Por trás do sucesso de “Ainda Estou Aqui”

O Oscar 2025 ficará marcado na memória dos brasileiros como o ano em que “Ainda Estou Aqui” se tornou o primeiro filme produzido no país a conquistar três indicações: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres. E mais: venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional, conquista histórica, inédita para o cinema brasileiro. A façanha pode ser compreendida a partir de alguns fatores interligados.  

Um deles é a visibilidade que o longa alcançou com a distribuição da Sony Classics, impulsionada por um forte investimento na campanha internacional. Outra razão é a longa e consolidada presença de Walter Salles nos principais festivais internacionais, como Cannes, Berlim e Veneza. E, finalmente, as características singulares da obra deste cineasta e do filme em questão: a alta qualidade técnica de suas produções e a abordagem do tema da ditadura, que dialoga com a sensibilidade do público médio.    

Para um filme ser considerado pelos votantes da academia do Oscar, ele precisa construir relevância. Quanto mais bem-sucedida for a campanha de um filme, maior é a valorização simbólica que ele recebe. Nesse contexto, o trabalho da Sony Classics, uma das maiores distribuidoras internacionais, foi essencial. A campanha do filme começa com sua estreia na edição de 2024 do Festival de Veneza, onde integra a mostra competitiva e conquista o prêmio de Melhor Roteiro. Em seguida, é exibido e aclamado em um circuito de festivais, como Toronto, Nova York e Londres. A estratégia de distribuição também incluiu a realização de sessões especiais nos Estados Unidos com o elenco e Walter Salles, além de exibições nos cinemas norte-americanos. A presença de Fernanda Torres nessas sessões, festivais nos Estados Unidos e na Europa e eventos de cinema ajudou a consolidar sua imagem na mídia norte-americana . A consagração de sua atuação vem com o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama, tornando-a a primeira brasileira a conquistar o prêmio e impulsiona ainda mais seu prestígio na indústria hollywoodiana. 

A premiação de “Ainda Estou Aqui” no Oscar 2025 também se apoia na sólida carreira internacional de Walter Salles, construída ao longo dos anos com a significativa presença do diretor nos principais festivais internacionais, onde seus filmes foram lançados e premiados. “Central do Brasil” conquistou o Urso de Ouro de Melhor Filme e o Urso de Prata para Fernanda Montenegro, como Melhor Atriz, no Festival de Berlim em 1998. 

Em seguida, o filme foi indicado a Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz no Oscar de 1999. “Abril Despedaçado” concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2001. Já em 2008, Sandra Corveloni recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes por “Linha de Passe”. O reconhecimento internacional de Salles contribui para o favoritismo de “Ainda Estou Aqui” na corrida pelo Oscar.   

Os filmes de Walter Salles se destacam por sua alta qualidade técnica. Michael Barker, copresidente da Sony e um dos idealizadores da campanha de “Ainda Estou Aqui”, afirmou em entrevista ao The Wrap que a estratégia de distribuição do filme se baseou na sua excelência técnica. Segundo ele, “este filme é tão bom quanto qualquer thriller político em inglês com algo a dizer”.  

Veja: “Ainda Estou Aqui” vence o Oscar

 Esse tipo de discurso já era utilizado em relação a “Central do Brasil”. O produtor suíço Arthur Cohn, vencedor do Oscar e parceiro de Salles no filme, ressaltou a “altíssima qualidade do trabalho dos técnicos brasileiros” na época. Vale lembrar que “Central do Brasil” também foi distribuído pela Sony, em parceria com a Miramax, duas gigantes do setor.  

Chegamos, finalmente, às características de “Ainda Estou Aqui”. A abordagem adotada para o tema da ditadura segue a sensibilidade do público médio. Isso se reflete na escolha de exibir poucas cenas de violência e no foco no impacto emocional do acontecimento histórico a partir da perspectiva de uma família de classe média alta.   

O Oscar de “Ainda Estou Aqui” faz dele o melhor filme da carreira de Walter Salles? Não. “Central do Brasil” continua sendo sua obra-prima. O sucesso do filme é resultado de uma combinação de fatores: a mais bem-sucedida campanha de premiação já realizada para um filme brasileiro e o prestígio artístico de Walter Salles, construído ao longo de 34 anos de carreira no cinema. 

 *Cyntia Gomes Calhado é jornalista, crítica, curadora, pesquisadora e professora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP. Autora do livro Intensidades da imagem: experiência estética no cinema – análises críticas a partir de Walter Salles (Editora Fi, 2021). O artigo não representa a opinião da CNN Brasil. 

 https://stories.cnnbrasil.com.br/entretenimento/conheca-walter-salles-diretor-de-ainda-estou-aqui/ 

Este conteúdo foi originalmente publicado em Por trás do sucesso de “Ainda Estou Aqui” no site CNN Brasil.

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