‘Não dá para dizer que a gente resolveu o problema, mas avançou e precisa comemorar’, diz Nunes sobre sumiço da Cracolândia


Apesar de reportagens do g1 e da TV Globo mostrarem espalhamento da Cracolândia por outras ruas do Centro e bairros da cidade, prefeito afirmou que se tratam de ‘pontinhos isolados’. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), comenta situação do espalhamento da Cracolândia por bairros da cidade de São Paulo.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), mudou o discurso nesta quarta-feira (14) e disse que é preciso “comemorar o avanço da prefeitura” em relação ao desaparecimento repentino da Cracolândia, no Centro de São Paulo.
Um dia depois de dizer que foi surpreendido pelo sumiço das cenas de uso de droga na região da Luz, o prefeito afirmou que o desaparecimento da concentração de usuários “é uma vitória da cidade e da sociedade”.
“Não dá para dizer que a gente resolveu todo o problema, obviamente que não resolveu todo o problema. Mas a gente avançou muito e precisa comemorar. Queria inclusive convidar a imprensa pra comemorar com a gente. Porque é uma vitória da cidade e da sociedade”, disse.
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Apesar de reportagens do g1 e da TV Globo mostrarem um espalhamento da Cracolândia por outras ruas do Centro e bairros da cidade, o prefeito afirmou que se tratam de “pontinhos isolados”.
“A gente tem alguns pontos, como tem no Glicério. Sempre teve pontos ali no Glicério, porque tem um centro de atendimento a essa população ali perto. Agora, o que é fundamental é que continuemos fazendo essas ações iniciadas em 2021, com muita frequência e bastante investimento”, declarou.
“É muito importante que esses avanços tenham uma comemoração. Não com uma desvirtuação de uma matéria, querer menosprezar os avanços obtidos. É importante e não é demérito para ninguém reconhecer o avanço e as conquistas que uma administração fez. Pelo contrário, demonstra maturidade, amor pela sua cidade e pelo seu país”, completou.
Ao ser questionado pelos repórteres sobre o espalhamento de usuários de drogas por vários bairros da cidade, Nunes ficou nervoso e disse que “tem hora que cansa” receber críticas.
“Eu, prefeito de São Paulo, faço um apelo: vamos parar de picuinha e olhar coisas que não devemos ver. Dê luz às coisas mais importantes e parem de dar luz a pequenos pontos, para querer descaracterizar e desconsiderar o avanço que o governo do estado e a prefeitura fez. Tem hora que cansa. É só crítica. Essa luta não é só do prefeito e do governador, é de todos nós. E a imprensa tem responsabilidade sobre isso também.”
Espalhamento pelo Centro
Usuários da Cracolândia se dividem em grupos e buscam novos pontos para se fixar, como a P
Após a saída de usuários de drogas da região da Cracolândia, no Centro de São Paulo, o g1 conversou com comerciantes e percorreu as ruas da área para mapear a presença deles em outros pontos.
Com o esvaziamento do trecho próximo à Estação da Luz — que abrange as ruas dos Gusmões, Andradas, Aurora, Santa Ifigênia, General Osório e Vitória — os usuários passaram a se concentrar em pequenos grupos nos seguintes locais:
Calçada do Bom Prato da Rua General Osório, no cruzamento com a Rua Mauá;
Imediações do Terminal Princesa Isabel;
Praça Marechal Deodoro — neste último ponto, em maior número.
‘Fluxo’ da Cracolândia diminui, mas Prefeitura de SP não informa para onde dependentes químicos foram
Reprodução/TV Globo
Um usuário ouvido pelo g1 disse que chegou à Praça Marechal Deodoro na terça-feira (13) e que, antes disso, ficava no fluxo próximo à Estação da Luz (veja mais informações abaixo).
Vídeo gravado por moradores da região da praça mostra um grupo de cerca de 20 usuários perambulando pelas ruas e tentando se instalar no local (veja vídeo abaixo).
Mas a presença de uma viatura da Guarda Civil Metropolitana (GCM) impediu a instalação, e eles continuaram circulando pela região durante a madrugada de segunda (12).
Na região da Luz, a presença da GCM era intensa, com viaturas e agentes circulando constantemente. Já na Praça Marechal Deodoro, o g1 permaneceu cerca de uma hora no local nesta terça (13), durante o dia, e não observou a presença de nenhum agente de segurança.
Na quarta (14), uma equipe da TV Globo também flagrou três pontos de concentração de usuários pelo bairro do Glicério, no Centro. Um dos grupos estava embaixo do Viaduto Tamanduateí, perto do Mercadão.
Usuários da Cracolândia se dividem e tentam se fixar na Praça Marechal Deodoro, no Centro
Relatos de agressões contra usuários
Comerciantes ouvidos pelo g1, que preferem não se identificar, afirmaram que nas últimas duas semanas as agressões contra usuários se intensificaram.
“A [Polícia] Militar aparece e diz que não quer mais eles [usuários] aqui no Centro, que é ordem de cima para saírem. Se insistem em ficar nas calçadas, jogam gás de pimenta no rosto. Direto tem gás de pimenta, direto. Agora a maioria está indo para a Marechal Deodoro. No espaço de antes, eles [policiais] não deixam mais entrar”, disse uma comerciante.
“Ontem eles saíram de vez. A semana inteira já estavam impedindo, mas ontem foi o fim. Eles não aguentam mais tanta agressão. Hoje ainda conversam, mas amanhã é o dia dos agressores mesmo, que já chegam com o cassetete batendo”, finalizou.
Concentração na calçada no Terminal Princesa Isabel.
Arquivo pessoal
Outra comerciante contou que seu filho, menor de idade, foi abordado por uma agente. “A gente não está na Cracolândia. A gente tem o direito de ir e vir. Constrangeram meu filho porque ele estava de chinelo. Aqui mesmo, no meu bar, principalmente de madrugada, quando fecham os comboios, eles cercam tudo, não deixam ninguém passar e agridem qualquer um que estiver andando pela rua.”
“Eles querem o pessoal da Cracolândia para depois da Rua Rio Branco. Passando a Rio Branco, pode ficar. Aqui pelas redondezas, não. Na sexta-feira (9), começaram a impedir que eles entrassem com qualquer coisa no fluxo. No sábado (10), barraram de vez. E, no domingo (11), já amanheceu vazio. Foi o dia que começaram a limpar a área”, completou.
Para membros da Craco Resiste — ONG que acompanha o fluxo —, o que ocorre é uma “dispersão permanente”, em que os usuários são impedidos de retornar aos locais onde haviam criado vínculos. Esses vínculos incluem laços com assistentes de saúde, comerciantes e até entre os próprios usuários.
Praça Marechal Deodoro
Quando o g1 chegou à Praça Marechal, por volta das 17h, mais de 100 pessoas estavam no local. Agentes de assistência social da prefeitura também estavam presentes.
A aglomeração era dinâmica, com pessoas chegando e saindo. Um dependente químico abordou a equipe e disse que chegou na noite de segunda (12) à praça e que antes ficava no fluxo da Cracolândia.
O g1 pediu à Prefeitura de SP posicionamento sobre os relatos de agressões, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Pontos de uso de droga em São Paulo
Arte/g1
Um mapeamento feito pela Secretaria da Segurança Pública, obtido via Lei de Acesso à Informação pela TV Globo, também identificou 72 pontos de aglomeração de usuários de drogas em diferentes regiões da capital. Veja abaixo:
Mapeamento da SSP identificou 72 pontos de concentração de usuários
Reprodução/TV Globo
Rua dos Protestantes
Durante a madrugada da terça, a Rua dos Protestantes, que já abrigou centenas de usuários, estava praticamente vazia. Na Rua Helvétia, outro ponto da Cracolândia, somente um pequeno grupo caminhava pela calçada.
Um dos principais motivos apontados para a dispersão na Rua dos Protestantes foi a operação conjunta do governo e da prefeitura na Favela do Moinho, região onde atuava um dos principais traficantes da área, conhecido como “Léo do Moinho”.
Com a prisão do criminoso e o desmonte de estruturas usadas pelo tráfico, a oferta de drogas teria sido significativamente afetada, forçando mudanças nos locais de permanência dos usuários.
Em contrapartida, uma equipe da TV Globo encontrou pontos de concentração de usuários em bairros fora da Cracolândia nas últimas semanas: Vila Campanela e Tatuapé, na Zona Leste, e Consolação, Bom Retiro, Brás e Vila Buarque, no Centro.
Esses pontos mostram que, embora o fluxo tradicional da Cracolândia tenha diminuído nos últimos dias, a crise não foi solucionada — apenas redistribuída pela capital.
Prefeito Ricardo Nunes.
Reprodução/TV Globo
Em entrevista à imprensa, Nunes disse que o fluxo foi reduzido de forma gradativa ao longo dos anos graças à atuação da assistência social, da saúde e das forças de segurança. Contudo, o prefeito reitera que o problema “não está resolvido, não vamos ter essa ilusão”.
Apesar da falta de dados oficiais sobre os novos pontos, o vice-prefeito Coronel Mello Araújo elogiou a atuação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e destacou a queda no fluxo como um avanço. “Parabéns à GCM. Fluxo está quase zerado”, afirmou em uma publicação nas redes sociais.
A ONG Craco Resiste afirma que houve truculência contra os usuários de drogas. “Os relatos colhidos indicam que houve uma orientação para que a Guarda Civil Metropolitana aumentasse a violência das abordagens”, diz a entidade.
Segundo a ONG, “as pessoas ouvidas afirmam categoricamente que os guardas passaram a bater mais no rosto e na cabeça das pessoas, para além das outras agressões já cotidianas na região, com uso de spray de pimenta e apropriação de pertences pessoais, como roupas e dinheiro”.
Dispersão de fluxo não é novidade
A Cracolândia é um problema antigo da cidade, que envolve questões de saúde, segurança pública e assistência social. Ao longo de 30 anos, houve diversas tentativas do poder público de ajudar os usuários e combater o tráfico, mas nenhuma de fato resolveu a situação.
A dispersão do fluxo de usuários de drogas para outras regiões de São Paulo não é um fenômeno inédito. Em 2012, durante a gestão do então prefeito Gilberto Kassab, a Operação Centro Legal resultou na pulverização do fluxo por diversos bairros, como Barra Funda, Higienópolis, Luz, Campos Elíseos, Santa Cecília e República. Essas regiões passaram a ser conhecidas como “minicracolândias”.
Mais recentemente, em março de 2022, uma nova dispersão ocorreu após operações policiais e ações da prefeitura, levando os usuários a se deslocarem para locais como o Largo do General Osório, Praça Júlio Mesquita e, posteriormente, para a Praça Princesa Isabel. Na época, essa movimentação foi atribuída a ordens do crime organizado e às frequentes intervenções da Guarda Civil Metropolitana.
Prefeito ficou surpreso com a queda do fluxo da Cracolândia
O que diz a prefeitura
“A Prefeitura de São Paulo tem intensificado desde 2021 políticas públicas de atendimento aos usuários de crack, especialmente no centro da cidade. Este ano, o número de abordagens e acolhimentos bateu recorde no mês de abril, ao mesmo tempo em que se constatou, também neste mês, redução do número de dependentes químicos na chamada Cena Aberta de Uso.
O volume de abordagens nessa região em janeiro deste ano foi de 6.742. Já no mês passado, foram realizadas 11.037 ações desse tipo. Em relação aos atendimentos, a Prefeitura também intensificou os trabalhos, passando de 5.532 em janeiro para 10.061 no mês passado.
A intensidade das ações nas ruas tem feito com que aumentasse o atendimento a usuários nos serviços de assistência social e de saúde. Só nesta segunda-feira, o CAPs Redenção, que atua naquela região, registrou o atendimento direto de 45 pessoas, além de 15 encaminhamentos para o HUB – equipamento em que prefeitura e governo do estado trabalham conjuntamente.
O volume de acolhimento nesta segunda-feira no CAPs Redenção é o maior do ano. E acontece ao mesmo tempo em que prefeitura e governo do estado reforçam as ações de combate ao tráfico na região central. Também no mês passado uma grande operação foi iniciada pelo governo do estado em parceria com a prefeitura para retomada do espaço da favela do Moinho, onde, segundo investigações, funcionaria um bunker do tráfico de drogas que abastecia a área da Cracolândia.
A Prefeitura, por sua vez, tem criado outros mecanismos para reduzir o número de usuários. Instalou câmeras do Smart Sampa que ajudaram em processos investigatórios, fechou hotéis dominados por traficantes, criou novos atendimentos de saúde (como Serviço de Cuidados Prolongados e ampliação de CAPs). Com essas e outras ações, a administração passou a reduzir a atuação de traficantes. Ao mesmo tempo, passou a tirar cada vez mais usuários da rua.
O painel de Monitoramento da Cena Aberta de Uso, com dados públicos, já vinha mostrando a redução sistemática de usuários naquela região. Dados do Dronepol (sistema capaz de contabilizar o número de pessoas na CAU) informavam em 6 de maio de 2024, por exemplo, uma média de 651 pessoas no período vespertino. Um ano depois, 6 de maio deste ano, o número de usuários no mesmo período caiu para 103.
‘Temos ali uma equipe da GCM, da assistência social, da saúde, todos os dias convencendo essas pessoas a irem para tratamento. Com o abafamento realizado pelas operações contra o tráfico de drogas, evidentemente, sem a droga presente, você tem uma facilidade maior de convencer as pessoas a irem para tratamento’, explicou o prefeito Ricardo Nunes, ressaltando que o trabalho precisa continuar. ‘Eu não diria que hoje está resolvido. Mas nós estamos caminhando para poder resolver essa situação.’
O trabalho da prefeitura, por meio das secretarias de Assistência Social, Direitos Humanos, Saúde, Segurança e Subprefeituras, capitaneado pelo prefeito Ricardo Nunes, tem colocado na rua milhares de agentes públicos nos últimos quatro anos. Cerca de .600 agentes da Saúde e da Assistência Social realizam abordagens diárias em locais de ocupação momentânea de pessoas em situação de rua, oferecendo tratamento e acolhimento nas 4.450 vagas de 143 equipamentos municipais e estaduais – sendo 1.500 vagas e 71 equipamentos exclusivos para tratamento de dependência química.”
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