Trump quer turbinar Pentágono, e Elon Musk é o favorito na mamata de bilhões

A Casa Branca apresentou ao Congresso dos EUA uma proposta mínima de orçamento, que vai injetar mais recursos federais no Pentágono e cortar com motosserra em educação, ajuda ao exterior, saúde e programas de assistência social.

Embora alguns analistas afirmem que o esboço, também conhecido como “orçamento enxuto”, representa um discreto corte nos gastos do Pentágono, isso não inclui a proposta da Casa Branca de incluir uma despesa de US$119 bilhões (R$670 bilhões) com a defesa em um projeto de lei de reconciliação em debate no Congresso. Acrescentando isso à proposta básica de orçamento, que mantém o orçamento do Pentágono aproximadamente no mesmo nível de US$893 bilhões (R$5 trilhões) do ano passado, os gastos totais com despesa aumentariam 13%, chegando a US$1 trilhão (R$5,6 trilhões).

Elon Musk, o homem mais rico do mundo e assessor pessoal do presidente, alegava que iria cortar custos do Pentágono com seus capangas no chamado “Departamento de Eficiência do Governo”, o DOGE.

O que os especialistas dizem, no entanto, é que, se aprovado o super orçamento de Trump para o Pentágono irá quase com certeza beneficiar Musk e sua empresa SpaceX com enormes novos projetos.

O primeiro deles é um escudo antimísseis, apelidado de Domo de Ouro, que lembra a embromação de defesa de mísseis na “Guerra nas Estrelas” de Reagan. A proposta de orçamento de Trump também prevê um fluxo não divulgado de recursos para “domínio espacial dos EUA para fortalecer a segurança nacional dos EUA”. 

“Não importa como você olha, o orçamento do Pentágono é obsceno, no momento em que os fundamentos da nossa infraestrutura diplomática estão sendo dizimados, a rede de segurança social está sendo rasgada, e a pesquisa médica e científica está sob ataque”, disse ao Intercept William Hartung, pesquisador sênior do Instituto Quincy de Política Responsável. “Acrescente-se a isso que os recursos para o Pentágono se destinam tanto a a políticas eleitoreiras e fantasias tecnológicas, como o Domo de Ouro, quanto a uma estratégia sólida de defesa, e fica claro que os atuais recursos direcionados ao Pentágono não apenas são excessivos, mas tendem a prejudicar mais do que promover nossa segurança.”

‘Os atuais recursos direcionados ao Pentágono não apenas são excessivos, mas tendem a prejudicar mais do que promover nossa segurança.’

O Domo de Ouro de Trump parece ser pouco mais do que uma versão requentada da Iniciativa de Defesa Estratégica da década de 1980, um projeto fantasioso que pretendia derrubar os mísseis balísticos intercontinentais soviéticos, ou ICBMs, agora com um nome copiado do Domo de Ferro, a defesa antimísseis de Israel. Seu preço final foi estimado em centenas de bilhões, ou até trilhões de dólares.

E a SpaceX de Musk despontou como favorita para receber partes fundamentais do projeto do Domo de Ouro, que pretende construir uma rede de satélites para detectar e rastrear mísseis direcionados contra os Estados Unidos. A SpaceX não apenas fabrica foguetes que podem lançar cargas militares no espaço, mas também satélites que podem fornecer tecnologia de vigilância e de direcionamento. A empresa já é a principal fornecedora do Pentágono de serviços de lançamento e sistemas de comunicação em órbita terrestre baixa. 

Ao contrário do Domo de Ferro de Israel, que defende um país minúsculo contra ameaças de alcance curto, o Domo de Ouro dos EUA precisaria proteger uma área muito mais extensa contra um conjunto muito mais desafiador de armas, incluindo ICBMs e mísseis hipersônicos. Mesmo que fosse economicamente viável cobrir os Estados Unidos com essas defesas, a tecnologia não é.

“O Domo de Ouro é basicamente uma fantasia”, diz Gabe Murphy, analista de políticas na organização Taxpayers for Common Sense (Contribuintes pelo Senso Comum), que promove monitoramento apartidário para defender o fim dos desperdício de recursos. O sistema de defesa de Israel só precisa defender 22 mil quilômetros quadrados, enquanto o sistema dos EUA precisaria cobrir 9,8 milhões de km². “Os físicos dizem que essa tecnologia de defesa contra ICBMs e mísseis hipersônicos não existe. Direcionar dezenas, talvez centenas de bilhões de dólares para uma tecnologia com apenas uma vaga esperança de sucesso é um desperdício enorme.”

A SpaceX já propôs fornecer sua tecnologia do Domo de Ouro para o Departamento de Defesa por meio de um “serviço de assinatura”, segundo noticiou a Reuters. Autoridades e especialistas do Pentágono já manifestaram receio com esse modelo incomum para um programa crítico de defesa, que corre o risco de levar a superfaturamento e falta de fiscalização e controle sobre o programa.

‘Construir entre 600 e 1.200 satélites não significa que você possa efetivamente defender os Estados Unidos contra ICBMs e mísseis hipersônicos.’

“Com seu plano de modelo de assinatura, Musk pretende manter o controle desses sistemas e garantir o fluxo dos dólares dos contribuintes na sua direção”, diz Murphy. “Mas do mesmo jeito que um selo azul de verificado não te torna famoso, construir entre 600 e 1.200 satélites não significa que você possa efetivamente defender os Estados Unidos contra ICBMs e mísseis hipersônicos.”

Um grupo de 42 parlamentares democratas já pediu revisão pelo inspetor-geral do Pentágono sobre o papel de Musk no processo de licitação do escudo de defesa contra mísseis.

“O Sr. Musk, além de sua função na SpaceX, é um Funcionário Especial do Governo, assessor sênior do presidente Trump, e autoridade principal do Departamento de Eficiência do Governo (DOGE)”, escreveu o grupo. “A participação formal ou informal do Sr. Musk em qualquer processo de ajudicação de um contrato público desperta sérias preocupações de conflito de interesses, incluindo a possibilidade de que a SpaceX seja uma das principais concorrentes ao contrato do Domo de Ouro em razão do cargo do Sr. Musk no governo.” Se o inspetor-geral iniciar uma investigação e descobrir que Musk proporcionou uma vantagem à SpaceX no processo de licitação, os parlamentares solicitaram que as conclusões sejam encaminhadas ao Departamento de Justiça para uma investigação criminal.

A SpaceX entrou nos grandes contratos de defesa por meio do judiciário. Em 2014, a empresa entrou com uma ação contra a Força Aérea quando um contrato foi adjudicado com inexigibilidade de licitação a uma joint venture entre Boeing e Lockheed Martin, chamada United Launch Alliance. O argumento era de que a concorrência no processo de contratação poderia economizar centenas de milhões de dólares de dinheiro público por lançamento. A SpaceX venceu, e agora muitos observadores dizem que ela detém um quase monopólio sobre o mercado de lançamento de satélites nos EUA.

A diretora de operações da Space X, Gwynne Shotwell, diz que a empresa tem cerca de 22 bilhões de dólares (124 bilhões de reais) em contratos públicos, principalmente com a Nasa. Mas os negócios da SpaceX com o Pentágono se ampliaram e chegaram a quase 8 bilhões de dólares (45 bilhões de reais), à medida que a empresa vem prestando cada vez mais serviços ao Departamento de Defesa. 

A proposta de Trump prevê um corte de orçamento para a Nasa, mas a SpaceX ainda deve lucrar muito. A proposta de orçamento de Trump atinge a velha guarda do complexo militar-industrial, incluindo concorrentes que a SpaceX desalojou para ganhar espaço no Pentágono. Trump está propondo que a Nasa interrompa o financiamento do Sistema de Lançamento Espacial, um enorme foguete da Boeing e da Northrop Grumman, e da cápscula de astronatura Orion, da Lochkeed Martin, que seria usada para levar os EUA à Lua novamente.

A SpaceX ganhou recentemente um contrato de 843 milhões de dólares (4,7 bilhões de reais) para “des-orbitar” a Estação Espacial Internacional depois de sua aposentadoria, em 2030. Musk incentivou Trump a antecipar essa derrubada e se concentrar em seu projeto de estimação, e publicou no seu próprio site X: “Vamos para Marte”. 

O cancelamento de partes fundamentais do programa lunar da Nasa por Trump abre espaço para priorizar Marte. Sua proposta de orçamento também propõe 1 bilhão de dólares (5,6 bilhões de reais) em novas despesas, especificamente destinadas a uma missão ao planeta vermelho.

Colonizar Marte é uma das principais obsessões de Musk há muito tempo. Tirar os Estados Unidos da equação e violar o direito internacional são aparentemente partes do seu plano. O contrato de prestação de serviços de internet Starlink, da SpaceX, apresenta uma visão de Velho Oeste para o planeta:

“Para os Serviços fornecidos em Marte, ou em trânsito para Marte na Starship ou em outra espaçonave, as partes reconhecem que Marte é um planeta livre, e nenhum governo da Terra tem autoridade ou soberania sobre as atividades marcianas. Dessa forma, os litígios serão resolvidos através de princípios de autogoverno, estabelecidos de boa fé, no momento da colonização marciana.”

A SpaceX já está de olho em Marte com seu foguete de carga pesada Starship, e Musk está propondo publicamente “democracia direta, em vez de representativa” no planeta. “Os marcianos decidirão como são governados”, escreveu no X, ano passado. Mas o Tratado do Espaço Sideral, de 1967, em que a ONU declarou um conjunto de princípios para o espaço, afirma inequivocamente que o espaço sideral é “o domínio de toda a humanidade”, e está sujeito ao direito internacional.

(No momento da publicação desta matéria, porém, mais uma espaçonave não tripulada Starship explodia durante um voo de teste. Foi o terceiro lançamento em 2025, e a terceira explosão. Não há planos de interromper os lançamentos.)

‘Trata-se de um bilionário não eleito que está descendo uma marreta sobre programas essenciais de diplomacia e suporte básico aos americanos necessitados.’

O favorecimento de Trump, às fantasias marcianas de Musk com dinheiro dos contribuintes dos EUA, os contratos bilionários de Musk com a Nasa e o Pentágono, e os outros bilhões que sua empresa deve receber do fantasioso projeto do Domo de Ouro de Trump despertam questionamentos profundos sobre corrupção.

Esses novos contratos e prioridades orçamentárias estão “todos indo para um homem que gastou cerca de 290 milhões de dólares (1,6 bilhão de reais) para eleger Trump e outros republicanos. “Trata-se de um bilionário não eleito que está descendo uma marreta sobre programas essenciais de diplomacia e suporte básico aos americanos necessitados”, disse Hartung ao Intercept dos EUA. “O conflito de interesses é de cair o queixo, e seu poder — e a forma como ele o exerce — é obsceno.”

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