Imigrante e anti-Trump, papa Leão XIV enfrentará berço do nacionalismo cristão nos EUA

A eleição de Robert Francis Prevost como novo papa, sob o nome de Leão XIV, marca um ponto de inflexão na história recente da Igreja Católica. Norte-americano de nascimento e cidadão peruano por naturalização, Leão XIV é o primeiro papa com dupla nacionalidade da história moderna da Igreja. Um imigrante em todos os sentidos, que cruzou fronteiras geográficas, culturais e ideológicas ao longo de sua trajetória.

Poliglota, discreto e com sólida experiência pastoral e institucional, ele tem sido descrito por apoiadores como um “meio termo”: conservador em temas como sexualidade, aborto e família, mas socialmente comprometido com pautas como migração, trabalho e juventudes. 

A escolha do nome Leão XIV também carrega um forte simbolismo. Remete diretamente a Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum (“Das coisas novas”), que inaugurou, no fim do século 19, a doutrina social da Igreja, abrindo espaço para o reconhecimento de direitos dos trabalhadores, como à associação e ao sindicato. Ao adotar esse nome, Leão XIV sinaliza a intenção de atualizar esse impulso histórico, unindo tradição moral e sensibilidade social.

Leão XIV ainda traz à Cátedra de Pedro o carisma agostiniano, herança espiritual de sua formação religiosa. A identidade da Ordem de Santo Agostinho se estrutura sobre três pilares fundamentais: a busca de Deus através da interioridade, a vida comunitária marcada pela convivência fraterna e o serviço à Igreja e à humanidade. 

Esse tripé — interioridade, fraternidade e ministério — moldou a trajetória de Prevost como bispo, formador e missionário. Inspirado pelas Confissões de Santo Agostinho, ele valoriza a reflexão profunda, a comunhão entre irmãos e o compromisso com os mais necessitados, especialmente nas periferias.

Cardeal Robert Francis Prevost, dos EUA, foi eleito o novo papa e escolheu o nome Leão XIV (Foto: DiaEsportivo/Folhapress)
Cardeal Robert Francis Prevost, dos EUA, foi eleito o novo papa e escolheu o nome Leão XIV (Foto: DiaEsportivo/Folhapress)

Sua eleição ressoa de forma particular nos Estados Unidos, país de origem do novo papa e também berço do nacionalismo cristão contemporâneo, que se intensificou durante o governo de Donald Trump sob uma ótica da teologia do domínio. 

Naquele período, cresceu a oposição interna ao papa Francisco, especialmente por sua postura ecológica, anticapitalista e crítica às políticas antimigratórias. Steve Bannon, ex-assessor de Trump, chegou a se instalar em Roma, onde tentou fundar uma “escola do populismo”, dedicada a minar a autoridade de Francisco.

O catolicismo norte-americano, embora politicamente influente — com 72 milhões de fiéis e um terço do Congresso se declarando católico — vive uma crise institucional profunda: queda nas vocações, diminuição do número de praticantes e cicatrizes abertas pelos escândalos de abuso sexual. Apesar disso, a influência conservadora dos EUA sobre o Vaticano vinha crescendo silenciosamente.

A disputa pelo futuro da Igreja segue acirrada. A ascensão de J. D. Vance, atual vice-presidente dos EUA e símbolo do neotradicionalismo católico, é prova disso. Em uma última ironia histórica, Francisco passou parte de seu último dia de vida recebendo Vance no Vaticano.

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Diante desse cenário, a eleição de Leão XIV pode ser lida como um gesto estratégico: um papa americano e peruano, agostiniano, que conhece de perto tanto a Igreja do Norte quanto a do Sul, que olha para as periferias do mundo, combina carisma pastoral com firmeza doutrinal e pode ser ao mesmo tempo ponte e contenção entre visões em disputa.

Com traços de continuidade, mas estilo próprio, o novo papa sinaliza disposição para o diálogo com as juventudes, atenção à comunicação e defesa de uma “paz desarmada”. Seu maior desafio será manter viva a chama de uma Igreja universal em tempos de polarização e enfrentar de frente o berço do nacionalismo cristão contemporâneo.

Um desafio que pode envolver até o confronto simbólico com o próprio Trump, que, em tom provocativo, chegou a usar inteligência artificial para se representar como papa, um gesto que muitos viram como desprezo à fé católica e à instituição que agora tem em Leão XIV uma nova e desafiante liderança global.

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