Congresso ignora MPs, aprova mais projetos próprios e “empareda” Executivo

Nos dois primeiros anos de mandato, em meio a embates com o Poder Legislativo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu despencar o número de Medidas Provisórias (MPs) validadas pelo Congresso Nacional e enfrenta uma disparada na aprovação de projetos de lei apresentados pelos próprios parlamentares — muitas vezes à sua completa revelia.

Essa tendência reforça uma mudança gradual na correlação de forças em Brasília, que tem enfraquecido o Palácio do Planalto e fortalecido a Câmara dos Deputados e o Senado, segundo a Action Consultoria, responsável pelo levantamento inédito.

“Cada vez mais o dono da pauta é o Congresso. O poder do toma-lá-dá-cá, que o Executivo tinha, está diminuindo todos os anos”, disse à CNN o sócio-fundador da Action, João Hummel.

O levantamento aponta que apenas 17,5% das MPs editadas nos dois primeiros anos do governo Lula foram efetivamente aprovadas pelo Congresso — foram 19 avalizadas e outras 89 caducadas (que expiraram sem ter sido analisadas) ou rejeitadas.

Medidas Provisórias de ajuste fiscal (como a MP do Carf e a MP dos fundos exclusivos), de programas considerados prioritários para o governo (MP do Acredita) e de políticas industriais (MP do Mover) precisaram ser convertidas em projetos de lei diante da resistência cada vez maior do Congresso em analisar esses textos nos prazos determinados pelo Planalto.

“O Congresso deixou a postura de subserviência ao Executivo e assumiu as prerrogativas que estão previstas na Constituição”, afirma o deputado Danilo Forte (União-CE).

No primeiro biênio dos governos anteriores, os números foram os seguintes:

  • Jair Bolsonaro (2019-2010): 45,4% (75 aprovadas e 90 caducadas/rejeitadas)
  • Michel Temer (2016-2017): 61,6% (65 aprovadas e 41 caducadas/rejeitadas)
  • Dilma Rousseff 1 (2011-2012): 81,4% (66 aprovadas e 15 caducadas/rejeitadas)
  • Lula 2 (2007-2008): 86,3% (95 aprovadas e 15 caducadas/rejeitadas)

Congresso mais propositivo

Paralelamente, o Congresso “aprendeu” a legislar de fato e está mais propositivo do que nunca, emplacando um volume recorde de pautas próprias.

Em 2024, de acordo com a Action, 173 das 223 leis sancionadas tiveram origem em projetos de deputados ou de senadores — e não do governo.

Foi a segunda maior proporção do século (77,5% das proposições), perdendo apenas para 2022, último ano do governo Bolsonaro (79,6%).

Algumas legislações, como o novo marco legal das eólicas offshore (em mar aberto), tramitaram completamente à revelia do Planalto.

Nesse caso, por exemplo, uma série de “jabutis” — emendas sem relação com o texto original do projeto — foi incluída, criando subsídios de mais de R$ 20 bilhões por ano nas tarifas de energia.

O impacto nas contas de luz é estimado em pelo menos 8%. Lula vetou esses trechos, mas é uma prerrogativa do Congresso derrubá-los.

Até o fim da década passada, mais da metade das leis sancionadas vinha sempre de projetos apresentados pelo Poder Executivo.

Ou seja, o jogo de forças definitivamente mudou, diz João Hummel.

“Isso forçará a sociedade organizada a ocupar um espaço maior no Legislativo para propor, debater e modificar políticas públicas”, acrescenta o consultor.

Para ele, houve alguns pontos de inflexão desde o começo do século. Um deles, a partir de 2012, foi a mudança no rito de tramitação das MPs. Em vez de ir diretamente para plenário e travar a pauta, submetendo os parlamentares ao “timing” do governo, elas passaram a ser analistas por comissões mistas.

Em 2015, as emendas individuais tornaram-se impositivas, livrando os deputados e senadores da pressão por apoio ao governo para ter seus recursos liberados.

Para o deputado Danilo Forte, agora chegou a hora de participar mais ativamente também do desenho de políticas públicas, o que ele considera outra prerrogativa do Congresso. É o Legislativo quem aprova o Plano Plurianual, a cada quatro anos, responsável por orientar essas políticas.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Congresso ignora MPs, aprova mais projetos próprios e “empareda” Executivo no site CNN Brasil.

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