Elon Musk briga com neonazistas. Torça pela briga

O mundo ainda estava comendo as sobras de sua ceia de Natal quando uma guerra civil virtual atingiu a base de apoio do presidente dos EUA, Donald Trump. Em vez de comemorar a vitória e a posse presidencial iminente, os republicanos trocaram acusações e farpas, às vezes bastante indecorosas.

De um lado, os chefes do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), os bilionários Elon Musk e Vivek Ramaswamy. De outro, o estrategista de extrema direita e ex-assessor de Trump Steve Bannon, a influencer Laura Loomer, além de toda espécie de grupo supremacista branco e apoiadores mais próximos ao discurso xenofóbico que Trump tanto defendeu durante a campanha.

O objeto dessa disputa era a defesa dos chefes do Doge aos chamados vistos H-1B, concedidos a imigrantes que exercem ocupações especiais, ou seja, serviços valiosos e de alta qualificação, como engenheiros e cientistas. Além disso, para permanecer com direito ao visto, o imigrante não pode ficar desempregado por mais de 60 dias.

Durante toda sua campanha eleitoral, Trump prometeu ser extremamente duro com os imigrantes, falando em deportação em massa e uma moratória completa na concessão de qualquer tipo de visto. Supremacistas brancos, parte relevante da coalizão que o elegeu, se sentiram, assim, traídos.

Mas o que está por trás dessa disputa?

Neonazistas sonham com o apartheid

Não devemos achar que, por serem movidos pelo ódio e nostalgia de épocas com menos inclusão racial, os supremacistas brancos não têm um projeto de sociedade. Eles têm, sim, um sonho e um objetivo. Sonham com alguma espécie de apartheid, de sociedade de castas raciais. Não é mero desejo de violência e extermínio de não-brancos, apesar de isso fazer parte do sonho.

Nesse sonho distópico, os donos das grandes empresas são brancos, conservadores e cristãos. As universidades são exclusivas para brancos e, portanto, os empregos com maiores salários também. E, como um todo, brancos receberiam melhor do que não-brancos em qualquer atividade que exercessem.

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Os empregos braçais e extenuantes, como colheita agrícola, e os empregos servis, como vendedor, garçom etc seriam destinados aos imigrantes e não-brancos. E seriam mal pagos.

Para garantir um sistema racista como esse, todo direito trabalhista deveria ser negado aos não-brancos, garantindo às empresas a possibilidade de demitir e contratar nas condições que quisessem. Por fim, o estado teria plena autorização para reprimir greves, manifestações e qualquer demonstração política contrária ao regime.

Bilionários do Doge sonham com a escravidão contemporânea

Os bilionários do Doge, ambos imigrantes e um deles hindu, têm um sonho um tanto distinto: a extinção do poder do mundo do trabalho.

Os EUA têm passado por um incipiente, porém consistente, aumento no número de greves e protestos. Em 2023, o número de paralisações aumentou 280%. Os dados de 2024 ainda não foram consolidados. No ano passado, houve a primeira  greve portuária na costa leste em 50 anos, a maior greve contra a Amazon da história e greves no setor hoteleiro que chegaram a durar três meses.

Uma das causas desse movimento é política, fruto do amadurecimento da geração dos protestos do Occupy Wall Street em 2011 e das campanhas sociais-democratas de Bernie Sanders em 2016 e 2020. Parte disso, porém, é uma consequência do momento econômico. Ou seja, de uma situação de baixo desemprego, onde os trabalhadores sentem menos medo de serem demitidos.

Em reação a esse ascenso do poder dos trabalhadores, os bilionários do Doge falam abertamente sobre redução de direitos trabalhistas e repressão violenta a qualquer movimento grevista e protestos.

Durante um discurso em agosto de 2024, Trump elogiou a capacidade de Musk de ser linha dura com trabalhadores grevistas. “Você é o maior cortador. Olha o que você faz! Você entra e diz: ‘vocês querem sair?’ Eles entram em greve, e você diz ‘ok, vocês estão fora’”, disse Trump

A fala desagradou o United Auto Workers, o maior sindicato de montadoras dos EUA e um dos maiores entre todas as categorias. O sindicato imediatamente entrou com um processo judicial contra ambos.

Porém, repressão sozinha não basta. Para os bilionários do Doge, enquanto o trabalhador não tiver medo da demissão e do desemprego, a continuidade do ascenso das greves ainda estará no horizonte. A migração entra no cenário como uma potente ameaça contra o trabalhador: faça greve e eu te substituirei por um imigrante.

Portanto, existem diversos pontos em comum entre o sonho de apartheid e o sonho de radicalização neoliberal que os bilionários do Doge defendem.

Aqui, temos que fazer uma distinção entre dois tipos de imigrantes e as diferentes reações de Trump quanto a eles.

Duas formas de calar trabalhadores imigrantes

Os detentores de vistos H-1B são trabalhadores qualificados, que estudaram em universidades em seus países de origem e têm demandas salariais altas. Contudo, só conseguem manter direito a tal visto caso se mantenham empregados. Se forem demitidos, o visto expira em apenas 60 dias, enquanto o tempo médio para um formado em universidade conseguir um emprego pode chegar a seis meses.

Ou seja, a mera demissão é uma ameaça tão grave que qualquer discussão salarial fica prejudicada. Não à toa, o X de Elon Musk tem 8% dos seus funcionários nesse status.

Situação diversa enfrentam os trabalhadores braçais e menos valorizados. Para esses, a “melhor” ameaça não é a demissão. Recebendo pouco, muitas vezes vivendo entre curtos períodos em empregos estáveis e a informalidade, a maior ameaça a esses trabalhadores é a deportação.

O partido Republicano sabe que a deportação em massa de imigrantes é praticamente impossível. Da mesma forma, os EUA estão desde a chamada Guerra ao Terror com políticas muito duras contra imigrantes ilegais – e sem resultados práticos na redução do número deles.

Isso porque o objetivo do grande capital, dos grandes empresários que bancam ambos os partidos, é o mesmo: manter um grande número de imigrantes ilegais recebendo pouco, pressionando os salários para baixo e incapazes de se mobilizar por mais direitos e melhores salários.

É essa a razão de Trump manter uma posição que parece ambígua em respeito à imigração: defesa dos vistos H-1B e redução da concessão de outros tipos de vistos, o que aumenta o número de trabalhadores imigrantes ilegais.

Por ora, essa disputa parece resolvida. Trump apoiou Musk e endossou a pauta da defesa dos vistos H-1B, com mudanças e talvez até com expansão. Porém, a tensão entre sua base supremacista e seus apoiadores bilionários não parece se esvair tão cedo.

A tática de Trump, porém, tem lógica. Continuar desagradando os supremacistas nesse tema gera menos desgaste político. Afinal, o que estes supremacistas podem fazer? Com certeza, a extrema direita xenofóbica não se bandeará para os democratas.

Os bilionários, contudo, são politicamente mais promíscuos. Enquanto nesta semana observamos Mark Zuckerberg anunciar mudanças para agradar Trump e diversas grandes empresas doarem milhões para sua festa de posse, nada impede que, na próxima curva da estrada, eles voltem às graças dos democratas.

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