As riquezas no subsolo da Groenlândia que explicam interesse de Trump e China pela ilha


Desde 2019, Trump menciona planos de anexar a Groenlândia, mas número de menções sugerem que interesse do republicano aumentou. Terras raras e outros minérios, cuja produção a China lidera, podem ser a chave para entender o expansionismo do presidente eleito dos EUA. Trump menciona planos de anexar a Groenlândia desde 2019
Reuters via BBC
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ventilou, nas últimas semanas, intenções expansionistas contra múltiplos alvos.
O republicano disse que o Canadá deveria se tornar o 51º Estado dos EUA, chamou o Canal do Panamá de “Canal dos Estados Unidos”, e sugeriu rebatizar o Golfo do México de “Golfo da América”. Mas nenhum território parece ter recebido tanta cobiça quanto a Groenlândia.
Em coletiva de imprensa em Mar-a-Lago na terça-feira (7/1), Trump chegou a dizer que não poderia descartar o uso de força militar para obter controle da Groenlândia ou do Canal do Panamá.
“Precisamos de ambos por razões econômicas”, disse Trump.
Mas, no caso da Groenlândia, Trump foi além: “Precisamos da Groenlândia para fins de segurança nacional”.
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A ilha — a maior do mundo — é um território autônomo da Dinamarca, que colonizou a região.
O republicano argumenta que o país europeu deveria abrir mão da ingerência sobre o território para, nas palavras dele, “proteger o mundo livre” e ameaçou impor tarifas à Dinamarca, um aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), se o país não cedesse.
“É um negócio que tem que acontecer”, sugerindo estar disposto a uma espécie de compra de território.
Donald Trump Jr. chegou há poucos dias a Nuuk, na Groenlândia
Emil Stach/Ritzau Scanpix/via REUTERS
Nas redes sociais, enquanto compartilhava fotos de seu filho, Donald Trump Jr., visitando a capital da Groenlândia, Nuuk, Trump adaptava o próprio slogan político para aplicar à ilha: “Faça a Groenlândia grande de novo”.
Em que pese a reação negativa dinamarquesa, reafirmando que o território não está à venda, o primeiro-ministro da Groenlândia Múte Egede afirmou que é hora de a Groenlândia romper com “as algemas da era colonial”, em uma referência à Dinamarca. Mas também afirmou que a população de menos de 60 mil pessoas da ilha “luta por independência”.
Os planos de Trump em relação à Groenlândia não são exatamente novos. “Seria um grande negócio imobiliário”, ele disse em 2019, durante seu primeiro mandato, quando declarou pela primeira vez seu interesse na ilha.
Na ocasião, porém, disse que a aquisição da área não era sua prioridade.
À época, o então conselheiro econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, em uma entrevista no “Fox News Sunday”, foi mais claro sobre o que a administração Trump via na ilha.
É “um lugar estratégico” com “muitos minerais valiosos”, disse Kudlow.
Expoentes da gestão chegaram a sondar os dinamarqueses para tentar fechar negócio, o que não aconteceu.
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Terras Raras
Se a ideia já existia antes, a quantidade de menções feitas por Trump ao assunto agora, em um momento em que está formando seu governo para tomar posse em 20 de janeiro, sugere que a Groenlândia subiu posições em importância nos planos futuros do republicano.
Especialistas apostam que isso tem a ver com o recente mapeamento das riquezas minerais da Groenlândia e com a mudança da dinâmica econômica em relação a elas.
Historicamente, o território recebeu atenção de autoridades americanas pela sua posição estratégica. Primeiro, como forma de conter o avanço global dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, durante a Guerra Fria, para controle de rotas de navegação entre a Europa e a América do Norte e pela proximidade com o Ártico.
Os militares dos EUA já operam há décadas a Base espacial de Pituffik, antigamente conhecida como Base Aérea de Thule, entre os oceanos Atlântico e Ártico. A base é usada como um posto avançado de observação de mísseis balísticos.
Mas um relatório publicado em meados de 2023 pelo Geological Survey of Denmark and Greenland estimou que o território de 400 mil km2 da ilha atualmente não cobertos por gelo possui depósitos moderados ou altos de 38 minerais da lista de materiais críticos elaborada pela Comissão Europeia.
Além de aparentes altas concentrações de cobre, grafite, nióbio, titânio e ródio, estariam ali também grandes depósitos das chamadas terras raras, como o neodymium e o praseodymium, cujas características magnéticas peculiares os tornam fundamentais na fabricação de motores de veículos elétricos e de turbinas eólicas.
“A Groenlândia poderia conter até 25% de todos os recursos de elementos de terras raras do mundo”, afirmou à BBC News Brasil o geólogo Adam Simon, professor da Universidade de Michigan.
Isso equivaleria a cerca de 1,5 milhão de toneladas dos materiais.
Minerais na Groenlândia despertam interesse de grandes potências
Getty Images via BBC
Disputa com a China
As terras raras se tornaram um artigo de alta demanda em um contexto de transição energética em busca de formas limpas e renováveis de energia — para conter as mudanças climáticas — e têm lançado diferentes potências globais em disputas por grandes minas destes elementos ao redor do mundo.
“Em 2024, utilizamos globalmente cerca de 4.500% mais elementos de terras raras do que usávamos em 1960”, afirma Simon, que continua: “mesmo que as extrações na Groenlândia se tornem viáveis em um curto período de tempo, ainda precisaremos de mais reservas de terra rara para dar conta da atual demanda do mercado”.
Atualmente, a China domina o mercado de mineração e beneficiamento de terras raras. Os chineses são responsáveis por cerca de ⅓ das reservas conhecidas, 60% da extração e 85% do processamento desses produtos. Mas a dominância dos chineses sobre este mercado já chegou ao patamar de 95% em 2010, o que deu a Pequim um significativo poder político e econômico sobre cadeias de produção centrais para a Europa e os Estados Unidos.
Atualmente, as duas mineradoras que prospectam terras raras na Groenlândia são australianas, mas uma delas tem como investidor a China’s Shenghe Resources, uma mineradora estatal chinesa.
A China tem há anos tentado aprofundar sua presença na Groenlândia. Xi Jinping definiu que a China deve ser um país “próximo ao Ártico”, ainda que o país esteja a quase 1,5 mil quilômetros da região e, além de projetos culturais e tecnológicos, têm tentado fincar raízes na ilha por meio de obras de infraestrutura batizadas de Rota da Seda Polar, um braço do massivo projeto de investimentos ao redor do mundo de Xi chamado de Cinturão e Rota.
No âmbito deste programa, construtoras chinesas tentaram erguer ao menos dois aeroportos na Groenlândia, mas acabaram preteridas por empresas dinamarquesas, em uma disputa na qual Washington teria feito pressão pró-Dinamarca.
Todos esses movimentos chineses na área alarmaram os Estados Unidos, que têm na China seu principal antagonista global. Em seu primeiro mandato, a administração Trump incluiu as terras raras entre os materiais críticos para a segurança nacional americana e firmou acordos de cooperação para desenvolvimento tecnológico e científico entre a Groenlândia e os Estados Unidos.
O aumento da presença de cientistas, pesquisadores, políticos e oficiais militares nos últimos anos na região não parece estar sendo suficiente para garantir qualquer exclusividade americana aos recursos naturais da ilha, nem a atual administração Biden parece ter perseguido tal intento.
Há 12 dias de deixar o posto, o atual secretário de Estado Antony Blinken disse que os planos de Trump sobre a Groenlândia “não vão se concretizar” e que seria desperdício de tempo discutir o assunto.
Musk e o destino manifesto
Se o interesse sobre terras raras e a Groenlândia já estavam claros no primeiro mandato, o fato de que os rumos da segunda gestão Trump estejam sendo profundamente influenciados pelo bilionário Elon Musk, CEO da Tesla, uma das maiores fábricas de carros elétricos do mundo, não deve ser ignorado.
“Certamente, a Tesla tem interesse na disponibilidade mundial de elementos de terras raras, além de lítio, cobre, níquel e grafite. Então é razoável pensar em um conflito de interesses se o CEO de uma empresa que depende da disponibilidade de minerais críticos estiver em uma posição política de autoridade para tomar decisões que podem impactar a disponibilidade global desses minerais”, afirma Simon.
A mesma prudência, no entanto, também recomenda cautela nos limites dos benefícios imediatos a Musk, e ao próprio Trump, na investida sobre a Groenlândia.
“No atual estágio de exploração das minas, é altamente improvável que tenhamos mineradoras capazes de uma produção comercial consistente na Groenlândia em menos de 10 anos”, afirma Simon.
“Enquanto governos atuam com horizontes de 4 anos, essas grandes mineradoras planejam seus negócios com vistas a 40 anos”, completa o geólogo.
Ainda que seja possível acelerar muito a mineração em áreas da ilha, um segundo desafio seria escoar a produção com grandes navios em uma região relativamente remota e crivada de icebergs e outros desafios náuticos. Assim, é improvável que Trump possa se orgulhar de extrair terras raras em escala da Groenlândia mesmo que ele supere os enormes desafios geopolíticos da tarefa.
A chave para entender a motivação de Trump no assunto pode estar em outro elemento histórico da política internacional americana: a doutrina do Destino Manifesto. É o que argumentava ainda em 2019 o editor da revista de direita “The American Conservative” James P. Pinkerton.
A noção do Destino Manifesto, articulada no século 19, enunciava que dado seu “excepcionalismo”, os EUA tinham o dever e o direito de avançar sobre territórios estrangeiros para garantir o desenvolvimento e a expansão do experimento de liberdade e auto-governo que o país preconizava. Isso incluía garantir recursos para sustentar a economia e garantir a segurança do país.
Foi o Destino Manifesto a ideologia por trás da expansão dos americanos das 13 colônias em direção ao Oeste, que, entre outras coisas, retirou de suas terras boa parte das populações nativo-americanas, o que levou ao genocídio de muitas delas.
A ordem mundial estabelecida após as Grandes Guerras, com a criação de órgãos multilaterais para mediar disputas entre nações (alvos frequentes das críticas de Trump) e com a fixação de fronteiras claras entre os países, parecia ter colocado um fim à expansão territorial propalada pelo Destino Manifesto.
Um dos maiores exemplares desse movimento foi Andrew Jackson, o sétimo presidente americano, que governou entre 1829 a 1937. Não é mera coincidência que Trump declare ter por Jackson grande admiração.
Em seu primeiro mandato, uma das primeiras modificações do republicano no Salão Oval, o tradicional escritório dos presidentes americanos, foi pendurar um quadro de Jackson na sala.
Agora, em seu segundo mandato, Trump parece ter reservado a Jackson muito mais do que um lugar na parede.
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