
Capa do livro ‘Elis – Nada será como antes’, de Julio Maria
Paulo Karwall
♫ OPINIÃO SOBRE LIVRO
Título: Elis – Nada será como antes
Autor: Julio Maria
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Em 2015, ano em que Elis Regina teria feito 70 anos, a cantora gaúcha foi perfilada pelo jornalista Julio Maria com toda a grandeza do canto e da alma, mas também com todas as misérias humanas do presente cotidiano, em biografia que fez jus ao status de definitiva. Contudo, decidido a recriar a criação, Maria reapresenta o livro neste ano de 2025 em que a artista poderia ter festejado oito décadas de vida em março.
A biografia Elis Regina – Nada será como antes reaparece no mercado literário pela editora Companhia das Letras, com outra capa, a supressão do nome “Regina” no título e a adição de páginas e conteúdo.
Sem falsas iscas para fisgar novos leitores, a edição foi realmente revista, ampliada e atualizada, além de ter sido reescrita, abarcando, por exemplo, a feitura e a repercussão da propaganda veiculada em julho de 2023 com Elis cantando Como nossos pais (Belchior, 2023) ao lado da filha Maria Rita por meio de recursos de inteligência artificial.
O conteúdo adicional aprimora a biografia, mas, em essência, Elis – Nada será como antes é biografia tão recomendável na corrente reedição de 2025 quanto na edição original de 2015 pelo simples fato de que trata-se do melhor retrato de Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 – 19 de janeiro de 1982), imortal cantora e saudade do Brasil.
No momento em que o Brasil se despede de Nana Caymmi (1941 – 2025), outra cantora de grandeza artística que jamais pode ser embaçada pelas pequenezas humanas, ler Elis – Nada será como antes é entender que nossas maiores cantoras também rebentaram porque estavam vivas.
Cada uma a seu modo, Elis e Nana se fizeram ouvir pela natureza sublime do canto, mas também porque falaram alto e jamais baixaram o tom diante de mundo comandado por homens.
Ao longo de 464 páginas escritas sem firulas, com a objetividade dos melhores jornalistas, Julio Maria não absolve e tampouco condena Elis, mas somente relata os fatos, procurando expor todos os ângulos sobre cada atitude controvertida, sem jamais pisar no terreno lamacento da fofoca ou do sensacionalismo. A alta qualidade do texto (sempre fluente) e da apuração (sempre precisa) credibilizam a biografia.
Contudo, em 2025 como em 2015, é justo lembrar que, há 40 anos, em 1985, a jornalista Regina Echeverria lançou biografia da cantora, Furacão Elis, que já apontou a complexidade de Elis. Julio Maria foi além em 2015 e vai mais além ainda na reedição de 2025, pela minúcia dos fatos. Somente o relato detalhista das últimas horas de vida de Elis, com informações inéditas, já legitima e eleva o livro do jornalista.
A edição de 2025 reproduz item valioso para os seguidores de Elis: a relação completa das 26 músicas, com os respectivos compositores, que eram candidatas a uma vaga no repertório do álbum que a cantora arquitetou e que começaria a gravar no fim de janeiro. O disco que marcaria a estreia da cantora na gravadora Som Livre e que Elis não teve tempo de fazer porque partiu a jato num rabo de foguete por conta de mistura acidental de cinzano e cocaína – um erro de dose que resultaria fatal, em que pesem os desesperados esforços feitos por equipe médica para reanimar o corpo inerte da artista.
Ali, na maca daquele hospital de São Paulo, Elis rebentou para sempre, mas o que Julio Maria mostra é que a cabeça da artista sempre foi um forno radioativo que podia explodir a qualquer momento, a cada sensação de abatimento, a cada rompante de insegurança (e eles foram muitos ao longo da vida). A Pimenta ardeu desde os primeiros passos da carreira na Porto Alegre (RS) natal.
Em que o pese o fato de ter tido novamente o aval dos herdeiros da cantora, a biografia de Julio Maria ressurge nas livrarias com a mesma aura de independência e credibilidade da edição original. O retrato sem retoques resulta da dimensão de Elis Regina Carvalho Costa.