Da vista da praia ao céu cinzento: família Rubens Paiva viveu em quatro endereços em SP e prédio mostrado em ‘Ainda Estou Aqui’ não foi moradia


Filme que garantiu Globo de Ouro para Fernanda Torres é inspirado na obra biográfica de Marcelo Rubens Paiva, mas tomou liberdade para escolher outro bairro e prédio na capital paulista para servir de cenário para a residência da família após a temporada no Rio. Edifício retratado no filme passou a ser fotografado por fãs. Fernanda Torres e Olivia Torres como Eunice e Babiu em Ainda Estou Aqui.
Divulgação
Após o desaparecimento de Rubens Paiva durante a ditadura militar, quando já não tinha mais o que fazer no Rio de Janeiro, Eunice Paiva e seus filhos se mudaram para São Paulo.
A mudança é retratada no livro – de Marcelo Rubens Paiva, que inspirou o longa “Ainda Estou Aqui”, rendendo um Globo de Ouro de melhor atriz de drama para Fernanda Torres no último domingo (5).
O filme mostra que a família se mudou para o prédio Major Quedinho, na Bela Vista, região central da capital paulista, mas na verdade ela nunca viveu lá. O edifício é um velho conhecido das produções cinematográficas e tem recebido curiosos interessados em fotografar onde os Paiva supostamente moraram.
Usado no filme, o edifício construído em 1953 não tem autoria conhecida. São 18 apartamentos de três quartos divididos em nove andares, além de uma escada com acesso à Avenida Nove de Julho.
Segundo o filho do zelador que também trabalha no local, Cauã Dias, o prédio já recebeu a produção de outros filmes e séries antes do bem-sucedido longa de Walter Sales, como a segunda temporada da novela Verdades Secretas, do Globoplay.
“Lá para 2017, 2018, a gente tinha bastante gravação aqui”, conta. “Aí deu uma pausa por causa da pandemia e depois voltou com esse filme [Ainda Estou Aqui]”.
Com o sucesso do filme, ele conta que as pessoas aparecem curiosas sobre o edifício, e principalmente, para tirar fotos da fachada.
“Normalmente, as pessoas que assistiram ao filme param para tirar foto da fachada e perguntar se realmente foi gravado aqui”, afirma.
No Rio, a casa do Leblon que é a redoma da família, também é uma releitura e está sendo procurada por turistas. O imóvel original foi demolido na década de 1980 para a construção de um prédio residencial.
Edifício Major Quedinho, usado nas gravações de “Ainda Estou Aqui”
Aline Freitas/g1
Fernanda Torres vence Globo de Ouro e dedica prêmio à mãe
São Paulo no filme
Em “Ainda estou aqui”, dirigido por Walter Salles, a atriz revive a história real de Eunice, advogada e mãe do escritor Marcelo Rubens Paiva. Eunice passou 40 anos procurando a verdade sobre Rubens (interpretado por Selton Mello), seu marido desaparecido durante a ditadura militar no Brasil.
São Paulo aparece nos 30 minutos finais de filme, com a Eunice já estabelecida na capital paulista e morando no Centro com Marcelo e Maria Beatriz Facciola Paiva, apelidada de Babiu, a filha mais nova do casal. Ao g1, o escritor Marcelo Rubens Paiva passou os endereços em que a família morou na capital.
“Não sei a data exata em que ela descobriu a verdade. Foi quando parou de sorrir por muitos anos. Foi a gota d’água: não tínhamos mais nada o que fazer no Rio. Nos mudamos para Santos”, trecho do livro Ainda Estou Aqui.
No livro, a cidade inicialmente vira um ambiente cinzento e nublado, se contrapondo a vida solar que a família levava em frente à praia no Rio.
Mas também é apresentada como um local onde Eunice voltou a estudar, se tornou reconhecida pela sua atuação na defesa dos direitos indígenas e também na luta pelo reconhecimento da morte do seu marido pelo estado.
Desde o desaparecimento de Rubens Paiva, Eunice contestou a versão dos militares e pediu esclarecimentos ao Conselho de Direitos da Pessoa Humana, órgão ligado ao Ministério da Justiça.
O deputado Rubens Paiva foi torturado e morto pela ditadura em 1971. Seus restos mortais nunca foram encontrados. Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, esperou 25 anos até conseguir a certidão de óbito do marido. O documento só foi emitido em 1996, um ano depois de o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinar a lei 9.140, garantindo a emissão do atestado de óbito de desaparecidos durante o regime militar.
O filme também recria a cena do momento em que Eunice recebe a certidão de óbito em um cartório na Sé, no Centro de São Paulo.
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Foto de arquivo de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, ex-deputado desaparecido na ditadura militar
Reprodução/Instituto Vladimir Herzog
Mas onde os Rubens Paiva viveram?
Família Paiva morou no Condomínio Mansão Rugendas, em SP
Aline Freitas/g1
Mesmo com o filme mostrando pouco de São Paulo, a capital foi um capítulo importante da história da advogada. Foi por aqui que Eunice se formou em direito e virou potência na luta por Justiça e pelo reconhecimento das vítimas de ditadura militar no Brasil.
Antes da capital, eles viveram em Santos, no Litoral Paulista, onde Eunice decidiu cursar direito. Ela prestou vestibular e entrou no curso em 1972, na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Em 1974, a família se mudou de vez para a São Paulo. Inicialmente, viveram em um imóvel na região da Paraíso, mas rapidamente trocaram por um apartamento no Condomínio Mansão Rugendas, nos Jardins, região Nobre.
O apartamento foi comprado na planta após Eunice conseguir vender um terreno no Jardim Botânico, no Rio, onde Rubens Paiva estava desenhando a primeira casa da família, o terreno é retratado no filme.
“Ela só tinha uma procuração do meu pai antiga, de 1964 (de quando ele foi cassado e exilado). Poucos a aceitavam. A situação era uma aberração jurídica: não podia sacar dinheiro do banco, apenas o da conta conjunta, mas este estava acabando; ele não estava morto nem vivo, não tinha como tocar os negócios da família, tudo bloqueado; tinha um seguro de vida que não podia ser resgatado, pois não existia atestado de óbito; tinha uma pensão que não podia ser requerida; nem cheques de viagem em dólares podiam ser trocados (tenho eles até hoje, com a assinatura do meu pai). Por sorte, ela conseguiu vender um terreno, o da pedreira no Jardim Botânico, o da jaqueira, o do sonho desfeito de uma casa no nome da família, e comprou um apê na planta também nos Jardins, na mesma quadra, aproveitando o boom imobiliário da década de 70”, conta Marcelo no livro.
Eunice morou no Rugendas por 30 anos, até a descoberta do Alzheimer, no início dos anos 2000. Quando anunciou para a família que iria se aposentar, Eunice realizou um desejo antigo, de voltar para o Rio de Janeiro.
Família Rubens Paiva morou no Condomínio Mansão Rugendas, em SP.
Mas com o avanço do Alzheimer, os médicos recomendaram que ela retornasse para a capital paulista para ficar mais perto dos filhos. Ela retornou e foi morar em Perdizes, na Zona Oeste, próxima a Marcelo.
Sobrado na Alameda Tietê
Antes de ir para o Rio de Janeiro, família Paiva morou em uma casa na Rua Melo, em SP
Aline Freitas/g1
A família Rubens Paiva também morou em uma casa alugada na Alameda Tietê, no Jardim Paulista, entre os anos de 1964 e 1966. Período em que o deputado foi cassado e exilado. Rubens Paiva foi para Iugoslávia e depois para a França.
No livro, Marcelo conta que mesmo em exílio, no ano de 64, seu pai pegou um voo em Paris com destino ao Uruguai que fazia uma escala no Rio e foi parar em São Paulo, para rever sua família.
“Olhou a porta do 707 aberta no Galeão, a escada, chamou a aeromoça e disse que ia comprar charutos. Desceu do avião tranquilamente. Andou pela pista enquanto o avião era reabastecido. Foi andando por corredores de um aeroporto dos anos 60, sem os esquemas de segurança de hoje. Andou por lojas, circulou pelo desembarque, viu as portas abertas. Não perdeu a oportunidade. De repente, estava na calçada do aeroporto. Deixou sua bagagem para trás, pegou um táxi até o Santos Dumont. Pegou uma ponte aérea. Apareceu em São Paulo, na nossa casa da alameda Tietê de surpresa. Minha mãe quase teve um enfarto.”
Em 66, a família se mudou para o Leblon, no Rio de Janeiro, para uma casa alugada na esquina da rua Delfim Moreira com a Almirante Pereira Guimarães, em frente à praia. Essa casa é a redoma retratada no filme, onde a família tentou uma vida tranquila e longe da perseguição política.
Marcelo informou ao g1 que não se lembra exatamente qual das três casas germinadas era, de fato, da família. Hoje, duas delas dão lugar a um escritório especializado em leilão de joias e outra é um salão de beleza.
*Sob supervisão de Cíntia Acayaba
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