Bolsonaro será engolido pela máquina de vingança politica que criou

O bolsonarismo definha a olhos vistos enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro se recupera de uma cirurgia, e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo, um dos principais articuladores políticos do bolsonarismo, se refugia no exterior. 

O senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, por sua vez, se vê cada vez mais reduzido ao papel de um político comum, um crítico tímido do sistema judiciário brasileiro. Já o vereador carioca Carlos Bolsonaro, também do PL, assiste passivamente a outros políticos conservadores de seu partido, como o deputado mineiro Nikolas Ferreira, ganharem proeminência no ambiente que até outrora dominava de maneira exclusiva. 

Sinal dos tempos. A atuação do que restou do clã Bolsonaro se mostra reiteradamente incapaz de emplacar a ideia de que a defesa de Jair seria, de longe, a pauta urgente e unificadora das direitas brasileiras. A mãe de todas as lutas conservadoras.

O próprio Jair Bolsonaro se mostrou incapaz de incitar uma mobilização verdadeiramente popular pela anistia política dos golpistas de oito de janeiro, inclusive ele. 

Bolsonaro lê durante internação em hospital de Brasília em recuperação após mais uma cirurgia (RS via Fotos Públicas)

Nos bastidores da direita brasileira, os atos realizados no Rio e em São Paulo se tornaram um elefante branco sobre o qual não se fala. Ao menos não publicamente. 

Tudo que Bolsonaro conseguiu foi se transformar em meme, até mesmo entre alguns de seus antigos eleitores, e desagradar alguns de seus antigos setores aliados, como os militares. Sinal dos tempos, reitero. 

Bolsonaro já não é mais o mesmo homem que prometeu aos seus uma verdadeira revolução, que prometeu expurgar a “velha política” dos quadros do poder. Agora, desesperado, se vê obrigado a apelar para a piedade de seus apoiadores, apelando por perdão.

O homem que esbravejava e dizia que metralharia seus inimigos agora divulga imagens de sua caminhada pelos corredores de um hospital numa emulação patética da via-crúcis.  O mito se tornou um homem. Pior, se tornou um homem fraco. 

E isso é imperdoável nos termos do movimento que ele próprio ajudou a consolidar: a política da vingança! 

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Como escrevi em outras ocasiões, em 2018, o bolsonarismo emergiu na política nacional como um movimento político que atuava em duas frentes principais. Na primeira, identificava para os brasileiros os supostos responsáveis pelo seu sofrimento. “Se lhe falta dinheiro, se você está endividado, os verdadeiros responsáveis por isso são os corruptos da esquerda, todos eles, dos políticos aos militantes comuns”.  

Na segunda, prometia vingar os brasileiros, expurgando-os da política, não apenas por meio das vias institucionais, julgando-os e prendendo-os, mas também por meio das vias simbólicas, transformando o país, sua própria cultura, num ambiente avesso a tudo aquilo que viam como manifestações da esquerda. Daí vem a razão de tantos ataques a pessoas transgênero, do estrangulamento orçamentário das universidades, da censura a manifestações culturais como o Carnaval etc. 

Para que pudesse prosperar, especialmente diante de outras direitas que lutavam pela hegemonia do campo, esse movimento necessitava de um líder, uma figura que fosse, ao mesmo tempo, forte e fraco. Forte no sentido de sua própria personalidade: um personagem capaz de falar coisas que seriam impensáveis para os políticos mais tradicionais, coisas violentas e desconcertantes.

Por outro lado, o líder desse movimento precisaria ser fraco, politicamente falando: um sujeito sem lastro na política – ainda que tivesse ocupado cargos políticos por décadas –, sem grandes feitos, sem grandes histórias, um desconhecido. 

Era necessário alguém sobre quem poderiam construir inúmeras mensagens, com quem os eleitores poderiam se identificar sob diversos ângulos. Como já escrevi em outras oportunidades, havia um Bolsonaro sob medida para qualquer um. 

O capitão sem passado! O seu próprio capitão!

Esse é, justamente, o aspecto central do bolsonarismo, o seu centro vacilante na forma de um líder paradoxalmente forte-fraco. E isso não sou eu que estou dizendo, era algo defendido abertamente por um de seus antigos idealizadores, o falecido Olavo de Carvalho. 

E é justamente esse centro que definha. ão, leitor, leitora, não me refiro (apenas) à saúde do ex-presidente, mas ao fato de que a gravidade da realidade, enfim, tem se feito presente. Ao longo dos últimos anos, Bolsonaro tem se mostrado reiteradamente incapaz de ser esse líder que o movimento que carrega o seu nome necessita para sobreviver, pelo menos enquanto maior movimento da direita nacional. 

Bolsonaro, agora, não apenas tem um passado muito concreto – e um passado onde foi incapaz de realizar a vingança que prometeu – como, desde que perdeu as eleições, boa parte de suas aparições públicas atuais tem se limitado à própria defesa. 

Longe, muito longe do líder político da resistência conservadora que seus correligionários, especialmente seus filhos e Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, prometiam para o Brasil. De fato, já faz tempo, anos, que Bolsonaro não fomenta mais a imaginação de seu antigo eleitorado. E as coisas só pioram, especialmente nesse momento em que o ex-presidente clama continuamente por piedade.

O antigo “salvador”, assustado, implora por salvação. O seu próprio medo lhe tornou real aos olhos de seu eleitorado. E isso era tudo que ele não poderia ser: real. Isso fará com que seja engolido pela própria máquina de guerra (e vingança) política e social que ajudou a construir –uma máquina que em breve, muito em breve, deve estar nas mãos de outros sujeitos. 

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