo brasileiro demorou a se posicionar. Somente em meados de agosto, Lula afirmou que não reconhecia a vitória de Maduro nem a da oposição. Segundo o presidente, não havia como aceitar qualquer resultado sem provas. As declarações de Lula motivaram ataques de Maduro ao petista e ao Brasil.

Acordo Mercosul-UE

Em dezembro, após mais de 25 anos de negociações, os líderes do Mercosul e da União Europeia anunciaram o acordo de livre comércio entre os blocos.

A aliança faz com que mais de 90% dos bens comerciados entre os países dos blocos fiquem livres de taxação. O texto é considerado uma vitória do governo brasileiro, já que as negociações permitiram que o Brasil incluísse suas principais reivindicações, como modificações na área ambiental, comércio automotivo e compras governamentais.

Uma das principais vitórias do Brasil no tema diz respeito à retirada do Sistema Único de Saúde (SUS) do acordo. Com isso, o Ministério da Saúde não precisará abrir licitações aos concorrentes europeus, em condições de igualdade com fornecedores nacionais, e continuar privilegiando empresas brasileiras, conforme critérios estabelecidos para cada edital.

Novo presidente do Banco Central

Em agosto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou oficialmente a indicação de Gabriel Galípolo como novo presidente do Banco Central (BC). O economista atualmente ocupa o cargo de diretor de Política Monetária na autarquia.

Ele substitui Roberto Campos Neto, indicado ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), cujo mandato se encerra em 31 de dezembro deste ano.

Os últimos dois anos foram marcados por rugas na relação entre Campos Neto e Lula. O presidente teceu críticas recorrentes ao chefe do BC, principalmente no que diz respeito às altas taxas de juros e a insatisfação do petista com a autonomia do Banco, aprovada em 2021.

Para a economista Carla Beni, professora da FGV, Galípolo terá oportunidades de fazer alterações no banco, embora tenha limitações ligadas à estrutura da instituição.

“As grandes decisões do Banco Central são feitas em colegiado. Então são nove membros e o Galípolo tem um voto como presidente”, explicou.

“Ele também segue um padrão histórico do Banco Central que é: o presidente vem do mercado financeiro, fica no Banco Central e volta para o mercado financeiro. Então você acaba tendo uma instituição que atende aos desejos e anseios do mercado financeiro mais do que do setor produtivo do país.”

Caso Silvio Almeida

Em setembro, a organização Me Too Brasil confirmou que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, seria uma das vítimas.

No dia seguinte, Lula optou por demitir o ministro, e a Polícia Federal abriu inquérito para apurar as denúncias. À época, Almeida afirmou que o caso era uma tentativa de prejudicá-lo e apagar sua luta pelos direitos humanos. Ele foi o sexto ministro a deixar o governo em menos de dois anos.

Horário de verão

Ainda no mês de setembro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), anunciou que o governo avaliava implementar a volta do horário de verão. O objetivo seria otimizar a geração de energia, diminuindo a dependência de usinas hidrelétricas em horário de pico.

A necessidade também levava em conta a forte estiagem enfrentada pelo país neste ano, que ocasionou falta de água em algumas usinas.

Após uma série de discussões, o ministério anunciou ter descartado a ideia para 2024, mas que poderia ser retomado em 2025. Técnicos da pasta concluíram que, com a volta do período chuvoso, os reservatórios estariam abastecidos o suficiente para fechar o ano sem prejuízos.

Repatriados do Líbano

Em outubro, diante da intensificação da guerra entre Israel e Hezbollah, o governo federal iniciou a Operação Raízes do Cedro para repatriar brasileiros da zona de conflito no Oriente Médio.

Foram mais de 2.600 brasileiros e familiares resgatados do Líbano em 13 voos da Força Aérea Brasileira (FAB). Os aviões da FAB, além de repatriar brasileiros, foram usados para enviar medicamentos e alimentos ao Líbano.

Acidente doméstico

No dia 19 de outubro, o presidente Lula caiu no banheiro do Palácio da Alvorada e feriu a parte de trás da cabeça. Precisou de cinco pontos.

De acordo com a equipe médica, Lula chegou com um traumatismo craniano. Tomografias e ressonâncias realizadas no mesmo dia mostraram um sangramento na região temporal, na frente da cabeça.

Lula viajaria à Rússia no dia seguinte para participar da Cúpula dos Brics. Por recomendação médica, precisou cancelar essa e outras viagens. Também deixou de ir: à COP16, na Colômbia; à COP29, no Azerbaijão; e a São Paulo, para apoiar a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela prefeitura da capital.

Quase dois meses após a queda, em 10 de dezembro, Lula foi submetido a uma cirurgia às pressas em razão de uma hemorragia intracraniana. Todo o tratamento ocorreu conforme o esperado e Lula não teve sequelas. Ficou seis dias internado e teve alta em 15 de dezembro.

Eleições municipais

As eleições municipais de 2024 ocorreram em outubro. Um dos pontos mais polêmicos do pleito no âmbito do Executivo foram as agressões entre candidatos à Prefeitura de São Paulo.

Em um dos debates, o candidato José Luiz Datena (PSDB) jogou uma cadeira contra Pablo Marçal (PRTB) após ser provocado pelo empresário. Em outro, o assessor e videomaker de Marçal, Nahuel Medina, agrediu o marqueteiro do prefeito Ricardo Nunes (MDB) com um soco no rosto.

Outro ponto que chamou a atenção foi a abstenção registrada no segundo turno: a segunda maior desde as eleições municipais de 2000. Cerca de 29,26% não compareceram às urnas.

O grande vencedor do pleito deste ano foi o Centrão. Os partidos que formam o bloco vão administrar 3.500 mil municípios a partir de 2025. O número equivale a cerca de 63% das cidades brasileiras. PSD e MDB são os que mais conquistaram prefeituras.

G20 no Brasil

Em novembro, o Brasil presidiu a Cúpula do G20. No Rio de Janeiro, o encontro reuniu líderes das principais economias mundiais para promover cooperação em assuntos financeiros e econômicos.

Dentre os destaques, esteve o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa que reuniu mais de 80 países e é considerada por Lula o principal legado da presidência brasileira no fórum.

A declaração final dos países reafirmou o compromisso com os objetivos do Acordo de Paris e ressaltou a importância de esforços para taxar super-ricos. O documento também fez um apelo pela paz mundial e pediu cessar-fogo na Faixa de Gaza, mas não mencionou a Rússia.

Recorde do dólar

Depois de muita expectativa do mercado financeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou — também em novembro — um conjunto de medidas para controle de gastos, que estima uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.

Em conjunto também houve um anúncio inesperado de uma das promessas de campanha de Lula: a isenção do Imposto de Renda (IR) a quem ganhe até R$ 5 mil por mês.

Um dia após o anúncio, o dólar superou a marca de R$ 6 pela primeira vez na história com a reação negativa do mercado. Desde então, a moeda inaugurou diversos novos recordes.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Acidente doméstico, acordo Mercosul-UE, polêmicas: o que marcou o ano no Executivo no site CNN Brasil.

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