Agricultores dos EUA temem guerra comercial de Trump com a China: ‘Não podemos ser o bode expiatório’


Pacote de sobretaxas do governo Trump contra parceiros comerciais importantes ameaça agravar queda das exportações de soja e cereais, que perdura desde 2018. Plantação de trigo em Oklahoma, nos Estados Unidos, em foto de junho de 2024
REUTERS/Nick Oxford
É uma manhã de sexta-feira no estado de Maryland. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem anunciado planos para impor tarifas a diversos parceiros comerciais importantes, como Canadá, México, União Europeia e China.
Entre os campos de milho e soja, surge a questão: o que os agricultores acham desses desdobramentos? Eles serão capazes de enfrentar a incerteza de uma presidência imprevisível?
Enquanto alguns dizem confiar na decisão do presidente, outros temem que o setor acabe se tornando o “bode expiatório” da guerra comercial, arcando com as consequências das taxas.
O presidente conta com o forte apoio da comunidade agrícola americana, dizendo repetidamente que os produtores compreendem os problemas. Desta vez, contudo, as guerras comerciais e disputas tarifárias ameaçam a subsistência de muitos fazendeiros.
Em Greenwood, a duas horas de carro de Washington, está a fazenda de Richard Wilkins, que cultiva soja desde 1973. Ele exporta parte da produção para os mercados globais por meio do Porto de Virgínia. Como é inverno, os seus campos estão vazios.
O fazendeiro argumenta que os EUA tentaram liderar pelo exemplo, ao abrir amplamente seus mercados para importações de todo o mundo.
“A expectativa era que esse exemplo encorajaria outros países a fazerem o mesmo e nos darem acesso. Se as tarifas são necessárias para nos posicionar melhor num mercado aberto e na livre concorrência no resto do mundo, estou totalmente do lado do presidente.”
Assim como outros agricultores, ele diz ter uma forte sensação de que Trump nutre, de fato, “uma grande simpatia pelo fazendeiro americano”.
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“Aguentem junto comigo”: até quando?
Josh Messick, do município de Sussex, tem 27 anos e trabalha desde os 12 nas plantações da família, cuja fazenda de 485 hectares produz milho, soja, trigo e cevada. Ele está preocupado com a atual volatilidade do mercado.
“É definitivamente uma época assustadora. A gente não sabe se quer fechar um contrato [de venda] de milho agora, ou esperar até o outono, na época da colheita. Eu simplesmente tenho que confiar que Trump vai nos dar respaldo.”
O impacto total das medidas comerciais de Trump pode não se refletir até a próxima safra. No curto prazo, alguns produtos agrícolas devem ficar mais baratos para o consumidor se as exportações caírem.
Por outro lado, milho, trigo e soja só representam uma parcela relativamente pequena dos preços dos alimentos no varejo.
Em seu discurso de posse de 20 de janeiro, no Congresso, Trump alegou que as importações agrícolas prejudicavam os fazendeiros americanos e pediu que eles “aguentassem junto”, dizendo que trabalhava para protegê-los.
Messick diz ter achado “esquisito” que o novo presidente tenha falado isso, e agora se pergunta por quanto tempo vai ter que “aguentar as pontas com ele”.
“Nossos preços de mercado mais altos costumam ser durante a estação de cultivo, em maio ou junho. Então a questão é se a gente espera até lá, ou precisa vender a safra agora. E se a China decidir que não quer comprar nada da gente?”
Ele não é o único produtor de soja de Maryland preocupado em perder sua fatia de mercado devido à política do presidente.
Um colega seu comenta: “A gente torce para chegar a um certo equilíbrio, mas as decisões de Trump me deixam inquieto. Se vamos ter que aguentar perdas de curto prazo, eu espero que o governo providencie apoio.”
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Ao sabor da instabilidade de Trump
O presidente republicano ainda não anunciou nenhum tipo de assistência financeira aos produtores de soja, cujas exportações, especificamente para a China, vêm caindo há anos.
Segundo a Comissão de Comércio Internacional dos EUA (USITC), as vendas do produto para o país asiático caíram 75% em 2018, quando Trump desencadeou uma guerra comercial com Pequim.
Ao todo, as exportações agrícolas americanas para o país caíram de 24 bilhões de dólares (R$ 138 bilhões), em 2014, para menos de 10 bilhões de dólares em 2019.
Ainda assim, a Casa Branca tem anunciado o plano de introduzir tarifas comerciais recíprocas – que entrarão em vigor contra a União Europeia em 2 de abril.
Em sua plataforma Truth Social, Trump instou os fazendeiros nacionais a “se prepararem para produzir um monte de produtos agrícolas para serem vendidos DENTRO dos Estados Unidos”.
De acordo com Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja (ASA), contudo, os agricultores ainda não se recuperaram da guerra comercial de 2018.
Ele enfatiza a importância de manter o acesso ao mercado chinês, alertando que o setor já se confronta com “perdas potencialmente pesadas” em 2025.
Ragland frisa que ele e seus colegas “não podem arcar com a carga” das sobretaxas agrícolas: “Não podemos ser o bode expiatório, que carrega o grosso da dor pelo bem de todos os outros.”
Ele pede a Trump que negocie “proativamente” com a China e outros países, e acrescenta: “Vamos tentar seguir em frente e conseguir o acordo comercial que ele negociou durante o primeiro mandato.”
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