Poderes exclusivos e impeachment no STF: por que a extrema direita quer tomar o Senado em 2026

  • A estratégia está em curso há mais de um ano e foi ventilada por expoentes da extrema direita. “Dependendo do número de senadores que elegermos em 2026, não será apenas o Alexandre de Moraes que vai sair da Suprema Corte”, disse Gustavo Gayer, deputado federal pelo PL de Goiás.
  • Se reeleger os 11 senadores que estão em fim de mandato e conquistar mais 16 cadeiras país afora na disputa de 2026, o grupo de Bolsonaro conseguirá a tão desejada maioria dos senadores – e o controle da casa.
  • Os senadores têm oito anos de mandato, ou seja, além de garantir um poder mais duradouro, os eleitos podem disputar outros cargos na eleição seguinte sem abrir mão do mandato legislativo. Podem influenciar a agenda política, votar o impeachment de ministros do STF, vetar e punir autoridades.

A extrema direita quer dominar o Senado. E tem um plano para isso. Liderada por Jair Bolsonaro e sua tropa de choque, incluindo figurões do seu governo, a estratégia mira emplacar vitórias em série de norte a sul do país nas eleições de 2026, quando estarão em jogo 54 das 81 vagas de senador.

O sonho é conquistar maioria no plenário e a presidência da casa em 2027. Mas vai além. Eles estão de olho nos poderes do Senado Federal – alguns exclusivos, como indicar ou vetar nomes do alto escalão, julgar e punir autoridades e votar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF.

A estratégia está em curso há mais de um ano e foi ventilada por expoentes da extrema direita. Agora, nós costuramos essas peças. Aliado e ex-ministro de Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí, por exemplo, disse ao Valor em junho do ano passado que a eleição do Senado é “a coisa mais importante da vida do Bolsonaro” e que o ex-presidente “tem que ter maioria no Senado”.

Em outubro, durante as eleições municipais, o deputado federal Gustavo Gayer, do PL de Goiás, revelou em post no Instagram que a ideia é “fazer uma limpa no STF”. “Dependendo do número de senadores que elegermos em 2026, não será apenas o Alexandre de Moraes que vai sair da Suprema Corte”, disse.

A confiança se sustenta no desempenho nas eleições de 2022. Das 27 cadeiras em jogo, a extrema direita levou 14, com PL, PP e Republicanos. Se reeleger os 11 senadores que estão em fim de mandato e conquistar mais 16 cadeiras país afora na disputa de 2026, o grupo de Bolsonaro conseguirá a tão desejada maioria dos senadores – e o controle da casa.

Mas por que os bolsonaristas miram tanto o Senado e não a Câmara? Que poderes o Senado tem que são tão cobiçados? É o que o Intercept Brasil detalha nesta reportagem, a primeira de uma série que se aprofunda na principal estratégia da extrema direita para as eleições de 2026 – e que já começou.

Por que a extrema direita mira o Senado

Mais chance de vitória

Um dos pontos-chave que fez o Senado virar prioridade da extrema direita é a maior possibilidade de vitória com um percentual menor de votos. Isso ocorre porque a eleição para o Senado é majoritária, ou seja, basta ser o primeiro ou o segundo candidato mais votado — quando há duas vagas em aberto, como na disputa do ano que vem — para assumir o cargo. 

Na prática, isso significa que o candidato não precisa ter mais de 50% dos votos válidos, como se exige para governador ou presidente. Basta estar entre os mais votados. Também não há um cálculo proporcional de distribuição de cadeiras, como no caso da Câmara dos Deputados, que muitas vezes é impactado por um grande puxador de votos – o que garante que candidatos menos votados do que outros sejam eleitos.

“Considerando uma disputa em um estado onde há vários candidatos, se a extrema direita obtém 25% ou 30% de eleitores, por exemplo, ela pode conseguir eleger senadores, pois o sistema é majoritário simples, ou seja, os mais votados são eleitos e não há segundo turno”, explica Wallace Corbo, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, e da FGV.

Ele pondera, entretanto, que uma aliança da esquerda com candidaturas moderadas pode reduzir essa possibilidade. “Vimos na França alianças entre a esquerda e direita moderada contra a extrema direita, e isso também pode acontecer no Brasil. Nesse cenário, por mais que 25% ou 30% dos votos tragam uma chance de vitória, uma união dos opositores pode levá-los à derrota”, pontua.

Poder político prolongado e pulverizado

Os senadores têm oito anos de mandato, ou seja, além de garantir um poder mais duradouro, os eleitos têm a possibilidade de concorrer na eleição imediatamente seguinte – quatro anos depois – a cargos como governador ou presidente sem ter que botar a vaga no Senado em risco.

Outro aspecto importante na estrutura do Senado é a que a representatividade na casa é dividida de forma igualitária entre os 26 estados e o Distrito Federal – cada um tem três cadeiras, totalizando 81 senadores. 

Nesse cenário, considerando que a extrema direita obtenha uma fatia de 25% a 30% dos votos, crescem as chances de ter ao menos um representante eleito em cada unidade federativa. “Para este grupo, pode ser mais factível ter o controle do Senado do que o da Câmara”, afirma Corbo.

Influenciar a agenda política e as votações

Como o sistema político brasileiro é bicameral, ou seja, as propostas legislativas dependem de aprovação na Câmara e no Senado, garantir a maioria dos senadores permite que a extrema direita não só influencie o resultado de votações e comissões, mas também possa barrar qualquer proposta em plenário.

Além disso, assegura um espaço para avançar pautas que não consegue atualmente na Câmara por conta da complexidade de articular com uma quantidade maior de políticos – afinal, lá são 513 deputados federais, seis vezes mais do que senadores. 

Caso consiga 41 votos no Senado, a extrema direita ainda reduz a necessidade de barganha para aprovar uma proposta de emenda à Constituição, a PEC, por exemplo, que precisa de 3/5 dos senadores – 49 votos – para ser validada na casa.

“Ter maioria simples dentro do Senado não necessariamente vai significar muita coisa, pois as propostas também precisam de aval da Câmara. Mas vai significar uma representação relevante na mesa diretora do Senado e nas comissões, o que fortalece e facilita a capacidade de impor agendas”, diz Corbo.

Votar o impeachment de ministros do STF

A Constituição prevê no artigo 52 algumas “competências privativas” ao Senado. Entre elas, está processar e julgar ministros do STF nos crimes de responsabilidade – na prática, pautar e votar o impeachment de membros da suprema corte.

Corbo explica que os pedidos de impeachment costumam avançar no legislativo por decisão dos presidentes da Câmara e do Senado. Logo, como esta é uma atribuição exclusiva dos senadores, essa agenda passa, em um primeiro momento, pela Presidência do Senado. 

Corbo ressalta que, uma vez que o presidente do Senado entenda que a denúncia reúne os requisitos mínimos, ela é recebida pela mesa do Senado e remetida para análise de uma comissão especial. “O parecer dessa comissão é submetido ao plenário, que decide se recebe ou não a denúncia. Se a maioria votar a favor, abre o processo de impeachment, com direito à ampla defesa. Por fim, são necessários 2/3 dos votos [54 senadores] para uma condenação”, explica o professor.

Neste cenário, se a extrema direita conquistar a Presidência do Senado, poderá fazer com que a abertura do processo de impeachment de ministros do STF seja votada em plenário. E, se obtiver maioria simples em plenário – 41 votos –, será capaz de aprovar o recebimento da denúncia. Para efetivar o impeachment, no entanto, são necessários 54 votos. 

Julgar e punir o alto escalão

Também cabe exclusivamente ao Senado processar e julgar outras autoridades por crimes de responsabilidade. Entre elas, estão o presidente, o vice-presidente, o procurador-geral da República, ministros de estado, comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o advogado-geral da União e membros do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, e do Conselho Nacional do Ministério Público.

Ainda é prerrogativa só do Senado aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a demissão do procurador-geral da República antes do término de seu mandato.

Nomear e vetar autoridades

Outra competência exclusiva do Senado é aprovar a escolha de autoridades, incluindo juízes, ministros do Tribunal de Contas da União, presidente e diretores do Banco Central, procurador-geral da República e titulares de outros cargos, conforme a lei (veja a lista completa).

“O Senado não é uma casa com superpoderes, mas dispõe de competências extremamente relevantes, como julgar processos de impeachment. Mas não se trata só de tirar autoridades, como também colocá-las. Logo, tem muito poder político de barganha e de participação na formação de órgãos públicos, o que é muito relevante”, destaca Corbo.

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