
Uso de peles sintéticas e vintage tem sido impulsionado por jovens, mas reacende debate antigo sobre impactos ambientes e exploração animal. A volta dos casacos de pele, vintage ou sintéticos, tem sido impulsionada por jovens
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De Tory Burch em Nova Iorque e Simone Rocha em Londres, até Fendi em Milão e Miu Miu em Paris, a pele dominou as passarelas outono/inverno 2025-2026.
E as celebridades acompanharam as tendências, com Hailey Bieber, Kendall e Kylie Jenner, Taylor Swift e Rihanna passando o início do ano vestidas com casacos de pele falsa e vintage.
A última vez que a pele esteve nos holofotes foi em 2017, quando a Gucci decidiu banir o uso de peles de animais em suas coleções, influenciando várias marcas de luxo a fazerem o mesmo.
O movimento foi bem visto pelos defensores dos direitos dos animais, mas o que se viu a seguir foi o surgimento de um novo problema: grande parte das peles foi substituída por alternativas sintéticas derivadas de combustíveis fósseis.
Com tantas tensões sobre bem-estar animal e meio ambiente, por que agora a pele voltou à moda?
Marcas como Gabriela Hearst apresentaram casacos de pele falsas como parte das coleções outono/inverno 2025/2026
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Tudo começou no início de 2024 com a chegada da estética “Mob Wife” — ou na tradução para o português, “esposa de mafioso” — uma resposta glamurosa à tendência minimalista que a antecedeu: a riqueza discreta.
“Reviver looks históricos para uso contemporâneo é um processo natural do ciclo da moda. É um escapismo, e quem não quer um pouco disso?”, diz Natascha Radclyffe-Thomas, professora associada do MBA em Negócios da Moda e Empreendedorismo na Ravensbourne University, em Londres.
“Eu estava em uma sala quando [antigo CEO] Marco Bizzarri anunciou que a Gucci não iria mais usar pele animal em suas coleções, e eu lembro o quão impressionante foi essa mudança para uma marca de luxo italiana, em que a pele era um material tão presente. Mas a questão da pele falsa também é algo complicado”.
Radclyffe-Thomas acrescenta que, desde a decisão das marcas de grife de banir a pele animal das coleções, o mercado de peles falsas evoluiu da “pele divertida” – com custo barato, cores vibrantes e que não tentavam imitar uma pele verdadeira – para um outro nível de qualidade, em que a maioria dos consumidores não sabe diferenciar a pele verdadeira da falsa.
Com isso, a produção de tecidos feitos à base de combustíveis fósseis cresceu no mundo todo, sendo o poliéster o mais comum, responsável por 57% de toda a produção.
Até mesmo as roupas feitas de poliéster reciclado são um problema, porque o modelo não é circular. A grande maioria é feita usando garrafas plásticas, e não têxteis antigos, o que significa que a peça não pode ser reciclada novamente, e provavelmente vai acabar em aterros sanitários.
A influencer de moda Sonia Lyson está entre a nova onda de fãs dos casacos de pele
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Uma forma de manter as peles falsas fora dos aterros, ou atrasar esse processo, é mantê-las em circulação.
Na empresa de aluguel de roupas By Rotation, o aluguel de casacos de pele falsa e lã já vinha crescendo antes mesmo dos desfiles nas passarelas. A marca londrina Charlotte Simone – que teve os casacos de pele falsa vestidos por Taylor Swift, Dua Lipa e Madonna – é a terceira marca mais alugada de casacos e jaquetas.
“Peles falsas de alta qualidade e bem feitas, especialmente de marcas de grife, tendem a durar mais, o que significa que é mais provavél que elas sejam passadas adiante, vendidas ou alugadas do que descartadas”, afirma Eshita Kabra-Davies, fundadora e CEO da By Rotation, à BBC.
É esperado que o mercado global de peças de “segunda mão” atinja $367 bilhões (aproximadamente R$ 2,1 trilhões na cotação atual) até 2029, com um recorde de consumidores comprando esse tipo de roupa em 2024.
Neste ano, desde que as coleções de Outono/Inverno 2025-2026 foram apresentadas, as buscas por peles reais e falsas dispararam nas plataformas de aluguel e de varejo online.
Mudança de gostos
Holly Watkins, proprietária da boutique vintage One Scoop Store no norte de Londres, diz que, nos últimos anos, viu uma mudança considerável na venda de peles verdadeiras para peles alternativas falsas, em resposta às mudanças de gostos e demandas de seus clientes.
“Eu só vendo pele verdadeira se for uma peça vintage super especial que eu não consigo dizer não, ou se tiver um colarinho ou acabamento removível”, ela conta à BBC.
“Eu, pessoalmente, não tenho problema com pele antiga [verdadeira], é melhor prolongar sua vida útil do que mandar para aterros. Eu tenho mais problema com o poliéster, que nunca vai se biodegradar”.
Mas em conversas com revendedores de peças vintage no oeste de Londres – onde ficam feiras de rua famosas como o mercado Portobello – Watkins diz que muitas lojas nunca pararam de vender peles verdadeiras, tanto antigas quanto novas, com os jovens ajudando a impulsionar essa tendência.
“A pele voltou à moda. Os jovens querem mais” foi o título de um artigo recente publicado pelo Wall Street Journal, e o consenso parece ser que a Geração Z está comandando a volta das peles vintage.
Margot, personagem interpretada por Gwyneth Paltrow na comédia “Os Excêntricos Tenenbaums, usou um famoso casaco vintage de pele
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A Madison Avenue Furs, a maior compradora de peles usadas nos Estados Unidos, relatou um aumento significativo nas vendas, principalmente de peças usadas. “Nós vimos estudantes universitários comprarem peles, algo que não acontecia há anos”, disse Larry Cowit, proprietário da Madison Avenue Furs, à BBC.
“As novas peles eram uma preocupação de muitos jovens e, eticamente, eles estavam confortáveis com o vintage.”
Segundo Cowit, os clientes estão comprando peles vintage de todos os tipos, incluindo pele de vison – uma espécie de mamífero da família do furão -, raposa e castor, com silhuetas maiores, de grifes como Christian Dior, Fendi, Oscar de la Renta, Prada e YSL. “Assim que essas marcas chegam, elas são vendidas rapidamente”.
Nas passarelas dos últimos eventos da Fashion Week, grande parte das peles eram falsas, embora entre as manchetes da Paris Fashion Week estivesse um casaco de vison feito de pele vintage da Gabriela Hearst, uma marca de grife que se posiciona como “luxo com consciência”.
Defensores de direitos dos animais não aceitam o argumento de ‘pele vintage’. “Independentemente de quando o dano foi causado, a pele vintage continua sendo roupa feita da pele de um animal morto e enjaulado sem necessidade”, diz Emma Håkansson, fundadora do coletivo Fashion Justice.
“É um símbolo da supremacia humana sobre os outros animais, e nós não deveríamos aceitar isso em pleno século XXI, quando nós temos inúmeras opções que não incluem exploração animal, morte de espécies selvagens ou criação industrial”.
Uma nova alternativa
Entre as alternativas para peles feitas de combustíveis fósseis e de animais está a Savian, uma pele 100% à base de plantas feita de urtiga, linho e cânhamo originários da Europa e produzida na Itália.
Desenvolvida pela empresa BioFluff, a primeira peça produzida com Savian foi um casaco desenhado pela grife da estilista Stella McCartney, lançado durante a COP 28 em novembro de 2023.
No ano seguinte, a pele foi usada pela marca dinamarquesa Ganni para criar uma coleção de bolsas para a Copenhagen Fashion Week.
Casacos de pele falsa de marcas de luxo famosas como a Shrimps têm mais chances de revenda
One Scoop Store
“Nós estamos trabalhando com várias marcas nos mercados de luxo, contemporâneo e acessível para desenvolver materiais adequados às suas necessidades”, disse o cofundador da BioFluff, Roni Gamzon, acrescentando que o custo ainda é um desafio para expandir a adoção de materiais dessa nova geração.
“Muitas marcas construíram uma dependência de materiais sintéticos de baixo custo fabricados em massa no Extremo Oriente, o que torna impossível para nós competir puramente pelo preço.”
BioFluff faz parte da La Maison des Startups, um programa do conglomerado de luxo LVMH para acelerar a implementação de novas soluções dentro do seu portfólio de marcas, que inclui Louis Vuitton, Christian Dior, Fendi e Céline.
Por outro lado, a LVMH também ajuda a financiar a Federação Internacional de Pele, pagando 300 mil euros (aproximadamente R$ 1,9 milhão na cotação atual) de adesão ao Furmark, um sistema global de certificação e rastreabilidade de peles verdadeiras.
Impacto ambiental
O argumento de que a pele sintética tem um impacto ambiental maior do que a pele verdadeira é questionado por um estudo científico de 2013, que comparou o impacto de casacos de pele verdadeira de vison com casacos de pele falsa, e constatou que a produção de casacos verdadeiros de vison tem um impacto climático maior.
Quando esse estudo é considerado juntamente com outros dois fatores – aproximadamente 100 milhões de animais são mortos para que suas peles sejam usadas e mais de 100 bilhões de itens de vestuário são produzidos globalmente a cada ano (com 65% terminando em aterros dentro de 12 meses) – será que a produção de roupas de pele é justificada?
Peças de pele vintage, tanto falsas quanto verdadeiras, estão cada vez mais em alta
One Scoop Store
Cowit, que continua vendendo tanto novos tipos de pele quanto peles vintage, acredita que cabe aos clientes fazer essa escolha, enquanto Radclyffe-Thomas diz que se viu questionando sua opinião contra peles verdadeiras quando trabalhou nos Estados Unidos e conheceu pessoas que caçavam como parte de suas tradições.
“Para muitas culturas indígenas, a pele dos animais faz parte de uma herança cultural usada para vestimentas em cerimônias e no dia a dia, e eu acho que há um argumento a ser respeitado”, ela diz, antes de lembrar da sua época como estudante, quando aprendeu técnicas de costura com um peleiro.
“Aquelas aulas me fizeram perceber a realidade do número de animais que são mortos para que roupas sejam feitas, e isso foi fundamental para que eu tivesse minha opinião sobre isso: eu nunca considerei comprar uma pele verdadeira”.
*Ana Santi é autora do livro Three Things to Help Heal the Planet (Três coisas para ajudar a curar o planeta, na tradução para o português), publicado pela Welbeck Balance.
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