Trisal do AM diz que não pretende se casar no papel: o que a legislação e a Justiça brasileira preveem?


Agricultoras amazonenses Ananda e Deica Souza, que são irmãs, moram com Marcelo Oliveira, com quem ambas mantêm uma relação amorosa na Zona Rural de Manaus. g1 conversou com uma advogada especializada em ações de família que explicou o que a legislação brasileira prevê. Trisal amazonense formado por Deica, Marcelo e Ananda
Reprodução/Redes Sociais
A história das irmãs que vivem com o mesmo homem em Manaus e compartilham a vida de trisal nas redes sociais ganhou repercussão no país. Mas, apesar de conviverem juntos há anos, eles afirmam que não são casados no papel pois a lei não permite uma união entre três pessoas. O g1 conversou com uma advogada especializada em ações de família que explicou o que a legislação brasileira prevê.
As agricultoras amazonenses Ananda Souza, de 29 anos, e Deica Souza, 31, moram com Marcelo Oliveira, de 38, com quem ambas mantêm uma relação amorosa. O trio vive em uma comunidade rural da capital amazonense, e a vida deles desperta a curiosidade de quem não os conhece.
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“Nós não somos casados no papel. A lei do nosso país não permite. O que temos entre nós é um acordo. Todos tem o seu. O meu, na verdade, não tenho nada. Eu prefiro deixar para os meus filhos o que a gente construiu, o que a gente conseguir, do que deixar eles brigando no futuro. Com relação ao casamento, um documento que prove, acho que não precisa disso”, diz Marcelo nas redes sociais.
O que diz a lei?
Ao g1, a advogada que atua em ações de família no Amazonas, Elaine Benayon, explicou que a lei brasileira não permite que haja união entre mais de duas pessoas. Segundo ela, no ordenamento jurídico brasileiro ainda prevalece o princípio da monogamia – em que o matrimônio é entre duas pessoas.
“No nosso ordenamento jurídico, não há o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, bem como o reconhecimento de duas uniões estáveis, porque para que a gente possa caracterizar, reconhecer uma união estável, o ordenamento diz que é pressuposto a ausência de impedimento para casamento. Para que possa haver uma conversão em casamento, não pode haver um impedimento matrimonial”, disse.
A advogada também explicou que no caso do trisal amazonense, formado por duas irmãs, há mais um empecilho: o artigo 1.521 do Código Civil, que veta casamentos entre parentes:
Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
“Infelizmente, a gente ainda não tem, embora haja uma parte da doutrina dos direitos de família que entenda que a gente precisa respeitar, que a família ideal é a família que busca a felicidade dos seus membros, nós ainda não avançamos à esse ponto porque o princípio que norteia o ordenamento jurídico brasileiro é o princípio da monogamia. Seja ele no casamento, ou união estável”, explicou Benayon.
Justiça reconheceu união estável para trisal no RS
Em agosto de 2023, a 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, reconheceu a união estável poliafetiva entre três pessoas, que juntos formam um trisal. Com isso, o filho que uma das mulheres estava gestando teve direito ao registro multiparental, ou seja, pode ter os nomes das duas mães e do pai.
Reveja abaixo o vídeo de 2023 sobre quando a justiça reconheceu a união estável de um trisal do Rio Grande do Sul:
Trisal tem reconhecimento de união estável no Rio Grande do Sul após dez anos juntos
Os bancários Denis Ordovás e Letícia Ordovás, casados desde 2006, mantêm um relacionamento há dez anos com Keterlin Kaefer. Em um primeiro momento, eles tentaram o registro em cartório sem a judicialização, mas o pedido foi recusado pelo tabelionato, antes da Justiça reconhecer a união poliafetiva entre eles.
Segundo a advogada Elaine Benayon, do Amazonas, apesar da Justiça ter concedido a união ao trisal do Rio Grande do Sul, ela reforçou que o entendimento ainda não é a regra do ordenamento jurídico brasileiro.
“A gente vê que foi uma decisão precária, porque ela vai de encontro ainda com a corte superior. O Superior Tribunal de Justiça (STJ). Então, aqui é uma decisão que ainda está em prazo para recurso e o Ministério Público com certeza deve recorrer de uma situação como essa, porque contraria os princípios da norma em vigor ainda”, finalizou a advogada.
Vida a três após nove anos de monogamia
A relação do trisal, que já dura cinco anos, surgiu após uma pergunta simples durante a união, ainda a dois, de Ananda e Marcelo, que durou nove anos antes da chegada da irmã, Deica. Em uma conversa, Ananda questionou Marcelo sobre qual era o maior desejo de um homem. A resposta: “ter uma segunda mulher”.
A partir daí, a esposa decidiu abrir caminho para um relacionamento não monogâmico, onde a relação não seria mais vivida apenas a dois.
Hoje, as irmãs e Marcelo não apenas vivem juntos, mas também trabalham lado a lado no cultivo de hortaliças, compartilhando a rotina nas redes sociais e mostrando uma convivência harmoniosa.
Irmãs amazonenses compartilham mesmo marido.
Reprodução/Redes Sociais
Reviravolta com entrada de Deica na relação
Em entrevista ao g1, Marcelo contou que conheceu Deica primeiro, há mais de 14 anos, quando trabalhava em um shopping de Manaus. Entretanto, por falta de tempo, o relacionamento chegou ao fim.
“Passado um tempo, eu conheci a irmã mais nova, a Ananda, que já foi uma coisa mais séria”, lembrou ele.
O agricultor relembrou ainda que o reencontro inesperado com Deica aconteceu quando ele foi conhecer a família de Ananda, a nova namorada. Marcelo disse que, apesar de o momento ser um tanto quanto inusitado, a situação não perturbou o trio.
“Contamos pra Ananda que já nos conhecíamos, mas ela não deu importância. Levamos nossa relação normalmente como monogâmicos por nove anos juntos”, contou Marcelo.
A reviravolta aconteceu em 2019, quando Ananda sugeriu que Deica se juntasse a eles. A proposta foi aceita e, desde então, eles compartilham a vida e a cama, apesar de as mulheres, por serem irmãs e heterossexuais, não se relacionarem entre si.
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Existe ciúme?
Ao g1, os três garantiram não haver ciúmes dentro da relação e nem diferenciação entre as irmãs. Eles relatam que o “combinado” é sempre manter o diálogo e o respeito.
“No começo, tínhamos uma sensação de ‘será que ele gosta mais de uma do que dá outra?'”, relembrou Ananda.
A agricultora destacou que a sensação foi superada após uma conversa em que Marcelo afirmou amá-las igualmente. Deica completou que logo elas perceberam, por meio de ações, que ele tinha cuidado com a atenção dada tanto a elas quanto aos filhos e que procurava ser presente para todos.
Outro “combinado” para manter a harmonia evidenciada por eles é priorizar atividades que deem tempo de qualidade para o trisal e família, como fazer as refeições juntos.
Reveja abaixo vídeo do caso do interior de SP em que trisal conseguiu na Justiça direito de registrar filho com nome dos três:
Trisal do interior de SP consegue na Justiça direito de registrar filho com nome dos três
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