Nas próximas semanas, 135 cardeais eleitores vão se reunir na Capela Sistina para definir quem sucederá o papa Francisco no comando da Igreja Católica.
A eleição de um chefe de Estado do Vaticano gera discussões ao redor de nomes considerados fortes candidatos. Há até mesmo um termo italiano para definir esses cardeais: “Papabile” (“papável”, em tradução literal).
Apesar das especulações, existe um ditado popular cauteloso que afirma: “Quem entra no conclave como papa, sai como cardeal”. Ou seja, ser considerado um forte candidato não garante nada.
A CNN ouviu especialistas para entender o que se pode esperar do próximo papa. Veja os nomes dos principais cotados ao final da matéria.
Tendência histórica dá pistas sobre próximo papa
O vaticanista e doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Filipe Domingues, destaca que, na história recente, a liderança da Igreja Católica costuma alternar entre um papa “mais carismático e midiático” e outro “mais contido”.
“Olha para trás: você tinha o papa João Paulo II, que era muito carismático, fez um pontificado muito longo e fez muitas coisas. O pontificado que se seguiu foi o de Bento XVI, que não foi tão curto, mas foi um papa mais centrado, mais reflexivo”, declarou o diretor do Instituto Católico Lay Centre, com sede em Roma.
Ele aponta que o contraste se repetiu nos perfis, por exemplo, do papa João Paulo XXIII, que comandou a Igreja entre 1958 e 1963, e do papa Paulo VI, cujo pontificado durou de 1963 a 1978.
“[O papa João Paulo XXIII] foi super dinâmico, falava muito, saía muito, brincava com as pessoas e convocou o Concílio Vaticano II [evento histórico que reformou a Igreja] – e ninguém esperava isso. Depois, veio Paulo VI, que foi um papa mais estadista, mais interiorizado, mais tímido, apesar de também ter feito um pontificado muito importante”, disse Domingues.
Como os cardeais chegam ao conclave após Francisco?
O especialista destaca que, em 2013, quando Francisco foi eleito, o conclave aconteceu em um contexto no qual havia um consenso sobre a necessidade de se aplicar novas reformas na Igreja Católica.

“Todo mundo falava que era hora. Era uma Igreja que precisava de uma sacudida. O papa Francisco foi quem encarnou essa ideia quando falou em uma Igreja ‘em saída’. [Uma Igreja] que não fica trancada nos templos, mas que sai e vai ao encontro dos outros, vai às periferias geográficas e existenciais”, pontuou.
Domingues explica que, agora, não existe esse “grande clamor” por novas reformas, mas uma necessidade de se dar continuidade para consolidar e ajustar o processo iniciado por Francisco.
“Na minha visão, é o momento de um papa de continuidade. Continuidade em que sentido? Ele vai ter talvez um estilo diferente, talvez uma prioridade mais concentrada em um tema ou outro. Por exemplo, alguém mais concentrado nas relações diplomáticas. Pode ser que a pessoa surpreenda também, mas é difícil”, completou.
O sociólogo e ex-coordenador do Núcleo “Fé e Cultura” da PUC-SP, Francisco Borba, concorda com a posição de Domingues.
“Francisco deixa uma Igreja em um grande processo de mudança, com muitos conflitos internos. Alguns podem ter esperança de voltar atrás no processo, mas quase todos sabem que isso é impossível. Seria como tentar engatar a marcha ré num carro em alta velocidade: você estoura a caixa de câmbio e provavelmente sofre um acidente grave”, pontua Borba à CNN.
“Contudo, os conflitos terão que ser superados. Assim, o futuro papa será escolhido entre aqueles cardeais que mostrarem, no conclave, capacidade de dar continuidade às mudanças iniciadas por Francisco, mas acomodando também as posições contrárias”, acrescenta o editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo.
A CNN também contatou Roberto Regoli, chefe do Departamento de História da Igreja na Pontifícia Universidade Gregoriana. Considerado um dos maiores especialistas em história contemporânea do Vaticano e da Cúria Romana, ele afirmou, por e-mail, que “antes de falarmos sobre os nomes dos papabili, precisamos entender quais são as urgências da Igreja neste momento – no nível da vida interna e das relações com o mundo”.
“Internamente, há a urgência da unidade entre os católicos e, nas relações com o mundo, parece significativo entender onde situar a Igreja Católica entre os diferentes impérios”, acrescentou, em referência às disputas entre as grandes potências globais.
“Não é eleição de direita contra esquerda”, diz especialista
No momento deste próximo conclave, o Colégio de Cardeais tem 135 eleitores, ou seja, cardeais com menos de 80 anos.
Hierarquia da Igreja Católica: entenda os principais cargos e funções
A maior parte deles vem da Europa, com 53 cardeais, seguido por Ásia (23), América do Sul (17), África (18), América do Norte (16), América Central (4) e Oceania (4).
Dos 135 eleitores, 108 foram proclamados cardeais pelo papa Francisco, 22, pelo papa Bento XVI e 5, pelo papa João Paulo II.

O escritor e historiador australiano Paul Collins, mestre em Teologia pela Harvard, publicou um artigo intitulado “The Next Pope?” (“O próximo papa?”, em tradução literal), no qual discorre suas projeções para o próximo conclave.
“Além dos [cardeais] europeus e norte-americanos, a diversidade cultural e geográfica dos outros torna esse conclave difícil de se prever”, escreveu Collins, que foi padre católico por 33 anos.
O professor Francisco Borba enfatiza que o conclave, apesar de ser uma votação para escolher um chefe de Estado, opera em uma lógica diferente das tradicionais eleições políticas.
“Não é como uma eleição para presidente do Senado ou da Câmara. Cada cardeal é bastante independente em sua arquidiocese e não está procurando um papa que vai favorecê-lo, como acontece com deputados e senadores. O que importa para um cardeal é que o papa resolva bem os problemas da Igreja universal”, disse à CNN.
“Por isso, afora alguns pouquíssimos casos de cardeais com interesses partidários muito bem definidos, a maioria votará, no conclave, naquele que se mostrar mais capaz de dar respostas aos problemas que eles estão sentindo e têm dificuldade de resolver”, completou Borba.
O vaticanista Filipe Domingues reforça essa ideia: “É importante lembrar que não se trata de uma eleição de direita contra esquerda. É a busca de um consenso.”
“[O conclave] não é sobre fazer campanha, acordos. É diferente. É sobre achar um nome que a maioria [dos cardeais eleitores] identifica como uma autoridade moral. Se ficarem disputando entre dois, é necessário achar um terceiro”, completou.
Os atuais cotados para próximo papa
Os dias entre o funeral do papa e o início do conclave são essenciais e podem causar mudanças repentinas entre os principais “papabili” (plural de “papabile”). É um momento no qual os cardeais se reúnem para discutir as principais questões que a Igreja enfrenta e se fala abertamente sobre a sucessão papal – já não há mais tabu.
Muitas listas circulam há anos entre especialistas, imprensa e casas de apostas com os cardeais mais cotados para suceder a Francisco.
Essas relações costumam trazer, no mínimo, 10 nomes considerados bons candidatos – o que reforça a imprevisibilidade da votação em um conclave.
No entanto, existem algumas “apostas” que são presença constante nessas listas.
É o caso, por exemplo, do cardeal italiano Pietro Parolin, que desde 2013 atua como secretário de Estado do Vaticano – cargo que basicamente reúne as funções de um primeiro-ministro e um ministro das Relações Exteriores, além de ser considerado o “número 2” do papa.

Fontes com conhecimento do Vaticano ouvidas pela CNN, que falaram sob a condição de anonimato, dizem ver Parolin como um forte candidato e destacam seus quase 40 anos de experiência na diplomacia da Santa Sé.
O Vaticano descreve o cardeal como alguém “particularmente especialista em assuntos relativos ao Oriente Médio e à situação geopolítica do continente asiático”.
Entre 2009 e 2013, ele também atuou como núncio apostólico (espécie de “embaixador da Santa Sé”) na Venezuela, em um momento de crise na relação da Igreja Católica com o governo de Hugo Chávez. Parolin ainda teve papel importante na intermediação das negociações que levaram à retomada das relações de Cuba e EUA, em 2015.
Se o perfil diplomático do cardeal em um mundo enxameado de conflitos é visto como ponto forte para alguns especialistas, outros destacam seus contras.
Uma fonte destacou à CNN, sob a condição de anonimato, que Parolin é visto como “um burocrata do Vaticano” e é esperado “que essa seja uma figura cada vez menos provável no papado”. “Apesar de Parolin se encaixar nos critérios de continuidade e facilidade de articulação, não tem o histórico mais provável para um papa”, relatou.
O vaticanista australiano Paul Collins avaliou que Parolin tem forte identificação com as ideias de Francisco, “mas não tem experiência pastoral e nunca administrou uma diocese”. Collins ainda citou “escândalos financeiros complexos” que aconteceram na Secretaria de Estado durante o mandato do cardeal. “No início do papado de Francisco, ele era visto como um nome ‘quente’, mas seu brilho diminuiu consideravelmente”, acrescentou.
O favorito para a disputa, na visão de Collins, é o cardeal italiano Matteo Zuppi – outro nome que consta em todas as listas que circulam.

Assim como Parolin, ele também carrega grande experiência diplomática em sua atuação na “Comunidade de Santo Egídio” – organização católica apelidada de “a pequena ONU de Trastevere”, em referência ao bairro romano onde fica sua sede.
Por exemplo, em 1992, Zuppi foi um dos mediadores que alcançaram o acordo de paz para encerrar mais de 16 anos de uma guerra civil sangrenta em Moçambique. O cardeal também foi escolhido como o enviado de paz do papa para lidar com a guerra na Ucrânia.
“Zuppi tem a seu favor a experiência na Comunidade de Santo Egídio, uma organização muito afinada com a linha pastoral de Francisco, e o posto na Conferência Episcopal Italiana, que o qualifica também como articulador político”, relatou uma fonte.
Um artigo do escritor especialista em Vaticano Marco Roncalli, traduzida pelo Instituto Humanitas Unisinos, destaca que Zuppi “se tornou um ponto de referência na vida urbana de católicos e não católicos, crentes e não crentes, quase uma autoridade civil além de religiosa, com capacidade imensas de mediação e concertação”.
Outro italiano cotado como “papabile” é o cardeal Pierbattista Pizzaballa.

Ele comanda desde 2016 o Patriarcado Latino de Jerusalém – uma das mais importantes arquidioceses católicas, com jurisdição sobre a Palestina, Israel, Jordânia e Chipre.
Desde o início da guerra entre Israel e Hamas, ele recorrentemente fez apelos pela paz e chegou a se oferecer em troca da libertação das crianças sequestradas pelo grupo palestino. Ele também trabalhou com a Ordem de Malta – organização internacional católica – para enviar ajuda humanitária para Gaza.
Uma fonte ouvida pela CNN considera Pizzaballa um “candidato surpresa” no conclave. “É aquele que corre por fora, mas tem grandes chances. É italiano, mas fez carreira em meio às guerras do Oriente Médio. Tem uma espiritualidade fortíssima e o contexto das guerras fez com que essa espiritualidade fosse conhecida no mundo todo”, disse.
“E uma curiosidade: é o mais próximo do perfil do cardeal feito papa no filme ‘Conclave’”, acrescentou.
Já outra fonte pondera que o contato tão próximo com essas guerras pode tirar votos do cardeal. “Temos que lembrar que a Igreja não gosta muito de tocar em áreas sensíveis, como regiões com conflitos em curso. Mas se os cardeais quiserem exatamente isso – sensibilizar mais, provocar uma reflexão em uma área de crise – eles podem realmente optar pelo Pizzaballa”, afirmou.
A ideia do próximo papa ser italiano – o que seria o caso de Zuppi, Parolin ou Pizzaballa – é uma questão que divide especialistas.
O vaticanista australiano Phil Collins, por exemplo, acredita que os cardeais podem optar por alguém mais familiarizado com o funcionamento da Cúria Romana (administração do Vaticano) para consolidar as reformas de Francisco – o que favoreceria os cardeais italianos, que vivem nesse meio.
Já um especialista ouvido pela CNN pondera que a escolha de um italiano poderia parecer um retrocesso na internacionalização da Igreja.
Caso a escolha do próximo papa não vá em direção à Itália, o cardeal filipino Luis Antonio Tagle é apontado entre os principais concorrentes.

Arcebispo emérito de Manila e proclamado cardeal em 2012, Tagle já foi apelidado de “o Francisco asiático” por conta de sua relação com os pobres.
O site “Crux”, que é especializado em cobertura da Igreja Católica e Vaticano, publicou um artigo, no qual descrevia o cardeal Tagle como “um moderado orientado à justiça social, que é mais conhecido pela sua defesa dos imigrantes e dos pobres, e cujo estilo de vida pessoal fala de modéstia e simplicidade”.
Uma fonte afirmou à CNN que Tagle “é um candidato forte”. “Ele tem histórico de compromisso social e vem do Oriente, onde a Igreja costuma ser mais tradicionalista do que na Europa. Poderia fazer uma ponte mais fácil com os conservadores norte-americanos e mostraria um aumento da internacionalização da Igreja”, relatou.
Já Collins acredita que problemas administrativos na instituição de caridade Caritas Internacional durante a gestão de Tagle podem tirar sua proeminência entre os cardeais. Outra fonte ainda destaca o fato de Tagle vir de uma família de ascendência chinesa e a China é um tema sensível na Igreja.
O pontificado de Francisco firmou um acordo histórico em 2018 que apaziguou as relações com Pequim, mas o pacto enfrentou críticas – sobretudo da ala conservadora.
As listas de “papabili” também trazem outros cardeais com chances de serem eleitos papa e que, assim como os últimos exemplos citados, estariam alinhados à ideia de continuidade do pontificado de Francisco e consolidação das reformas iniciadas.
São eles o cardeal francês Jean-Marc Aveline, o maltês Mario Grech, que atua como secretário do Sínodo dos Bispos, o cardeal português José Tolentino de Mendonça, o americano Robert Francis Prevost e o britânico Arthur Roche.

Apesar de considerado altamente improvável, os especialistas também analisaram a possibilidade do conclave surpreender a todos e os cardeais optarem por um nome conservador e que contraste com as ideias da Igreja na última década.
O projeto “College of Cardinals”, ligado à editora católica conservadora Sophia Institute Press, destaca o nome do cardeal húngaro Peter Erdő, que também já foi considerado entre os principais candidatos no conclave de 2013, que elegeu o papa Francisco.
Collins concorda que o apoio conservador – que é mínimo na atual composição do grupo de cardeais eleitores – deve se aglutinar ao redor de Erdő. Mas o historiador australiano acredita que o eurocentrismo do cardeal e sua proximidade com o governo autoritário liderado pelo primeiro-ministro protestante Viktor Orbán diminuem criticamente suas chances de se tornar papa no próximo conclave.

Outro conservador que aparece em algumas listas é o cardeal guineense Robert Sarah – um forte crítico do papa Francisco e tradicionalista que apoia a celebração de missas em latim – e o cardeal congolês Fridolin Ambongo Besungu.
“A corrente dos conservadores não é maioria. Por mais que exista, não representa a maioria. Então é muito difícil esse cenário e que a Igreja dê essa guinada”, pontuou uma fonte à CNN.
Os cardeais brasileiros têm alguma chance?
Diferentemente do conclave de 2013, quando Dom Odilo Scherer aparecia entre os principais cotados para próximo papa, dessa vez os cardeais brasileiros não constam nas projeções que circulam entre os vaticanistas.
Especialistas ouvidos pela CNN afirmam que, entre os brasileiros, o candidato com maior potencial seria Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador e membro do chamado “Conselho de Cardeais” (importante órgão composto por nove cardeais que assessora o papa diretamente).
“Se fosse colocar um brasileiro [na lista de cotados] seria ele, mas é difícil outro latino-americano depois de Francisco”, relatou uma fonte.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Conheça quem são os cotados para ser o próximo papa no site CNN Brasil.