Ingestão de álcool por animais é surpreendentemente generalizada


Neste artigo, Anna Christina Bowland fala sobre a presença do etanol na natureza. Estudos confirmaram que insetos, pássaros e mamíferos ingerem etanol. Assim como os humanos, os chimpanzés, gorilas e bonobos compartilham uma mutação que os torna particularmente eficientes no metabolismo do etanol.
Arvind Mohandas/Comedy Wildlife
Os seres humanos não são os únicos animais que ingerem álcool, sugerem pesquisas. Estudos com animais estão mostrando que eles podem estar ingerindo etanol natural por suas propriedades medicinais ou nutricionais.
Seres humanos bebem álcool em quase todas as partes do mundo, com exceção de lugares onde as pessoas se abstêm por motivos religiosos. No passado, muitas pessoas acreditavam que o consumo de álcool era exclusivo dos seres humanos, mas evidências crescentes estão mostrando que não estamos sozinhos em nosso gosto pela bebida.
Há muito tempo se sabe que as moscas-das-frutas (Drosophila melanogaster) estão ligadas ao álcool devido à sua tendência de se reproduzir em frutas fermentadas. Mas parece que elas não são um caso isolado.
Quando você pensa em álcool, talvez pense em um copo de cerveja ou uma taça de vinho. Mas há muitos tipos de álcool, a maioria dos quais é extremamente tóxica. Por exemplo, o isopropanol, que é comumente usado como desinfetante.
O etanol, ou álcool etílico, é o álcool encontrado nas bebidas alcoólicas, mas o etanol também está presente na natureza. As leveduras, incluindo a Saccharomyces cerevisiae, também conhecida como levedura de cerveja, são comuns no ambiente natural e produzem etanol (possivelmente para defender os recursos açucarados das plantas de microrganismos concorrentes), quando metabolizam açúcares por meio da fermentação. Muitas frutas, néctares e sucos contêm uma grande quantidade de açúcares. Parte desse açúcar se transforma em etanol quando colonizado por leveduras.
Descobriu-se que frutas de plantas do Panamá, Costa Rica, Cingapura, Israel e Finlândia contêm etanol, bem como alguns néctares e sucos. A concentração de etanol em frutas que fermentam naturalmente é normalmente muito menor do que a das bebidas alcoólicas produzidas pela Humanidade, mas algumas frutas muito maduras, como as frutas da palmeira preta (Astrocaryum standleyanum), têm níveis de etanol semelhantes aos de uma cerveja comum (5%).
Se frutas, néctares e sucos fermentam na natureza, não é de surpreender que alguns animais possam ingerir etanol. Estudos, experimentais e na natureza, confirmaram que insetos (incluindo abelhas e borboletas) ingerem etanol, bem como pássaros (como beija-flores, asas de cedro e asas de boêmia) e mamíferos (por exemplo, musaranhos-de-cauda-peneira e o lóris lento). Os primatas não humanos, inclusive um de nossos parentes vivos mais próximos, o chimpanzé, também o ingerem.
Embora os exemplos na natureza sejam raros, isso pode ser devido à falta de pesquisa, e não à falta de prevalência. Pesquisadores estão desenvolvendo métodos que facilitam a medição do etanol em campo e, à medida que mais estudos forem realizados, mais exemplos provavelmente serão descobertos.
Os animais ficam bêbados?
Há muitas histórias de animais “bêbados”, de alces a elefantes, mas nenhum desses casos foi de fato validado. Do ponto de vista evolutivo, ficar bêbado é desvantajoso. Animais intoxicados podem ser mais suscetíveis a ferimentos ou predação e ter menos chances de sobreviver.
Em vez disso, muitos cientistas esperam que a seleção natural favoreça adaptações para aumentar o metabolismo do etanol a fim de evitar a “embriaguez”. Isso permite que os animais comam alimentos fermentados e, ao mesmo tempo, minimizem os efeitos negativos da intoxicação.
Nos animais, inclusive nos seres humanos, a principal rota metabólica do etanol é semelhante. O etanol é primeiro oxidado a acetaldeído (um intermediário tóxico) pela enzima álcool desidrogenase.
O acetaldeído é então convertido em acetato (que é menos tóxico) pela aldeído desidrogenase. No entanto, a eficiência com que diferentes animais metabolizam o etanol varia. E também pode variar entre humanos.
Alguns animais parecem ter um metabolismo de etanol aprimorado. Assim como os humanos, os chimpanzés, gorilas e bonobos compartilham uma mutação que os torna particularmente eficientes no metabolismo do etanol.
É interessante notar que o único grande macaco asiático (orangotango), que é altamente arborícola (que vive em árvores), não compartilha essa mutação. Isso pode ocorrer porque os orangotangos não sofreram as mesmas pressões evolutivas que os grandes símios africanos mais terrestres (que vivem no chão).
Por exemplo, os orangotangos se alimentam principalmente em árvores onde se espera que as frutas estejam menos fermentadas do que quando caem no chão.
É possível que, se os alimentos açucarados fermentarem naturalmente, os animais que comem esses alimentos possam consumir etanol sem querer. O etanol pode ter alguns benefícios. Ele tem propriedades antimicrobianas e sabe-se que as moscas-das-frutas o utilizam para se automedicar contra parasitas. Entretanto, não se sabe muito sobre se outros animais também usam o etanol para fins medicinais.
Há registros confirmados de muitos animais, de chimpanzés a orangotangos, usando plantas para medicação. Portanto, o uso do etanol dessa forma pode ser generalizado. Os animais também podem ingerir alimentos com etanol porque o próprio etanol é uma fonte de calorias e sua presença indica o teor de açúcar e nutrientes.
Os besouros da ambrósia usam o cheiro do etanol como um sinal para encontrar árvores hospedeiras adequadas para colonizar. O etanol aumenta o crescimento dos fungos dos quais os besouros se alimentam.
Muitos de nós temos plena consciência do impacto cognitivo do etanol, incluindo a sensação de relaxamento. O etanol pode desempenhar um papel importante na promoção da sociabilidade entre os seres humanos. Isso também pode se aplicar a outras espécies, mas ainda não foi estudado em um contexto natural.
Ainda temos muito a aprender sobre o uso natural do etanol por animais selvagens. Muitas hipóteses ainda não foram testadas, e sabemos pouco sobre se os animais procuram ativamente o etanol e os alimentos fermentados. Mas muitos animais o ingerem. Está claro que a festa está crescendo, e nós somos apenas uma das muitas espécies que consomem etanol.
** Anna Christina Bowland é doutoranda em Biociências na Universidade de Exeter.
Este texto foi publicado originalmente no site do The Conversation Brasil.
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