Pena de morte: Trump quer fazer Luigi Mangione de exemplo

Após anunciar, no começo do mês, a intenção do governo Trump de pedir pena de morte para Luigi Mangione, a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, deu uma entrevista à Fox News. Durante a entrevista, ela deu a entender que a única “crise constitucional” em curso no país são as decisões judiciais em oposição aos desmando de Trump, e deixou claro que o Departamento de Justiça não vai tolerar dissidências dos procuradores — um deles acabou de ser suspenso por admitir que não havia provas contra Kilmar Abrego Garcia, que foi abduzido e levado para uma prisão em El Salvador.

Além de aparelhar e subjugar o Departamento de Justiça, Trump assinou, logo no começo do mandato, um decreto manifestando a intenção de “pedir pena de morte em todos os crimes cuja gravidade justifique seu uso”. Ou, como Pam Bondi declarou à Fox News, “vamos pedir a pena de morte sempre que possível”.

Mangione, de 26 anos, está enfrentando acusações criminais em três jurisdições diferentes: na justiça estadual de Nova York e da Pensilvânia, e na justiça federal do Distrito Sul de Nova York, sob o argumento de que ele teria atravessado o limite entre estados para praticar o crime. A princípio, ele deve ser julgado primeiro nas justiças estaduais, mas isso pode mudar.

Sua advogada de defesa, Karen Friedman Agnifilo, divulgou um comunicado alegando que “Luigi está sendo objeto de um cabo-de-guerra de alto risco entre os procuradores federais e estaduais, em que o troféu é a vida de um rapaz”. Na última semana, um júri da justiça federal recebeu a denúncia contra ele. Ele já havia sido denunciado na justiça estadual.

Ainda é muito cedo para saber o que o caso de Mangione pode revelar sobre as intenções do governo Trump em relação à pena de morte, mas os advogados de defesa alegam que Bondi desrespeitou os procedimentos regulares. Em uma petição protocolada em 11 de abril, solicitaram que o juízo federal impeça o governo Trump de pedir a pena de morte contra seu cliente, mencionando a conduta ilegal no caso de Abrego Garcia. “Não são tempos normais”, dizia a peça.

“Uma das minhas maiores questões é se o Departamento de Justiça seguiu suas próprias políticas na decisão de pedir pena de morte para o Sr. Mangione”, diz Robin Maher, diretora-executiva do Centro de Informações sobre Pena de Morte. Os advogados de defesa consideram que a acusação é “uma manobra política”, e acusam Bond de ignorar “o protocolo estabelecido do Departamento de Justiça para a pena de morte, que ela abandonou completamente”.

Embora a procuradora-geral tenha poderes para decidir sobre pedir ou não pena de morte, em geral esses casos decorrem de recomendação do procurador responsável pelo caso, em um procedimento que inclui a participação dos advogados de defesa e uma reunião em Washington com o Comitê de Revisão dos Casos Capitais do Departamento de Justiça. Os advogados de Mangione contam que só participaram de uma chamada de vídeo “improvisada” nos últimos dias do governo de Joe Biden, e não tiveram notícias sobre a decisão final após a posse de Trump. Pam Bondi então divulgou o comunicado de imprensa onde sinalizou a intenção de pedir pena de morte para Luigi.

Trump não é conhecido por ser uma pessoa criteriosa em suas análises. Seu decreto sobre pena de morte, movido a ressentimento e desejo de vingança, foi uma resposta à relutância do Departamento de Justiça de Biden em propor a pena capital — e especialmente à decisão de Biden de conceder clemência a 37 homens no corredor da morte federal.

Existe uma diferença muito grande entre acusar alguém como Mangione por um crime passível de pena capital, e convencer 12 pessoas a mandá-lo para o corredor da morte.

O caso de Mangione ainda deve levar anos para ser julgado. As exigências nos casos de pena capital são dispendiosas e demoradas. Inicialmente, há uma fase de investigação da culpa, mas além dela, os casos de pena de morte também envolvem uma investigação de mitigação separada e aprofundada.

E ainda que Pam Bondi pretenda fazer Mangione de exemplo logo, uma condenação à pena de morte precisa, necessariamente, ser proferida por um júri. E existe uma diferença muito grande entre acusar alguém como Mangione por um crime passível de pena capital, e convencer 12 pessoas a mandá-lo para o corredor da morte.

O último acusado a enfrentar um julgamento de vida ou morte em um tribunal de Manhattan foi Sayfullo Saipov, que jogou seu automóvel contra uma ciclovia lotada, matando oito pessoas e ferindo várias outras. O terrível ataque, praticado em nome do Estado Islâmico, aconteceu em 2017, o primeiro ano de Trump no governo, e ele imediatamente pediu a pena de morte em um tweet com letras garrafais. Mas Saipov só foi julgado depois que Trump deixou o poder, e embora o procurador-geral de Biden tenha seguido com o pedido de pena de morte, o júri acabou chegando a um impasse, e Saipov foi condenado à prisão perpétua.

Dizer que Mangione é uma figura mais simpática para o público do que Saipov seria um eufemismo. Mangione se tornou um herói popular, a tal ponto que sua equipe de defesa precisou criar um site, que tem até uma seção de perguntas frequentes e uma nota do próprio Luigi lamentando não poder responder a todas as cartas que recebe. Não importa o que o Departamento de Justiça de Trump faça para levá-lo a julgamento, existe uma chance significativa de que ele seja poupado pelo júri.

O mesmo se pode dizer de possíveis casos futuros. Embora tenha havido recentemente um ressurgimento das execuções e uma expansão de novos métodos nos estados dos EUA, ano após ano os jurados continuam a rejeitar a pena de morte. “A opinião pública dos EUA se afastou de forma muito deliberada da pena de morte durante os últimos 20 anos”, diz Maher. “Isso não mudou, mesmo com o entusiasmo do presidente Trump pela pena de morte.”

Além de tudo isso, existem décadas de história mostrando como é raro que os processos penais com pedido de pena de morte de fato terminem em execução. O Conselho de Recursos sobre Pena de Morte Federal reúne estatística sobre os casos concluídos desde 1988, ano em que a pena de morte federal foi reintroduzida. 

Até junho de 2024, 4.893 réus haviam sido acusados de crimes em que a pena de morte seria possível. Desses, o Departamento de Justiça autorizou o processo penal com pedido de pena de morte para 541 pessoas. Na grande maioria dos casos, o resultado não foi a execução: 146 acusados fizeram um acordo de transação penal; 151 foram a julgamento, mas receberam uma pena de prisão perpétua; e em 110 casos, o governo retirou a autorização para a pena de morte antes do julgamento, ou depois que uma condenação à pena de morte havia sido revertida.

No total, 83 réus, ou 15% dos 541, foram condenados à morte. Desses 83, 16 foram executados. Atualmente há apenas três pessoas no corredor da morte federal nos EUA.

Esses número refletem, de forma geral, a história da chamada pena de morte “moderna”. Nos estados, a maioria das condenações à pena de morte nunca levou a uma execução. O sistema federal sempre representou uma pequena fração das penas de morte no país, e mesmo a campanha mais intensa pela pena capital não deve reverter essa tendência.

Após a audiência do dia 18 na justiça federal, em que a denúncia contra Mangione foi recebida, a próxima, na justiça estadual, só deve acontecer em junho. Ele tem pela frente uma longa saga judicial, assim como a família de sua vítima, que provavelmente esperará muitos anos até que comece o julgamento. O próprio julgamento pode durar vários meses, da seleção dos jurados até a fase de sentença. E caso os procuradores federais consigam convencer 12 pessoas a condená-lo à morte, os recursos contra a decisão devem se arrastar por pelo menos uma década, talvez duas.

Trump, que atualmente está com 78 anos, não deve estar lá para ver.

(N. da T.: Esta matéria é uma versão traduzida e resumida do original em inglês, publicado pelo Intercept dos EUA.)

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