STF e pejotização: especialistas explicam o que está em jogo

A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desta segunda-feira (14), de suspender todos os processos que tratam da legalidade da “pejotização” — a contratação de profissionais como pessoas jurídicas — gerou reações entre especialistas e aumentou a expectativa sobre o futuro das relações de trabalho no país.

O STF discute um caso envolvendo um corretor de seguros contratado como PJ e vai definir, com repercussão geral, se esse tipo de vínculo configura relação de emprego.

Com a suspensão, nenhum processo sobre o tema pode seguir até que a Corte firme um entendimento que será obrigatório para os demais tribunais.

Para o sócio da Advocacia Maciel e advogado trabalhista Pedro Maciel, a medida busca uniformizar os posicionamentos da Justiça do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que hoje são divergentes.

Ele entende que o julgamento pode esclarecer se é necessária a comprovação de fraude e quem deverá arcar com esse ônus, mas pondera que a Justiça do Trabalho deve seguir responsável por analisar os casos. Ele também ressalta que a decisão aprofunda uma tensão já existente entre o STF e a Justiça do Trabalho.

“É importante observar que essa decisão do STF se insere em um contexto mais amplo de tensão com a Justiça do Trabalho. Apesar de buscar uniformização, o STF já sinalizou críticas ao TST e aos tribunais trabalhistas por, supostamente, não seguirem suas diretrizes”, pontuou.

“Por outro lado, a Justiça do Trabalho, que analisa os contratos com base na realidade das relações, tem decisões variadas — algumas reconhecendo a validade da pejotização, outras caracterizando fraude”, concluiu.

Na avaliação da especialista em direito trabalhista, sócia do RCA Advogados Elisa Alonso, a decisão é mais que uma medida processual: representa um gesto político-jurídico para conter a insegurança causada por decisões conflitantes.

Ela ainda avalia que, para as empresas, a suspensão traz alívio momentâneo.

“Especialmente nos setores que operam com alta demanda por especialização técnica e flexibilidade contratual, como tecnologia, saúde, advocacia e representação comercial, o uso de modelos de contratação alternativos à CLT tem sido vital para viabilizar operações, reduzir custos e adaptar a prestação de serviços às dinâmicas modernas de mercado”, disse.

Mesmo assim, alerta para o risco aos trabalhadores, de que a um entendimento mais “permissivo” sobre pejotização “pode significar uma perda importante de proteção social e de garantias trabalhistas”, pois há, de fato, “inúmeros casos” de relações de trabalho estabelecidas como vínculos trabalhistas.

A especialista também pontua que o critério para diferenciar contratações legítimas de fraudes será decisivo, especialmente se o STF decidir que cabe ao trabalhador comprovar a irregularidade.

Para o advogado e mestre em gestão de negócios Lucca Mendes, o impacto é direto na tomada de decisão dos empreendedores.

“Como esperar que os empresários e as empresas foquem em planejamento se o contexto em que estão inseridos é repleto de incertezas e as regras do jogo mudam a todo momento?”, questiona.

Segundo ele, a suspensão dos processos aumenta os riscos no curto prazo, pois impacta na quantidade de contratações, que pode ser menor no período. Além disso, o jurista também atrela a questão às condições de ambiente de investimento no Brasil, como a elevada taxa básica de juros – em 14,25% ao ano.

Para Lucca, é preciso reconhecer o cenário de instabilidade enfrentado pelos empregadores.

“Fica mais uma complexidade para o empreendedor, que não sabe até onde vai a sua liberdade de escolher o modelo que pretende nortear as relações. É por essa e outras razões que de fato precisamos valorizar e respeitar os empreendedores deste país, verdadeiros guerreiros”, defendeu.

Para o especialista em direito empresarial Leonardo Roesller, a decisão do STF, embora formalmente respaldada, impõe riscos relevantes à segurança jurídica, à livre iniciativa e à capacidade de inovação do setor produtivo, sobretudo em áreas intensivas em tecnologia.

Ele afirma que o problema não está na coibição de fraudes trabalhistas, mas no risco de se presumir ilegal toda e qualquer contratação por pessoa jurídica, desconsiderando a autonomia da vontade e os princípios constitucionais da liberdade econômica.

“O ponto central da discussão não está na coibição de fraudes trabalhistas, o que é legítimo e necessário, mas no risco de se transformar toda e qualquer relação contratual entre pessoas jurídicas e empresas em um ato presumidamente irregular, desconsiderando a autonomia da vontade e a liberdade econômica garantidas pela Constituição Federal”, afirma.

“Hoje, a pejotização, quando realizada dentro dos limites legais, é um instrumento legítimo de contratação moderna, amplamente utilizado por empresas dos setores de tecnologia, marketing, audiovisual, medicina, educação, logística, engenharia, consultoria, entre muitos outros. Não se trata de precarização, como alegam alguns setores da crítica ideológica. Trata-se, na realidade, de um novo paradigma de trabalho, onde o modelo clássico da CLT muitas vezes não se mostra funcional”, frisa.

Enquanto a Corte não firma sua posição, casos semelhantes seguirão suspensos em todo o país.

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Este conteúdo foi originalmente publicado em STF e pejotização: especialistas explicam o que está em jogo no site CNN Brasil.

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