
A sentença prevê que o processo de renomeação seja feito com transparência, participação da sociedade civil e em consonância com normas internacionais de direitos humanos. É a segunda decisão favorável ao Instituto Vladimir Herzog. Cabe recurso. Ruas de São Paulo homenageiam nomes ligados à ditadura
A Justiça de São Paulo determinou que a Prefeitura da capital elabore, no prazo de 60 dias, um plano de ação estruturado para implementar uma política pública de direito à memória, voltada à substituição de nomes de ruas e espaços públicos que homenageiam figuras associadas à repressão durante a ditadura militar (1964-1985).
A decisão, proferida na segunda-feira (19) pelo juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, atende a uma ação civil pública movida pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com a Defensoria Pública da União. A sentença prevê que o processo de renomeação seja feito com transparência, participação da sociedade civil e em consonância com normas internacionais de direitos humanos.
Entre os logradouros mencionados está a Rua Trinta e Um de Março, referência à data do golpe militar, e a Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior, na Zona Oeste da cidade, apontado pelo Instituto como delegado envolvido em torturas e desaparecimentos forçados durante o regime. Ao todo, o juiz cita 11 casos sensíveis que estariam em desacordo com o princípio de reparação histórica.
“A paralisação do programa Ruas de Memória implicou em um esquecimento provocado. E, ao inverter seu sentido original — ao substituir homenagens a vítimas da repressão — a Prefeitura incorreu em desvio de finalidade”, afirmou o magistrado na decisão.
Essa é a segunda decisão favorável ao Instituto Vladimir Herzog. Em dezembro de 2024, a Justiça já havia concedido uma liminar obrigando a administração municipal a priorizar a análise de homenagens a agentes da repressão. Após recurso da Prefeitura, a medida foi derrubada. Agora, com a nova sentença, as obrigações tornam-se permanentes — ainda cabendo recurso.
“Preservar a memória é preservar a democracia”, diz Instituto
Para o diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, a decisão fortalece a necessidade de políticas públicas que garantam o reconhecimento das vítimas da ditadura.
“Mais uma vez, a Justiça reconhece que preservar a memória é parte fundamental da democracia. Cabe agora ao poder público cumprir seu papel, ouvindo a sociedade e garantindo que o passado não seja apagado nem reescrito”, disse.
A reportagem procurou a Prefeitura de São Paulo, que ainda não se manifestou sobre a decisão. Como a sentença é de primeira instância, ainda cabe recurso.
Veja os endereços que terão os nomes alterados:
Crematório Municipal de Vila Alpina – por homenagear o diretor do Serviço Funerário do município de São Paulo que dá nome ao crematório, “pessoa controversa porque viajou à Europa para estudar sistemas de cremação em momento coincidente com o auge das práticas de desaparecimento forçado”;
Centro Desportivo na Rua Servidão de São Marcos (Zona Sul) – por homenagear um general chefe do CIE (Centro de Informações do Exército);
Marginal Tietê/Avenida Presidente Castelo Branco (Zona Norte/Centro) – Marechal de Exército, foi o primeiro presidente da República após o golpe militar;
Ponte das Bandeiras (Zona Norte/Centro) – Nome da via foi alterado para homenagear ex-diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão da repressão política durante a ditadura);
Rua Alberi Vieira dos Santos (Zona Norte) – Colaborador do CIE, envolvido em repressão violenta.
Rua Dr. Mario Santalucia (Zona Norte) – Médico-legista envolvido em laudos necroscópicos fraudulentos.
Praça Augusto Rademaker Grunewald (Zona Sul) – Vice-presidente durante o período mais repressivo da ditadura.
Rua Délio Jardim de Matos (Zona Sul) – Militar e um dos principais articuladores do golpe de 1964.
Avenida General Enio Pimentel da Silveira (Zona Sul) – Associado ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) e a práticas de tortura.
Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior (Zona Oeste) – Delegado envolvido em torturas e ocultação de cadáveres.
Rua 31 de Março (Zona Sul) – Data que marca o golpe de 1964.
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Rua 31 de Março, na Zona Sul; data marca o golpe de 1964
g1
Em 2017, a capital ainda tinha 39 ruas com nomes ligados à ditadura militar, sendo que 22 homenageavam acusados de crimes contra os direitos humanos.
Uma das alterações mais recentes aconteceu em 2021, quando uma rua na Zona Oeste que homenageava o delegado do Dops Sérgio Fleury, apontado como torturador do frei dominicano Tito de Alencar Lima, recebeu o nome do rua Frei Tito, vítima de Fleury.
Um levantamento do g1 feito em janeiro de 2024 apontou que ainda restam oito ruas com nomes de pessoas apontadas pela Comissão Nacional da Verdade como responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura, além de uma rua que celebra o dia do golpe: 31 de março.
Até janeiro do ano passado, a cidade de São Paulo tinha 48.717 endereços registrados no Arquivo Histórico Municipal. Desses, cerca de 27,8 mil (57,2%) têm nomes dados em homenagem a figuras masculinas, como políticos, médicos, padres e militares. As mulheres dão nome a apenas 4,1 mil vias da capital.
Ao todo, 610 endereços foram batizados em homenagem a membros das Forças Armadas:
Coronéis: 293 endereços
Generais: 180 endereços
Sargentos: 76 endereços
Majores: 61 endereços