Acordo de Paris está funcionando? Veja o que dizem especialistas

Há cerca de 10 anos, em 2015, o Acordo de Paris foi adotado com o objetivo de fortalecer a resposta global às mudanças climáticas e reforçar o compromisso dos países para lidar e mitigar os impactos dessa ameaça. O acordo foi aprovado pelos 195 países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) durante a COP21, realizada em Paris, na França.

Na ocasião, foi definido o compromisso de manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2 °C acima dos níveis pré-industriais: especificamente, a meta do Acordo de Paris é limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

“A ciência já consolidou que o entendimento do que é seguro e do que deveria ser a meta — e os países concordam com isso em negociações posteriores — é de limitar esse aquecimento a 1,5 °C. Os países têm esse objetivo em comum”, explica Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, à CNN.

No entanto, em 2024, o planeta ultrapassou, pela primeira vez, esse limiar: o ano passado foi 1,6 grau mais quente do que o período antes da queima de combustíveis fósseis em grande escala. De acordo com a especialista, as consequências de um aumento superior a esse valor são tanto econômicas quanto climáticas.

“No Brasil, por exemplo, a agricultura é um setor muito importante e é baseada em um clima estável, com regime de chuvas. Há produtos que podem sofrer impactos gravíssimos com muitas chuvas ou poucas chuvas. Esse é um exemplo de impacto econômico, mas há um impacto nas vidas perdidas com eventos climáticos extremos e impactos de infraestrutura, como vimos as enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado”, afirma.

Acordo de Paris trouxe resultados, mas a passos lentos

A violação do limite de 1,5 grau estabelecido pelo Acordo de Paris revisitou a discussão se o tratado está, de fato, funcionando.

“Desde a assinatura do Acordo, o mundo já avançou bastante [no enfrentamento da crise climática]. Em 2015, quando ele foi assinado, a previsão era de que o mundo estava em uma rota para ficar 3,6 °C mais quente [do que o período pré-industrial]. Hoje, se você pega todas as políticas já colocadas no papel, caminhamos para um mundo 2 °C mais quente. Se você pega uma visão muito otimista com todas as promessas feitas, se chegarmos a 2050 com neutralidade de carbono — que é o que precisamos e é outra meta do Acordo –, conseguiremos limitar o aquecimento a 1,9 °C”, afirma a especialista.

Além disso, Herschmann considera que o Acordo conseguiu promover nos países o engajamento e a discussão necessária para a promoção de políticas públicas voltadas para a redução dos gases de efeito estufa. Porém, ela pondera: “Ele não está funcionando na velocidade que precisamos, nem chegando com agressividade na redução de gás de efeito estufa, que já emitimos muito. Nós precisamos ser agressivos no corte dessas emissões, e isso não está acontecendo”.

Próximas décadas serão de desafios

Para Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a violação do limiar de aquecimento global no ano passado representa um dos desafios do Acordo de Paris em relação às próximas décadas. “Será difícil reverter esse aumento da temperatura global”, afirma à CNN.

Em seu ponto de vista, um dos fatores por trás dos desafios está na própria configuração do Acordo de Paris: cada um dos países signatários participa de forma voluntária e se comprometem a estipular suas próprias metas e seus próprios métodos para cumpri-las. Isso significa que não há, internacionalmente, um termo que os obrigue a cumprir essas metas e nem uma penalidade se elas não forem atingidas.

“Isso exige muito da boa vontade dos governos e, mais do que isso, da pressão da sociedade civil organizada [para que as metas sejam cumpridas]”, analisa Bressan. “Por isso, é muito importante pensarmos em eventos internacionais que contem com organizações não-governamentais, lideranças sociais e com o interesse da população, porque são essas forças que vão garantir que seus governos sejam comprometidos em alcançaram soluções viáveis e tentarem atingir suas metas acordadas internacionalmente”, completa.

Outro ponto de desafio é a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris logo após o presidente Donald Trump tomar posse em seu segundo mandato. Para Herschmann, uma das principais consequências é a influência do país a partir dessa ação.

“[O aquecimento global] é um problema que nenhum país vai conseguir resolver sozinho. Precisamos de todos os países engajados nessa luta. Então, é um sinal muito ruim que os Estados Unidos mandam para o resto do mundo”, analisa a especialista. “Sem contar que, com a saída do Acordo de Paris, o país também sai do financiamento climático, que é o grande gargalo das transformações que precisamos ver. Muitos países dependem desses recursos que vêm de países ricos”, completa.

Já para Bressan, a atitude não foi uma surpresa, mas poderá gerar pressão dos outros países sobre os Estados Unidos. “Com as novas dinâmicas do próprio comércio, é muito possível que o mundo — que é bastante mutável — passe a pressionar os Estados Unidos para que eles cumpram determinadas medidas, haja vista que o país lidera, historicamente, as emissões de gases de efeito estufa”, afirma.

O que esperar da COP30 em relação ao Acordo de Paris?

A COP30 acontecerá em Belém, do Pará, e deverá representar uma transição de fase de negociação para esforços efetivos para o enfrentamento global às mudanças climáticas. No início deste mês, em reunião informal na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou que o Brasil espera que o evento possa fornecer um impulso para acelerar a implementação do Acordo de Paris.

Para Bressan, a COP30 é uma oportunidade para pensar em alternativas para o desenvolvimento industrial, incluindo uma transição energética que, de fato, emita menos poluentes. “Esperamos que a conferência seja, realmente, uma inovação que contribua para esse tema urgente e que tenhamos representantes e o chefes de governo no meio das florestas, entendendo as problemáticas de um país como o Brasil, que quer se comprometer em relação à pauta ambiental, mas que também enfrenta múltiplos desafios por ser um país em desenvolvimento”, afirma.

Herschmann acrescenta que a COP30 pode ser um marco para implementar, de fato, os acordos definidos pelos países signatários do tratado. “Por exemplo, na COP28, falamos que o mundo se afastaria dos combustíveis fósseis. Então, como isso vai ser implementado? Essa é a nossa expectativa. Já que vamos falar de implementação, nada mais importante do que debater como implementar algumas dessas decisões, que são difíceis e que precisam dessa concertação entre países ainda mais detalhada”, afirma.

De desmatamento a aquecimento: como o Brasil impacta o clima global

Este conteúdo foi originalmente publicado em Acordo de Paris está funcionando? Veja o que dizem especialistas no site CNN Brasil.

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