De ‘Dragon Ball’ a Megan Thee Stallion: Como os animes influenciam o universo do hip-hop


Conexão entre animações japonesas e rap cria obras de impacto. Megan lançou álbum citando personagens e fala ao g1 sobre amor por tema: ‘Gostosas podem gostar de coisas nerds’. Como os animes influenciam o universo do hip-hop
Imagine um jovem rapper nos guetos americanos escrevendo uma música sobre a sua história de vida, mas usando como referência um personagem dos “Cavaleiros do Zodíaco” ou “Dragon Ball Z”. Pode parecer estranho, mas as histórias criadas no continente asiático conversam (mesmo que indiretamente) com a realidade dos jovens negros e marginalizados ao redor do mundo.
Essa conexão começou no fim dos anos 1990, com o boom dos animes no mercado americano. Foi um movimento estimulado por iniciativas como a Toonami, um bloco de programação do canal Cartoon Network. Ele garantia pelo menos três horas e meia de histórias japonesas na TV dos Estados Unidos.
Com o tempo, a mesma sintonia passou a ser vista no rap, estilo que busca expor a dor e pedir justiça para povos marginalizados. As músicas incorporaram referências a desenhos que, em uma camada mais superficial, podem não ter ligação direta com a realidade dos rappers.
Um dos exemplos na música pop é o da rapper americana Megan Thee Stallion. Em junho, ela lançou seu álbum “Megan”, recheado de menções a animações japonesas clássicas. Estão lá referências a “Naruto”, e a obras mais recentes, como “Jujutsu Kaisen”.
Megan Thee Stallion se veste como Satoru Gojo, do anime Jujustu Kaisen
Divulgação e Reprodução/Instagram da cantora
Em entrevista ao g1 durante a premiação Anime Awards, em Tóquio, a cantora analisou:
“Eu sinto que muitas pessoas acham que mulheres bonitas não devem gostar de animes. Não querem acreditar que garotas gostosas gostam de coisas nerds.”
Convidada para ser uma das apresentadoras da premiação de animes, Megan celebrou o fato de ajudar outras garotas negras a se sentirem mais confortáveis em um ambiente que, muitas vezes, pode ser hostil para elas. “São muitas mulheres negras lindas que amam a cultura nerd e eu adoro ser uma representante disso, porque estamos por aí, queremos fazer maquiagem e também fazer cosplay. Todos nós podemos nos divertir.”
O que as duas culturas têm a ver?
Produções asiáticas começaram a se popularizar entre comunidades negras a partir dos anos 70, com filmes de kung fu inspirando títulos do blaxploitation — movimento cinematográfico do cinema americano que trazia protagonismo negro e apresentava temas de empoderamento e emancipação social. Com o fim dessa era, o mercado foi dominado pelos animes.
William H. Bridges, pesquisador do tema e professor da Universidade de Rochester (EUA), explica que os programas de televisão do fim dos anos 90 — muitos deles, japoneses — ajudaram a criar o repertório das crianças que viriam a se tornar os artistas dos anos 2000 e 2010.
Outro fator fundamental para a difusão dos animes, segundo ele, foram as próprias histórias. Em alguma medida, elas se conectavam com um público marginalizado, pelos enredos sobre superação, amizade e justiça.
RZA, um dos fundadores do lendário grupo de rap Wu-Tang Clan, traduz o mesmo pensamento no livro “The Tao Of Wu”, de 2009:
“A viagem representa uma jornada para a iluminação. Mas para mim, ‘Dragon Ball Z’ também representa a jornada do homem negro na América.”
O hip-hop dentro dos animes
Os animes influenciaram o hip-hop, mas o contrário também aconteceu. “Samurai Champloo”, anime criado por Shinichiro Watanabe (o mesmo do clássico “Cowboy Beebop”) é prova disso.
A história de Champloo acompanha três samurais em uma versão fictícia do período Edo em busca de um espadachim lendário. As lutas da animação foram inspiradas em movimentos de break dance e a trilha sonora foi feita pelo rapper RZA.
Essa foi só a ponta do iceberg de inúmeros outros títulos que trocaram figurinhas intercontinentais: “Afro Samurai”, “The Boondocks”, “Megalo Box”, “Tokyo Tribe 2″…
ANIMES x HIP-HOP: Relembre momentos em que as animações japonesas e o rap se uniram
g1/Juan Silva
Das telinhas às letras de rap
Conforme o rap foi se transformando e abrindo espaço para outras temáticas, além das letras sobre gangues e crimes, apareceram artistas com referências mais diversas dentro das músicas
A mesma lógica se aplica ao Brasil, com nomes como NiLL. Além de referenciar as animações japonesas em suas letras, ele também cria seu próprio universo de desenho animado no álbum mais recente, “O resgate do maestro”.
Entre os rappers veteranos, Emicida mais de uma vez já mostrou admiração pelas animações nipônicas, especialmente as de Akira Toriyama, criador de “Dragon Ball”. As obras de Akira inspiraram o clipe da música “Quem tem um amigo (tem tudo)”, gravada por Emicida em parceria com Zeca Pagodinho.
Emicida vira Goku e visita universo do Dragon Ball em clipe de ‘Quem tem um amigo (tem tudo)’
Divulgação
Uma vertente popularizada a partir dos anos 2010 é a do rap nerd, com letras que falam estritamente sobre animes, criando verdadeiras trilhas sonoras para os momentos de emoção dessas histórias.
No YouTube, canais que publicam esse tipo de conteúdo acumulam bilhões de visualizações. Entre eles, o brasileiro 7Minutoz, com mais de 13 milhões de inscritos e 5 bilhões de views, e o canal americano RUSTAGE, com mais de 1 bilhão de views.
Quanto mais novo mais nerd?
Megan Thee Stallion apresenta o Anime Awards, em março de 2024
Divulgação/Crunchyroll
Megan Thee Stallion, que começou a carreira em 2018, mostrou seu amor pelas animações japonesas em vários momentos. Em 2019, ela fez um cosplay do personagem Shoto Todoroki, do anime “Boku No Hero” em ensaio para a revista “Paper”.
O álbum mais recente, “Megan”, tem duas músicas virais com referências ao tema. “Otaku Hot Girl” apresenta linhas que citam personagens do anime “Jujutsu Kaisen”
“Ayy, não pode me tocar como Gojo (Gojo)
Fico bem em todas as minhas fotos (Ei, ei)”
E a faixa “Mamushi”, parceria com o rapper japonês Yuki Chiba, tem um sample da música “Sunset Shadow”, do jogo de videogame “Naruto Ultimate Chronicles”, inspirado no desenho animado.
Ao g1, Megan contou por que usa tantas referências de animes em suas letras:
“Eu sempre adiciono linhas [com referências] de animes diferentes. Como se eu estivesse falando sobre o quanto gosto de lutar ou como sinto que fui ótima naquele dia no estúdio. Como se eu sempre me referisse a um personagem de anime que é meu lutador favorito.”
Uma relação que veio para ficar…
Gostando ou não, os animes se enraizaram na cultura hip-hop, criando uma fusão que transcende fronteiras culturais e linguísticas.
Artistas como Megan não apenas abraçam essa influência, mas a celebram em suas músicas. Fica claro que as histórias de superação e luta dos animes ressoam na realidade de muitos.
À medida que essas duas culturas continuam a se entrelaçar, é claro que essa fusão traz novos ares e inspirações, tanto para a música quanto para a animação, em uma nova era de criatividade e expressão artística.
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