Voepass entra com pedido de recuperação judicial após ter voos suspensos pela Anac


Com crise agravada desde desastre aéreo que matou 62 pessoas, companhia acumula em torno de R$ 210 milhões em dívidas. Anac suspende voos da Voepass por violação de normas de segurança
Jornal Nacional/ Reprodução
A Voepass Linhas Aéreas entrou na noite desta terça-feira (22) com um pedido de recuperação judicial após ter todas as operações suspensas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Esta é a segunda vez que a companhia aérea de Ribeirão Preto (SP), que já foi a quarta maior do país, ajuíza esse tipo de processo na Justiça em sua história recente.
A suspensão de voos ocorreu depois que a Anac apontou, em março, uma série de irregularidades e falta de segurança nas operações da empresa, que acumula em torno de R$ 210 milhões em dívidas.
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A crise financeira se agravou principalmente por conta dos desdobramentos de um desastre aéreo que matou 62 pessoas em agosto de 2024, em Vinhedo (SP) e por divergências com a Latam (entenda mais abaixo), com quem mantinha um acordo de codeshare – em que operava voos vendidos pela outra companhia – que chegou a representar 93% do faturamento da companhia.
Em fevereiro, antes de pedir a recuperação judicial, a companhia aérea anunciou uma reestruturação financeira e chegou a obter a suspensão de ações de credores e apreensão de aeronaves. Este mês, ainda sem conseguir autorização da Anac para retomar as atividades, a empresa demitiu funcionários. O número de desligamentos não foi informado.
Voepass operarou até a segunda (10) em Fernando de Noronha
Ana Clara Marinho/TV Globo
Em nota, a Voepass informou que o pedido é parte de uma estratégia para reorganizar as finanças e estruturar o capital da empresa, em continuidade ao processo de reestruturação financeira iniciado anteriormente.
“A iniciativa ocorre em um contexto desafiador para o setor aéreo regional, que passa por uma diminuição da oferta de acesso ao transporte aéreo no interior do Brasil, e reflete o compromisso da companhia em preservar sua operação, manter o atendimento aos clientes e honrar seus compromissos com colaboradores e fornecedores”, comunicou.
A companhia também informou que a recuperação judicial foi a única saída encontrada para realizar uma reestruturação completa pela retomada de seus serviços. Também comunicou que, caso o pedido seja aceito pela Justiça, todos os passivos da Voepass serão congelados e negociados com base em um plano a ser elaborado para atender todos os credores.
“É importante ressaltar que a medida não engloba os processos indenizatórios ligados ao acidente ocorrido em agosto de 2024, realizados diretamente pela seguradora.”
Qual é a dimensão das dívidas da Voepass?
Segundo informações que constam na petição apresentada à Justiça, ainda quando a empresa anunciou a reestruturação financeira, as dívidas da Voepass estavam orçadas em pelo menos R$ 215 milhões, sem contar débitos contabilizados em dólares.
Deste montante, R$ 30.263.045,02 são referentes a débitos trabalhistas. Outros R$ 114.942.714,55 são classificados pela companhia como créditos quirografários, ou seja, de pessoas jurídicas que têm a receber da empresa, mas que, em um eventual processo de recuperação ou de falência, não têm prioridade.
Além disso, a companhia tem R$ 479.895,10 em débitos com microempresas e empresas de pequeno porte e outros R$ 69.881.787,76 de débito com credores extraconcursais, ou seja, decorrentes de negócios celebrados a partir de um processo de recuperação judicial.
Nessa mesma categoria, a empresa também declarou um débito da ordem de US$ 16,6 milhões, o que daria em torno de R$ 94,5 milhões, na conversão do câmbio comercial.
Balcão de atendimento da Voepass vazio no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo, no dia 11 de março de 2025
Joabe Marques e Felipe Pereira/TV Globo
Acordos trabalhistas e divergências com a Latam
A Voepass já havia passado por um processo de recuperação judicial anteriormente, que foi encerrado em 2017, mas ainda enfrentava problemas financeiros sobretudo a partir de 2020. Os principais fatores são:
pandemia da Covid-19
acordos trabalhistas
desastre aéreo
divergências com a Latam
Segundo a petição apresentada à Justiça, na cautelar pela reestruturação financeira, a pandemia da Covid-19 e as medidas de isolamento social levaram à paralisação dos voos em todo o território nacional.
Isso causou uma drástica perda no faturamento, que não fazia frente a despesas como os contratos de leasing, com pagamentos em dólares, para aquisição das aeronaves, além de custos com manutenção, muitos deles com a necessidade de peças importadas, e acordos trabalhistas anteriores, que deixaram de ser honrados, para a priorização de pagamentos dos funcionários ativos.
Nesse contexto, para manutenção dos empregos, a companhia informa que celebrou acordos para adequações de pagamentos com os sindicatos que representam os trabalhadores da empresa, que resultaram em um Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT).
Mesmo assim, ainda restam execuções trabalhistas que resultam ou em pagamentos mensais – um dos acordos prevê um pagamento de R$ 2 milhões para a Justiça do Trabalho – ou em ordens de bloqueios que afetam as finanças.
Segundo informações da petição, a companhia tem ao menos 454 processos em execução avaliados em R$ 26,1 milhões, em todos os âmbitos. Isso, sem contar outras 1.538 ações, avaliadas em R$ 68,7 milhões, que são de conhecimento da companhia.
Somado a esse cenário, a Voepass também alega que passou a enfrentar problemas de pagamento com a Latam, sobretudo após a tragédia em Vinhedo.
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Desde 2014, a companhia de Ribeirão Preto tem um acordo de codeshare, ou seja, uma parceria que permite a utilização de aeronaves da Voepass por parte de passageiros que compram passagens pela Latam.
Esse acordo foi renovado em 2023 e aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com duração inicial de mais dez anos, e, em agosto do ano passado, até antes do desastre aéreo, representava 93% do faturamento total da empresa do interior de São Paulo, com a utilização de dez aeronaves da Voepass.
De acordo com a companhia, no entanto, depois da tragédia na região de Campinas, a parceira solicitou a suspensão das atividades de quatro aeronaves, mantendo apenas seis em operação, e a partir de setembro deixou de pagar os custos referentes a elas, resultando em um rombo de R$ 34,7 milhões.
Essa falta de pagamentos, segundo a Voepass, levou a companhia a deixar de cumprir acordos cíveis e trabalhistas, além de perder duas aeronaves e de atrasar o décimo terceiro dos funcionários.
Documentos obtidos pela reportagem apontam que a Latam, por sua vez, alega ter comunicado, no fim de janeiro deste ano, ter enviado uma contranotificação à Voepass questionando os custos fixos e alegando ter desembolsado valores superiores a R$ 30 milhões, para além de obrigações contratuais.
Além disso, a Latam alega ter comunicado a extinção do contrato por justa causa, em função do desastre aéreo, no prazo de seis meses – ou seja, vencendo no fim de julho deste ano.
A Justiça chegou a dar prazo para a Latam pagar os R$ 34,7 milhões, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu a decisão. Em meio ao impasse na Justiça, a Latam assumiu voos da Voepass, entre eles o que fazia viagens para Fernando de Noronha (PE).
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